Banho de sangue

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Springfield, Massachussets

Poucas pessoas têm a infelicidade de perder os pais em um curto período de tempo. Eu tive o azar de ficar órfão em apenas cinco horas. Minha mãe morreu para uma coisa -só essa palavra para descrevê-la- e meu pai morreu de ataque cardíaco, horas depois, quando descobriu do falecimento de sua mulher. Eu e minha irmã, Lily, ficamos sozinhos no mundo. E pensar que no dia anterior estávamos planejando passar o final de semana na Flórida, com nossos avós. A última coisa que falei para minha mãe era que eu a amava. Eu estava chorando como uma criança, deitado com a cabeça no meu travesseiro, encolhido. Precisando de um carinho de mãe. Coisa que eu nunca mais poderia ter. A verdadeira criança da casa, que tinha apenas sete anos, estava sentada no sofá, vendo algum filme infantil.

-Tate! -Lily gritou repentinamente. -Você disse que a mamãe ia chegar cedo hoje! -Ela repetia pela milésima vez.

-Eu já disse que ela está numa semana difícil! O papai está viajando, ela tem que trabalhar por dois. Ela vai embora bem cedo e volta tarde, depois de você dormir. -Eu inventei essa história de última hora e ela vem sendo minha desculpa pela ausência dos nossos pais por mais de uma semana...

-Tá bom, então. Pelo menos vem assistir comigo, está quase na hora de "O Mundo Mágico de Maria Maravilha". Mamãe sempre vê comigo, mas ela não está aqui... -A menina apareceu na quina da porta e me encarava com olhos inocentes, que não entendiam o motivo da minha súbita tristeza. Virei-me de lado para chorar escondido, ao lembrar-me da época -como se fizesse muito tempo, isso aconteceu semana passada!- que minha mãe e Lily assistiam esse desenho sentadas no sofá, deliciando-se com pipoca, refrigerante e pasta de amendoim. -Por favor! Pela sua irmãzinha... -Ela aproximou-se da cama e esperou alguns segundos. Quando percebi que ela não iria embora até eu concordar, não pude resistir.

-Ok... Só porque mamãe não está em casa. -Cedi, só desta vez, aos pedidos de Lily. O desenho era simples, a história era boba e tudo acabou bem no final. Minha irmã estava deitada no meu braço, já que meu ombro era muito maior que o dela. Peguei o embrulho e carreguei até sua cama, desligando a luz e a televisão. Na casa, estava tudo em paz, mas não posso dizer o mesmo da minha cabeça. Novamente, não consegui dormir.

Casa de alguém desconhecido, Springfield, MA

-Como está o vovô? -Perguntava pela décima vez em cinco minutos a menina sentada no sofá da sala.

-Mal. Continua tossindo sangue. Acho que a hemorragia foi muito séria. -A mulher que saía do quarto respondeu. O clima estava tenso, todos estavam preocupados e sabiam que não podiam fazer nada.

-Pelo amor de Deus! Levem-no para um hospital logo! Vão deixar ele morrer? -O homem gritou, irritado com a atitude da irmã de querer manter seu pai em casa.

-Ele disse que quer ficar em casa! Acha que eu não estou me segurando para pegar o carro e correr para lá? -Exaltou-se. -Todos sabemos que papai não passa de hoje, até ele sabe! Ele fez um último pedido para nós e você quer descumprí-lo? Deixe o coitado morrer em casa! Agora vire o homem que eu sei que você é e mostre seriedade para seus sobrinhos. -Ela cuspiu as últimas palavras, tentando passar força e confiança, mas só conseguiu magoar ainda mais o irmão.

-Violet, Robert está te chamando. -Uma senhora apareceu na sala, chamando a garota sentada no sofá, lendo um livro. Ela levantou rapidamente, largando o que estava segurando e correndo para o cômodo seguinte. Na cama, estava seu avô, em seus últimos momentos de vida.

-Vovô? -Violet chegou mais perto dele. -O que foi?

-Vi... Eu quero te dizer algo muito importante. Não importa o que aconteça, siga em frente. Seja voando, correndo, andando ou rastejando, não pare de seguir em frente. -O conselho mais sábio de todos. Logo depois o velho senhor parou de respirar. E Violet ficou encarando o corpo de um homem que um dia fora seu parente. Saiu do quarto em choque, refletido sobre as últimas palavras de Robert. -Ele morreu. -Disse ela pura e simplesmente, olhando fundo no olho de seu tio, sua mãe e sua avó.

-Não, Robbie! -Marie, a senhora, começou a chorar. Logo, juntaram-se à ela seus filhos, Vivien e Luke. O círculo estava formado e o único homem ali estendeu o braço para a sobrinha, convidando-a a abraçá-los também. Alguns minutos se passaram com eles naquela mesma posição, quando ouviram gemidos vindo do quarto do falecido. Não, não eram gemidos de prazer. Nem de dor. Nem de pavor. Eram de fome. Todos correram para o quarto, podendo ver, com horror, o homem, que há pouco estava morto, levantar-se e caminhar na direção deles. Sua pele ainda estava quente, parecia vivo ainda. Mas seus olhos não eram mais os mesmos, seu jeito carinhoso fora embora com sua alma, deixando apenas carne pronta para apodrecer e servir de comida para bactérias e fungos. Mas tudo isso não foi percebido pela família na fração de segundo que demorou para a mandíbula de Robert -ou do que era ele- fincar na carne de seu filho, que deu um grito de dor com a mordida. O pior foi quando a carne foi arrancada de seu braço, jorrando sangue pelo quarto inteiro e sujando tudo em sua volta. Com o susto e o medo, o coração de Luke sofreu os efeitos da adrenalina, batendo mais rápido. Algo muito ruim naquele momento, pois as artérias cortadas ao meio sangravam com mais intensidade, manchando a paredes cor de gelo. Vivien, Violet e Marie saíram do quarto, sem entender o que havia acontecido e correram para fora de casa, apenas ouvindo os gritos horrendos de Luke, que era devorado pelo seu próprio pai.

-O que é isso? Por que o vovô está assim? -Violet tentava entende algo que ninguém sabia como explicar ou o que era. -Alguém ajuda o tio Luke! -Ao pronunciar essas palavras, só deu tempo de ver sua mãe pegar uma pistola calibre .44mm e entrar na casa. Sabendo o que veria em seguida, tapou os ouvidos e deu as costas para casa. Obviamente suas mãos não conseguiram impedir as ondas sonoras dos tiros de chegarem aos seus ouvidos. O barulho e a confusão chamou a atenção de todos em volta, que aglomeraram-se no jardim da casa, ansiando pelo que passaria pela porta da frente. O susto foi geral: uma figura ensanguentada, com olhos brancos, assim como seus cabelos, com buracos de tiro pelo corpo inteiro. Logo atrás, vinha um animal mais jovem, parecido com o primeiro, com partes de órgãos para fora. Eram Robbie e Luke. Duas criaturas sedentas de sangue em meio a uma multidão. Era como um chocólatra em uma fábrica de chocolate.

Infected- A origem (cancelado)Onde histórias criam vida. Descubra agora