2 de março de 2074
Chicago, Illinois
A televisão estava, novamente, ligada no canal de notícias, que por sua vez passava pela milionésima vez alguma história sobre o tal "acidente" em Springfield. Todos estavam de quarentena, confinados em suas casas e os aeroportos não funcionavam. Os Estados Unidos estavam em estado de calamidade e nenhum imigrante seria aceito, tampouco um emigrante seria permitido de sair. Não aguentava mais ver aquelas imagens horríveis, corpos por todos os lados, alguns mortos pela segunda vez. O som do aparelho estava alto, e sua tela colorida era fitada por todos os presentes na sala. O apresentador do telejornal que passava no momento estava com um pesar muito grande estampado nos olhos, como se pudesse sentir a dor de todos aqueles que morreram e de seus familiares. Sua voz estava um pouco trêmula, mas continuava a notícia.
-Não se sabe ao certo o número de baixas de policias, mas estima-se que mais da metade esteja morta. Dos sobreviventes, listam-se apenas dois funcionários do laboratório, o doutor Frank Willis, maior suspeito do massacre, e doutor Pierce Coffman, o diretor-chefe da área de vacinas.
Não aguentando mais ouvir, dirigi-me até meu quarto, esperando isolar-me do isolamento imposto pelo governo. Se isso faz sentido? Não, mas era o melhor que eu podia fazer. Desbloqueei o celular, rezando para que alguém mandasse alguma mensagem, mas nenhum dos meus amigos virtuais se interessava no momento. Provavelmente estavam se despedindo de seus entes queridos, porque, convenhamos, até eu sabia que o mundo havia acabado. Quantas histórias clássicas sobre o fim do mundo começavam desse jeito? Acho que no começo do século, nos anos 2000, o assunto era esse. Estudei isso em história do cinema, mas nunca achei que fosse realmente acontecer. Provavelmente todas as pessoas estariam perto de suas famílias, se reunindo pela última vez, menos eu. Éramos só eu, minha mãe e meu pai. Por incrível que pareça, meus pais se conheceram em um orfanato, se apaixonaram e ficaram juntos a vida inteira. Sem pais, mães, avós ou avôs para contar a história, só nos três. Não havia necessidade de uma "grande reunião familiar" ou coisa parecida, para nós isso se chama jantar aos sábados, onde estamos todos juntos. Tentando dispersar esses pensamentos, optei por voltar para sala e passar meus últimos dias com eles, mesmo não sendo os pais mais presentes do mundo, bastavam para mim. A televisão resolveu dar um tempo das matérias depressivas, que, mesmo sem querer, sempre transmitiam a mensagem "Ame as pessoas como se não houvesse amanhã, pois o mundo acabou" ou coisas do gênero, e passava um desenho qualquer, talvez tentando amenizar o clima. Sem sucesso, porque minha mãe debulhava-se em lágrimas e não parava de murmurar "Era o desenho favorito da Emily" ou "Tive que aturar esses bichinhos coloridos a minha vida inteira por causa da Emy" ou até mesmo "Meus netos estariam vendo isso daqui a vinte anos se os homens não tentassem brincar de Deus". Já meu pai não estava mais aguentando o chororô da mamãe, e, sinceramente, nem eu. Fui para a varanda e observei a cidade ao horizonte, silenciosa e à beira da morte, assim como todas ao longo dos Estados Unidos. Mas minha melancolia se dava ao fato de, exatamente naquele fim de semana, meu melhor amigo viria passar um tempo comigo. Miguel, nasceu no México e veio para os Estados Unidos com 4 anos, morou por 8 anos em Chicago e éramos vizinhos de porta, até a mãe dele "dar a louca" e resolver "voltar às origens", arrastando a família com ela até o país dos avós dela. Tanto eu quanto Miguel desgostamos da ideia, mas meus pais apoiaram- até hoje acho que eles queriam afastar o menino de mim, mesmo depois de tantas negações por parte deles-, então eles partiram faz uns 5 anos, mas todo o ano Miguel volta e fica boas duas semanas hospedado aqui em casa. Meus pais sabiam o real motivo do meu estado. Sabiam que eu não dava a mínima para a humanidade, a minha vida ou a deles. Sabiam que eu só vivia para Miguel e vice-versa, porque ele é meu diário ambulante e eu sou o dele. Todos os meus segredos são dele e todos os dele são meus, todo o drama adolescente que eu passo, ele sabe e todas as histórias que ele vive, ele conta. Foi necessário muito tempo para descobrir esse tesouro, e vou dar tudo de mim para mantê-lo. Mas o fim está próximo- mais do que eu gostaria que estivesse- e meu porto seguro estava a milhas de distância.
Tentei novamente mandar alguma mensagem, mas não conseguia. A internet não estava funcionando e logo estranhei o fato.-Mãe, por que estamos sem internet?- Gritei de dentro do meu quarto.
-Desviaram toda para os governos. Nenhum cidadão de nenhum país tem rede agora. -Respondeu, sendo essa uma coisa que nenhum jovem gostaria de ouvir. Ainda completou com uma frase que todos já devem ter ouvido.- Se visse o jornal, já saberia disso, mas não, fica com a cara nessa titica aí, digitando sem parar!
-Ah, me erra mãe! -Rebati, enfiando a cara no travesseiro logo depois. -Vou me sufocar, é mais divertido que ficar fazendo nada.
Resolvi que, se ficasse mais tempo parada naquela posição, eu ia realmente morrer sem ar, então coloquei uma música alta no fone de ouvido e passei a fitar a parede, já que morreria sem ar, só que mais produtivo. Todos os rockeiros gostosos e sem camisa me encaravam, e os normais- ou muito magricelas- tocavam algumas das minhas músicas favoritas, com poses imortalizadas naqueles retratos, artistas de todas as bandas- deste e do século anterior- possíveis. Tirei os fones e cheguei perto de um dos meus pôsteres favoritos, os Walkers of The Moon, uma banda antiga dos anos 50. Minha mãe era fissurada nesses caras, que nada mais era do que dois irmãos que tocavam guitarra e bateria, mas tinham talento e uma voz bonita. Jared e Jensen Collins encaravam a câmera e sorriam felizes.
-Queria pode sorrir assim... -Suspirei para o nada.
-Você pode. -O nada respondera, com uma voz desconhecida. Antes de conseguir virar-me para ver quem invadira minha casa e entrara no meu quarto, senti pontadas de dor e tudo escureceu em questão de segundos. A única coisa que consegui ver foram dois olhos que brilhavam como diamantes e era tão azuis quanto safiras.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Infected- A origem (cancelado)
Fantasy"Ninguém me disse que eu teria que viver assim. Se eu soubesse, teria nascido e já começado a me preparar fisicamente, espiritualmente e psicologicamente para isso" - Emily Ford, 17 "Não sei se ainda tenho traços da humanidade. Quando vejo uma ameaç...