Octavia

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Minhas mãos sujas de giz clamavam por descanso. Era tarde, mas mesmo assim, não conseguia me desligar. Queria ir até a sala de pintura, dizer para a professora que talvez, talvez o meu lugar fosse realmente ali. Mas como eu poderia fazer isso?

As vezes nem eu mesma me entendia. Fazia tanto tempo que não segurava em um lápis, mas meus dedos coçavam por isso. E então do nada, mergulho de cabeça em um desenho e fico até essa hora aqui, tentando me entender enquanto pinto.

Eu me sentia em paz, o cheiro das tintas e canetas deslizando pelo papel, linhas suaves, linhas curvas, linhas retas. O som do crepitar, do contato entre mim e as cores. Tudo era vida, tudo. E se realmente fosse isso, o que eu estava fazendo em cima daquele palco durante quase, três anos?

- O? Você tá bem?

Saio dos meus devaneios e encaro Harry. Seus cabelos estão bagunçados, como se estivesse virado e virado na cama tentando dormir, mas sem sucesso. Estamos juntos a pouco tempo, mas me sinto realmente feliz. Feliz de um jeito bom, ao qual eu dizia para mim mesma ser o melhor.

- Estou.

Só isso, sem brincadeiras ou palhaçadas. Meus braços doíam de tensão.

- É mesmo? - ele ergue a sobrancelha, questionando-me.

- Sim, é mesmo - deixo os materiais espalhados pela mesinha de centro e subo na cama até ele - não se preocupe comigo.

Ele assente, mas é possível ver a preocupação estampada em seus olhos. Geralmente, quando digo para ele não se preocupar, ele costuma ficar mais preocupado ainda.

Ele beija minha testa enquanto me apoio no braço menos dolorido, fico um pouco longe, mas só um pouco para vê-lo melhor.

Branco como a neve, o cabelo em um cobre brilhante, ruivo como o fogo. As pequenas sardas que pontilham seu nariz, as bochechas rosadas pelo frio.

Puxo a coberta para nós. Ele resmunga algo e me puxa para mais perto.

Permito-me fechar os olhos e descansar. Pensar tanto na maioria das vezes machucava um pouco, e aquela pergunta insistente que sempre ficava martelando na minha cabeça: O que raios você está fazendo no Teatro?

- Harry?

Ele abre os olhos lentamente, os cílios longos que antes atingiam as bochechas e os olhos curiosos agora me fitam.

- Hum?

- Estou estranha? - não era a melhor pergunta para se fazer, porque ele diria...

- Porque?

Bufo deixando o ar que antes prendia se esvair pelos meus pulmões. Me concentro em tentar não desmoronar, quer dizer, não faz bem nos primeiros meses de namoro chorar feito um bebê. Ou faz?

- Sabe, você não pode sempre responder as minhas perguntas com outras perguntas - sorrio fracamente.

Ele finalmente se rende e olha em meus olhos.

- Você está meio desligada ultimamente - então me aperta forte contra o seu corpo quente - por isso eu perguntei... você está bem O?

Ah quer saber? Que se dane esse negócio de não chorar como um bebê.

Choro contra seu ombro e sinto-o afagar meu cabelo. O coque se desmancha e então ele cai ao nosso redor como uma cascata negra.

- O que houve? - ele pergunta baixinho depois de um tempo - o que está te deixado assim?

E então eu conto. Os meus medos, a minha indecisão, a pergunta que não quer calar, o porque ainda continuo no Teatro e também o porque de estar tão... sem sal?

Rumo ao TopoOnde histórias criam vida. Descubra agora