Capítulo 22 - Feiticeiro

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Uma semana havia se passado e o relacionamento de Jahean e Sâmia estava tendo certo progresso. Ela não havia satisfeito nenhuma de suas curiosidades e ele também não, mas ao menos conseguiam permanecer um tempo, digamos razoável, sem discutir ou provocar um ao outro.

— Já é um progresso e tanto!

Sâmia pensava, sentada na cama, esperando por Aédi.

— Bom dia, lady Sâmia!

Uma jovem de face rosada, cabelos de fogo e expressão doce havia acabado de entrar em seu quarto.

— Meu nome é Tâmara, sua nova ama.

— Mas, mas... — Sâmia nem acreditava que tinha recebido tal milagre. — E a maldita Aédi?

— O rei a dispensou de seus cuidados. — A nova criada respondeu, um tanto tímida.

— O rei?

— Sim — falou, abaixando a voz. — Que fique entre nós, ele disse que você não merecia sofrer.

Tâmara sorriu enquanto abria o guarda-roupa. Sâmia não podia acreditar. Além de se livrar da bruxa, foi ele quem decidiu. Mas por quê? Tâmara ajudou Sâmia a se arrumar e ela desceu para o café da manhã.

— Bom dia.

— Bom dia. — Jahean disse, fechando um jornal e colocando-o embaixo de alguns livros. Um jornal?

Ela achou melhor não perguntar nada, não deveria irritar o rei, mas algo em seu estômago dizia que era um jornal e era da Terra!

— O que achou de Tâmara?

— Maravilhosa, um pedacinho do céu! — Sâmia sorriu.

— Fico feliz que esteja satisfeita.

— Eu nem sei como lhe agradecer. Aquela mulher, aquela coisa...

— Não pensaremos mais no passado, está de acordo?

Sâmia sentiu um frio na barriga. Estava ele se referindo somente a Aédi? Ou a um passado negro que ainda a atormentava? Ela apenas assentiu com a cabeça.

— Gostaria de ir ao jardim? — Sâmia arriscou perguntar.

— Adoraria, porém, não posso. Preciso sair agora.

Ela se sentiu um pouco decepcionada. Seria verdade? Ou disse isso apenas para não ficar perto dela?

— Quando eu voltar, vou trazer algo para você.

— Algo para mim? O quê?

Jahean se levantou, sorrindo.

— Terá que saber esperar.

O rei saiu e Sâmia foi para o jardim secreto. Tinha passado por lá todas as manhãs e sempre obtinha lembranças mais nítidas de sua infância, muitas nem aconteceram, mas os sonhos eram tão reais que o que importava era poder estar novamente ao lado de sua mãe. Ela se deitou e em breve começou a sonhar.

Ele continuava parado à sua frente. Os olhos dela se fixaram naqueles olhos cinza que chamavam tanto a atenção e ele sorriu.

— Não foi assim que aconteceu. — Ela falou, mesmo sabendo que estava sonhando.

— Às vezes, sonhamos o que gostaríamos que tivesse acontecido.

Ela recuou dois passos. Não podia confiar nele, nem mesmo em uma ilusão. O cinza dos olhos dele deu lugar ao violeta e o sorriso morreu.

— Ou talvez este seja meu sonho e não o seu — disse o rei.

— Meu Deus!

Ela demorou a acostumar seus olhos com a luz do sol brilhando nas águas tranquilas do rio. Correu para seu quarto. Não se lembrava mais de detalhes daquele tempo, não de uma forma assim tão clara. Tudo tinha ficado escondido em seu ser e só a triste lembrança fazia presença, mas desta vez ela tinha uma boa lembrança, ela tinha se sentido feliz e não atormentada durante aquele encontro. Abriu seu estojo de tintas e começou a pintar. Iria manter para sempre aquele sonho vivido: o rei em pé, em frente à grande árvore, segurando suas mãos; suas feições eram tranquilas sob a brisa que fazia os cabelos dourados dele dançar.

— Pronto! É exatamente assim que lembro!

Horas depois, ela olhou no relógio e viu serem ainda duas horas. Sentiu vontade de mostrar ao rei seu trabalho, mas teve medo. Não sabia o que ele iria pensar. Ele mudava de humor tão facilmente. Sâmia jantou sem o rei, ele não havia voltado e ela se atormentava.

— Meu Deus! Tenho apenas três semanas! E agora se ele me some por mais treze dias?

— Sâmia? Está acordada? — A voz do rei soava atrás da porta.

— Estou. Entre, está aberta!

Jahean entrou com uma caixa de papelão na mão.

— Pensei que não voltasse mais. O que há na caixa? Ela se apressou em perguntar, antes que ele notasse que havia ficado vermelha por sentir sua ausência.

Ele colocou a caixa no chão a uns quarenta centímetros dela e abriu a tampa. Algo saltou dela e Sâmia gritou:

— Meu Deus, Jahean!

Ela havia saltado da cama e estava de joelhos no chão, segurando no colo um filhote de Komondor.

— Eu tinha um cachorro desses.

— Eu me lembro.

Sâmia se jogou na cama com o cachorro.

— Como vamos chamá-lo? — Ela perguntou.

— É seu! Você escolhe.

— O que acha de Feiticeiro? — Sâmia piscou um olho.

Estava começando a aceitar sua passagem por aquele mundo com mais naturalidade e humor.

— Fico feliz que tenha gostado.

— É perfeito, obrigada, de verdade.

— É para não ssentir tanto a ausência de Leander.

Ela então sentiu mais uma vez aquela culpa que a atormentava. Ele acreditava que somente O Leander era importante, mas o que ela faria para consertar? Não sabia nem por onde começar.

— Hoje ele dorme comigo, amanhã com você.

— O quê?

— É nosso cachorro. Você terá que cuidar dele durante a noite também: bebezinhos dão trabalho.

— Vamos ver. Dependendo de como se sair essa noite, eu arrumo uma ama para nosso filho.

Sâmia sentiu um frio no estômago. Teria ele dito isso de propósito? O rei também se sentiu um pouco inconfortável com o que acabara de dizer. Desejou-lhe boa noite e se retirou.



Ciclos Eternos - Submundo Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora