V I N T E E D O I S

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     Na noite em que o Caso Ryan fora encerrado, Harry White entrou pela porta da frente de sua casa com o sangue do seu melhor amigo cobrindo seu corpo dos pés à cabeça. Ele tremia de frio, pois estavam no meio do inverno, e apesar da chuva ter limpado boa parte de suas roupas, ainda havia resquícios de vermelho em meio às folhas e à terra impregnadas na pele do policial.

     Harry entrou em casa, manchando o chão de pegadas lamacentas, e andou até o sofá da sala. Sentou-se ali e ficou parado, estático e ereto, olhando para a TV desligada até Natallie chegar. Ele não se mexeu quando a esposa abriu a porta; não a interrompeu quando a mulher entrou e pendurou o casaco no cabide sem parar de falar sobre a reforma no hospital; não deu nenhuma satisfação quando ela reclamou das marcas no chão e, principalmente, não se assustou com o pequeno grito que ela dera quando o encontrou naquele estado.

     Harry não se moveu um centímetro, não disse uma palavra, não deu uma única explicação. Ele não conseguiria, mesmo que quisesse. Havia acabado de passar por uma das piores noites de sua existência: um terror onde corpos e sangue se misturavam à morte do seu melhor amigo.

     Natallie sentou ao lado do marido, no sofá, e fez perguntas. Passou os dedos pelo rosto de Harry e limpou a terra que cobria as suas bochechas. Em seguida, quando não recebeu nenhuma reação, puxou-o pelo braço até o banheiro e o enfiou debaixo do chuveiro. A água desceu pelo ralo, vermelha, negra e espessa — suja de várias formas que Natallie não conseguia assimilar —mas foi o sangue, em particular, que a assustou. Principalmente quando percebeu que não vinha de Harry.

    — O que você fez? — perguntou suavemente, puxando o seu rosto para que ele a olhasse.

     Harry permaneceu estático. O homem que ela conhecia: astuto, irônico, carinhoso e mal-humorado não condizia com o corpo parado à sua frente. Ele parecia sem vida; o olhar perdido nos azulejos do banheiro, os sapatos lamacentos e ensanguentados manchando o acrílico da banheira.

    — Patrick está morto. — Harry disse depois de um tempo, e Natallie se assustou com o som áspero de sua voz.

     Primeiro, ela não soube como reagir, lamentando silenciosamente. Tirou os próprios sapatos, entrando na banheira com o marido e o abraçando. Pensou em Patrick Ryan, amigo de Harry há vinte anos. Um homem bom, que o marido admirava, que considerava um irmão. 

     — Eu sinto muito — ela o consolou.

     Depois de um tempo ali, parado com a esposa o abraçando, Harry completou:

    — Eu o matei.

     Natallie se afastou, olhando o marido, confusa. Harry não esboçou nenhum tipo de reação, as pupilas dilatadas presas no rosto dela. Ele começou a tremer debaixo da água fria e da temperatura ambiente de menos de dois graus, mas como a neve caía do lado de fora, passando suavemente pela janela minúscula do banheiro, não era grande coisa. Todos estavam congelando naquela noite.

    Batidas soaram na porta, e logo em seguida uma voz masculina anunciou a chegada da polícia. Natallie olhou para a direção do hall de entrada, e então encarou Harry, assustada. Queria respostas, queria uma reação da parte dele, mas o homem não parecia surpreso.

     Natallie saiu da banheira e desligou o chuveiro. Colocou uma toalha ao redor dos ombros de Harry e andou até o meio do corredor, observando a porta de entrada como se houvesse alguma ameaça ali. Seus pés molhados marcaram o chão quando ela finalmente andou até a entrada e atendeu ao chamado insistente das batidas. Do lado de fora, Angelina Devens chegava à porta de entrada da casa dos White.

     — Todos para trás — falava com os homens uniformizados que a acompanhavam. — Eu cuido disso.

      Quando se virou para Natallie, a expressão de Angelina mudou, tornando-se mais doce. As duas se olharam por um instante, a policial suspirando para tomar coragem, lamentando que aquilo estivesse acontecendo.

Quem Matou Sofia? (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora