9 de março de 2074
Springfield, Massachussets
Acordei em um lugar desconhecido, pela segunda vez na semana. Acho que me meter em encrenca está virando parte da rotina. Num primeiro momento, estava tudo escuro, apenas pude destingir uma luz vindo do canto superior do quarto e ao meu lado, além de um incessante "bip" que me dava nos nervos. A luz foi penetrando em minha retina e pude distinguir as cores e formar imagens, vendo um quarto de hospital impecável. A luz que vi no canto do quarto era um pequeno televisor, de umas 30 polegadas, e ao meu lado, o painel que indicava a respiração e batimentos cardíacos. Sentado à minha direita, havia um homem com terno preto e óculos escuros, mesmo dentro do quarto. Ao ver-me acordado, chamou outro agente pelo walkie-talkie em sua orelha, deduzi. Logo, outras três pessoas chegaram, um médico acompanhado da enfermeira e o tal outro agente. A moça segurava uma seringa, que eu, infelizmente, já sabia seu conteúdo. Me preparava psicologicamente para qualquer catástrofe que pudesse acontecer nos próximos minutos e a grande quantidade de sedativo que viria a seguir. O médico pigarreou, preparando a voz para uma notícia que me marcaria para todo o sempre.
-Sr. Willis, não gostaria de por o peso do mundo em suas mãos, mas temo pelo bem estar da população do nosso país. Seu experimento genético falhou, causando a morte do Conselho inteiro e, infelizmente, todos os funcionários que estavam presentes no prédio. -Suava frio. O Conselho, os seguranças, as secretarias, meus parceiros de trabalho... Todos, por minha culpa, tiveram suas almas arrancadas de seus corpos. Meu instinto foi tatear a cabeceira ao meu lado, procurando incessantemente por um telefone, sendo interrompido pelo mesmo médico que estava em minha frente. -Inclusive sua esposa. Seu corpo não foi encontrado, mas conseguimos identificar vestígios de Ilana na... -Não conseguia ouvir mais. As vozes ao meu redor desaceleraram e só pude ver o movimento, bem lento, de suas bocas. Podia sentir meu coração parar de bater, assim como o movimento da maca, para algum lugar desconhecido. Podia sentir a dor, o choque do desfibrilador encontrando meu peito, assim como a formigação em meus dedos. Podia sentir um último suspiro, assim como a sensação de cair em um sono profundo.
Chicago, Illinois
Depois da morte do bendito doutor que causou toda essa desgraça que o país estava passando, se antes a situação não tinha nada demais, agora era desastrosa, porque ninguém sabe como se transmite a doença, como se previne e nem como se cura. Spriengfiled está de quarentena máxima, ninguém pode entrar, muito menos sair. Os que estavam em um raio de 10km do laboratório, com risco de conterem o vírus, estavam ocupando todo o hospital municipal, e eram privados de visitantes. O país estava um caos, o governo tinha planejado um recurso de emergência um tanto violento: bombardeio à cidade. Protestos ao longo da costa leste, enquanto a oeste de protegia da epidemia. Os estados no meio dessa muvuca, Illinois por exemplo, dividiam-se entre protestar contra o governo ou proteger-se. Afinal, qual a melhor estratégia? Atacar com toda a força para acabar com o inimigo ou defender-se de algo maior? Acho que o que as pessoas não sabem, é que o inimigo não é o governo, e sim o doutor que causou isso. Mas como ele morreu, temos que descontar em alguém.
-Filha, o jantar está servido. -Minha mãe corta meus pensamentos filosóficos, chamando-me para comer.
-Já vou, mãe. -Respondi, levantando-me da cama e indo em direção à sala de jantar. Normalmente não comemos lá, mas a casa estava cheia e não havia espaço para todos na cozinha. Além de meus pais e eu, estávamos abrigando alguns amigos e familiares que moravam no oeste, então ao invés dos convenientes três moradores, a casa abrigava dezessete. Era bem espaçosa, as vezes até demais, mas agora, parecíamos sardinhas dentro de uma lata. O pior, é que estava cheia de gente que nunca tinha ouvido falar! Para mim, nossa família se resumia a mim e meus pais, somente. Amigos? Miguel, que estava no México e, talvez, colegas de trabalho da minha mãe e do meu pai. Ao chegar lá, estranhamente não vi ninguém. Um vazio um tanto incomum, considerando a situação. A casa fora engolida por um súbito silêncio. E podia ouvir meu nome sendo chamado, começando em um sussurro, indo até um grito dentro de minha cabeça. Dizia coisas horríveis, muito mesmo, e só queria que parasse. Corri para um canto da sala e me encolhi em posição fetal, gritando para Deus. Imagens corriam como flashes, minha casa sendo invadida, meus pais gritando de dor, minha família caindo aos poucos no chão, sendo levados por homens de terno. Não aguentava ver aquilo e comecei a chorar inconscientemente. As vozes ficavam mais claras e me depreciavam, narrando a cena e dizendo coisas horríveis sobre minha mãe, meu pai, minha família.
-Saiam da minha cabeça!! -Berrei com todas as forças, quando fui impedida por algo sobre minha boca. Abri os olhos e levantei em um susto, quando percebi que estava, na verdade, em uma cama, dentro de um lugar desconhecido. Olhei em volta, esperando a luz chegar à minha retina e as imagens se formarem com clareza. Estava em uma espécie de cela, mas muito mais sofisticada, de metal, com porta ao invés de grade, a cama era macia e o travesseiro, confortável. Ao tentar descobrir alguma pista que me dissesse onde me encontrava, avistei uma câmera no canto superior, logo acima da porta. Mexi os braços, que estavam no alto, tentando chamar a atenção e dizer que estava ali por um terrível engano. Acho que me viram, pois poucos momentos depois, um homem um tanto familiar surgiu na porta. Ele usava o mesmo terno que os homens do meu sonho usavam e, quando percebi esse detalhe, meus pelos se arrepiaram. Os globos azuis, que eram seus olhos, me observavam, intrigados. Acho que ele me via como um bicho assustado que não pertencia àquele lugar, não consigo dizer. Seus olhos eram frios, mas brilhavam ao dirigir sua primeira palavra a mim.
-Você é Emily Ford?- Indagou e ouvi pela primeira vez sua voz, rouca e autoritária.
-Sim...- Respondi firme, e me surpreendi por não ter gaguejado.
-Sinto muito pela abordagem violenta, mas precisamos urgentemente de você. -Declarou, sério.
-De mim? O que querem comigo? -Lembrei-me dos flashes do sonho, e me preocupei imediatamente. -E minha família? O que fizeram com ela? -Pude ver o peso do seu olhar aumentar, assim como o número de coisas que passavam por minha cabeça. Será que foram sequestrados? Machucados? Mortos?
-Queira me acompanhar, por favor. -Ele tentou desviar da pergunta, me fazendo querer mais ainda uma resposta para ela.
-Vou, mas vai ter que me responder primeiro. -Tentei, encarando seus olhos, quase vacilando. Ele desviou o olhar antes, fitando o chão, quando caminhou lentamente em minha direção, arrepiando meus pelos. Andei um pouco para trás enquanto ele ainda olhava para baixo, mas seu olhar voltou subitamente para mim. Quando sua voz saiu, foi baixa, num sussurro, quase que me ameaçando.
- Você não decide o que eu posso ou não fazer, mas eu decido o que você pode, porque sou adulto, e você é só uma pirralha do ensino médio. -Ele cuspiu as palavras com tamanha voracidade, que achei que se não fizesse o que ele mandou, iria me esfolar. Levantei, relutantemente, e segui-o através da porta. Ao sair da "cela", pude ver que tratava-se de um quarto. Sim, havia um corredor cheio de portas, que davam em diferentes salas. -Você tem direito à três perguntas e eu decido se vou ou não respondê-las.- Falou, de repente, fazendo-me parar de observar o lugar.
-Onde estamos indo? -A primeira dúvida que passou pela minha cabeça.
-Ande por mais dois minutos que saberá. -Ele respondeu, triunfante, pois sabia que havia gastado uma pergunta com algo bobo. Pensei melhor da próxima vez.
-Onde estamos? -Escolhi minhas palavras com cuidado, para não irritá-lo.
-Em uma base militar do governo. -Sua resposta foi simples. Esperei por alguns segundos o resto dela, mas parece que era só isso.
-E... Onde, por que? O que eu estou fazendo aqui? -Procurei saber um pouco mais.
-Isso conta como mais perguntas. Tem certeza que não quer usá-las com mais sabedoria? -Ele descobriu minha tática. Analisei minha dúvidas meticulosamente.
-Quantos anos você tem? -Soltei, depois de alguns momentos em silêncio. Ele parou subitamente, estranhando a pergunta, me dando um susto.
-É essa sua última pergunta? -Ele estava incrédulo. Assenti arduamente, como uma criança que responde para alguém se ela quer biscoitos.- Por que quer saber?
-Ei, sou eu que faço as perguntas aqui. -Falei com a voz grossa, imitando falas de filmes famosos. -Sempre quis dizer isso! Tudo bem que era para eu estar interrogando uma pessoa e tal, mas...
-21. Pronto, feliz? -Interrompeu-me. Olhei para ele abismada.
-Sério? 21, só isso? Como você está com essa moral toda, de terno preto e óculos escuros pendurados no bolso da camisa, arrombando casas e dando choque nas pessoas?
-Espera, como você sabe que fui eu que te atingi... -Ele começou, com uma leve alteração na voz, mas parou e percebeu que eu havia conseguido com que ele respondesse uma quarta pergunta. Sorri maliciosamente, ratificando suas suspeitas. -Pirralhos... -Desabafou ele, em um suspiro. Andou mais rápido, a fim de chegarmos logo, onde quer que ele queria chegar.
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Infected- A origem (cancelado)
Fantasi"Ninguém me disse que eu teria que viver assim. Se eu soubesse, teria nascido e já começado a me preparar fisicamente, espiritualmente e psicologicamente para isso" - Emily Ford, 17 "Não sei se ainda tenho traços da humanidade. Quando vejo uma ameaç...