Correr nunca foi o esporte preferido de Harry White.
Quando o homem estava em fase de treinamento para ser aprovado na Scotland Yard, por exemplo, detestava as provas de aptidão física justamente por causa daquela etapa sempre tão fatídica do processo. Era odioso o modo como ele perdia o fôlego rápido demais e, mais detestável ainda, como nunca conseguia alcançar a velocidade almejada. Chegava a ser vergonhoso, e apesar de Harry geralmente compensar tudo nos outros testes — como os de tiro e lógica — ele realmente não gostava de falhar.
Por isso e antes mesmo de tudo acontecer, Harry já sabia que aquela perseguição não acabaria bem. Como sempre, correr não se mostrou algo agradável — e muito menos útil — naquela tarde londrina, fria e cinza demais, quando Harry perseguiu um homem encapuzado por entre as ruas cheias da cidade. Seu sangue corria quente pelas veias e os pulmões quase não davam conta de processar o ar que, hora ou outra, parecia não ser suficiente para manter o fôlego do policial. Harry chegou a tomar uma nota mental que dizia "Pare de fumar, seu idiota, ou vai acabar perdendo os pulmões", mas foi algo extremamente momentâneo e, em um minuto, tudo o que ele queria fazer era parar e acender um cigarro.
Toda aquela preocupação extremamente aleatória abandonou os seus pensamentos assim que Harry sentiu um baque contra o próprio corpo. Antes que pudesse reagir, ele caiu no chão, grunhindo com o impacto e caindo violentamente contra o asfalto da rua. A dor no abdômen não o deixou levantar e, mesmo com o filete de sangue escorrendo pela lateral de seu rosto, Harry só entendeu o que estava acontecendo quando viu o carro parado atrás de si. Um rapaz desceu do veículo e andou até o policial, falando coisas tão sem sentido e com um tom de voz tão irritante que, se Harry não estivesse tão zonzo, provavelmente teria gritado com ele.
Meio atordoado, o policial notou o círculo de curiosos pouco a pouco tomando forma ao seu redor. E enquanto ele tentava aceitar o fato de que tinha acabado de ser atropelado, tudo finalmente começou a escurecer.
...
Cronologicamente, apenas três horas foram gastas, mas, quando acordou, estava sozinho dentro de uma ambulância enquanto um caos digno de dias se instalava do lado de fora. Sua boca estava seca e ele estremeceu quando uma corrente de ar frio bateu contra o seu corpo, fazendo-o finalmente notar a falta do casaco e da camiseta preta que antes vestia.
Passou os olhos por si mesmo, percebendo os curativos feitos em seu peito e os arranhões em seus braços. Arrancou todos os pequenos esparadrapos brancos colados em sua pele, pegou a sua camiseta e, ainda zonzo, foi em direção a Enzo, que estava conversando com um paramédico de frente para uma outra ambulância, do outro lado do estacionamento.
Enquanto andava, tudo dentro da mente de Harry se mostrava extremamente confuso. Sua cabeça doía, mas agora não era apenas mais uma de suas enxaquecas. Era o resultado doloroso de sua recente contusão. A desordem de sua coordenação motora era iminente e prolongava seus passos. Era realmente difícil andar quando a sensação era a de que todo o seu corpo estava prestes a desmontar em pedacinhos.
Tudo do lado de fora lembrava um cenário apocalíptico, a produção de algum filme extremamente ruim. Havia um prédio exalando fumaça negra, bombeiros, curiosos, jornalistas, médicos e policiais. A chuva também não ajudava a amenizar qualquer situação. As gotas minúsculas causavam pequenas ondas nas poças de água, fazendo aquela frágil realidade parecer uma grande ilusão de ótica.
Harry continuou caminhando em direção a Enzo, já vestindo a sua camiseta preta. O tecido causou um ardor significante no peito dolorido do homem e agiu como uma dolorosa motivação para ir mais rápido. Infelizmente, quando chegou perto do chefe, tudo escureceu de novo. Dessa vez, foram questões de segundos e, quando Harry abriu os olhos, estava sendo guiado por dois socorristas para dentro da ambulância mais próxima.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quem Matou Sofia? (DEGUSTAÇÃO)
Mystery / ThrillerHistória vencedora do Wattys 2016! A história do detetive Harry White poderá surpreender. Longe dos clichês de policiais misteriosos, Harry é provido de um humor ácido invejável e é completamente devoto ao seu trabalho. Não tem proble...