O celular comprado em 2010 numa liquidação de uma loja em falência parecia extremamente pequeno nas mãos de Harry White. O aparelho era de um modelo antigo que provavelmente não resistiria por muito mais tempo se o detetive continuasse depositando tanta força na hora de segurá-lo rente ao ouvido, mas era uma coisa que White não podia evitar. Ele odiava conversar com pessoas daquele jeito. Era como se estivesse falando sozinho, como um palhaço.
— Tá, ela bebia... E daí? - questionou Enzo West, do outro lado da linha.
Quando soube que o parceiro iria entrar naquela discussão com o chefe, Angelina resolveu sentar no sofá plastificado do apartamento de Sofia e esperar. Era sempre daquele jeito: os dois discutindo por causa de alguma teoria maluca que Harry White havia montado com base em poucas provas e muitas deduções. Com o tempo havia se tornado cansativo para ela.
— Existe uma grande diferença entre beber e esconder garrafas de bebida dentro de ursos de pelúcia, Enzo. Sofia tinha problemas — argumentou Harry, segurando o telefone perto do ouvido como se aquilo fosse fazer o chefe entender o seu ponto. — Se Sofia bebia, podia muito bem ter depressão ou problemas com drogas.
— Ela poderia ter dívidas com gente errada— completou Angelina, gritando ao fundo.
Enzo West suspirou, e Harry soube que ele se esforçava para não concordar com a teoria dos dois parceiros. Era assustador sequer pensar em dizer em voz alta que um Spilman tinha defeitos, principalmente defeitos que envolvesse álcool e drogas. Tudo tinha que ser perfeito quando se tratava daquela família.
Se aquele rumor se espalhasse, o caos se tornaria pior.
— Ela era a adolescente mais rica da cidade. Por que teria dívidas?! - Enzo, por fim, achou um ótimo argumento.
— Por que ela moraria em um prédio no centro da cidade, longe da mansão dos pais? — Harry rebateu. — Talvez as coisas não estivessem muito boas entre ela e a família. Talvez Sofia estivesse com problemas financeiros...
— Vou pensar sobre o assunto. — Enzo resolveu ceder, cortando-o antes que o homem falasse mais alguma coisa.
Harry agradeceu e, então, desligou o telefone. Angelina levantou do sofá e se aproximou dele, oferecendo um cigarro ao amigo, e os dois fumaram na sacada do apartamento da vítima por trinta minutos enquanto observavam o movimento do centro.
— Ela se jogou daqui — comentou Angelina, como se notasse o lugar em que estavam pela primeira vez.
Harry concordou com a cabeça. O parapeito da sacada não tinha nada de extraordinário ou mórbido, mas a visão do asfalto andares abaixo dos pés dos dois foi o suficiente para fazer o detetive sentir um frio na barriga.
— Ou que alguém a jogou— lembrou White.
Angelina estreitou os grandes olhos azuis para ele.
— Deus, quem teria coragem de matar um Spilman?
Harry White tragou o cigarro, mas não conseguiu encontrar uma resposta. Por isso, balançou a cabeça, se inclinou sobre o parapeito e olhou para o chão metros abaixo pensando em como aquela provavelmente fora a última coisa que Sofia Spilman havia visto na vida.
Quando seus olhos pararam no café e no funcionário que colocava as mesas e cadeiras dispersas na calçada para dentro, provavelmente por já ser a hora de fechar, Harry White pensou em algo importante.
— Steven disse que havia um colega de Sofia naquele café— comentou, já deixando o cigarro cair sacada abaixo— Vamos ver se ele está por lá.
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Quem Matou Sofia? (DEGUSTAÇÃO)
Mystery / ThrillerHistória vencedora do Wattys 2016! A história do detetive Harry White poderá surpreender. Longe dos clichês de policiais misteriosos, Harry é provido de um humor ácido invejável e é completamente devoto ao seu trabalho. Não tem proble...