Sâmia abriu os olhos, tentando lembrar onde estava. Sorriu ao ver seu quadro encostado à cômoda. Então era verdade! Hoje, mesmo todo sofrimento seria deixado para trás, todas as más recordações dariam lugar à felicidade eterna. Como pôde negar a si mesma durante tantos anos? Ela o amava desde o primeiro dia. Todo o medo que sentiu era apenas o medo de ser feliz.
Sâmia se levantou e estava tão ansiosa que não ousaria nem ao menos perder tempo se vestindo. Abriu o guarda-roupa e colocou um roupão branco que havia trazido consigo. Lembrou-se de quando estava no quarto do rei com ele e nem ao menos havia se dado conta dos trajes.
Olhou no espelho e viu a FireGold, que brilhava, refletindo os brincos da sua mãe. Sorriu. Foi andando pelo castelo, tentando adivinhar se ele já estaria acordado. Eram cerca de sete horas, o que, para aquele mundo, já era bem tarde. Mas, depois de uma noite com tantas emoções, talvez ele precisasse dormir um pouco mais. Estava descendo as escadas quando decidiu ouvir seu coração. Não iria para o café da manhã, iria até o quarto dele e o despertaria, caso ainda não tivesse acordado.
Sâmia fez a curva e foi em direção ao quarto do rei. A porta estava apenas encostada e parecia ouvir vozes muito baixas sussurrando. Seria o Leander? As vozes pararam e ela empurrou a porta. Rafaela tinha ambas as mãos na face de Jahean e o beijava! Ela sentiu-se sufocada. Suas pernas tornaram-se rígidas como pedras, e ela ficou paralisada ali, olhando o que seus olhos não queriam ver. Sua presença foi notada e os dois voltaram seus olhos para ela, que agora tinha a face molhada.
— Sâmia! — O rei gritou, quando ela já corria pelos corredores.
— Sâmia?
Leander a viu saindo em disparada do quarto do rei, quando fez a curva e começou a correr atrás dela. Sâmia bateu a porta de seu quarto e fechou a chave. Seu peito arfava, a respiração faltava e as lágrimas corriam. Ele a traíra. Ele decidiu se vingar. Como ela pôde ter sido tão imbecil a ponto de acreditar que ele a amava? Ela andava em círculos pelo quarto com as mãos na cabeça, tentando pensar. Seu sangue corria em euforia e começava a sentir vertigem. Precisava desaparecer.
— Sâmia, o que aconteceu?
As batidas na porta a fizeram sair do estado de choque. Não deixaria que ele a visse novamente naquele estado. Seria humilhação demais. Seu sangue fervia, sua mente trabalhava a toda velocidade: encontrando o livro, deixando-se dominar pela história, viu sua madrasta sendo morta pelas peças do tabuleiro, seu pai morrer dia após dia, viu sua vida passando diante de seus olhos, inteiramente inútil.
— Não há vencedores entre os mortais. — Ele respondeu.
Ele a odiava, sim. Ele a odiava! Ela era a única mortal que havia entrado no mundo dos jogos e ganhado. Não bastasse isso, tivera a audácia de voltar e tentar impedir seu casamento. A Rafaela era um deles. Como podia pensar que ele a deixaria por uma humana? Sâmia sentiu um ódio que jamais havia sentido. O sentimento era tão forte e vivo que ela acreditou poder tocá-lo. Era a mistura do amor que sentira com o seu orgulho ferido.
— Sâmia, pare de se comportar como uma criança e abra esta porta!
Era a voz dele! Ele, que viera para beber suas lágrimas, se divertiu com sua dor.
— Vou derrubar a porta, senhor.
— Faça.
Ouviu a voz de Leander e as investidas que ele dava em direção à porta, que tremia. Sâmia olhou em direção à janela e pensou em se jogar, mas seu instinto de sobrevivência a deteve. Não, ele não merecia que ela se matasse. Não ali, não onde pudesse lhe causar prazer. Sâmia fixou seus olhos no quadro e reuniu toda sua força.
— Você nunca mais conseguirá me encontrar — disse a si mesma.
Ela se jogou em direção ao espelho no mesmo momento em que a porta se abriu. Leander e o rei entraram no quarto, seguidos por alguns criados que correram ao ouvir as tentativas de Leander para abrir a porta. O primeiro-ministro correu até a janela para ver se ela havia se atirado.
O quarto estava vazio.
— Leander, tem certeza de que ela veio para cá? — Perguntou Alethea, que observava tudo às costas do rei.
Jahean permaneceu impassível e com um olhar indecifrável.
— Senhor, ela sumiu... — Leander disse, espantado.
— Ela atravessou o espelho.
— Ela o quê? Como, senhor?
— Não sei. Talvez a mágica tenha despertado dentro dela.
— Seria possível, majestade? — Perguntava Leonas, incrédulo.
— Tudo é possível em se tratando de Sâmia Rolfe.
O rei saiu, deixando os presentes perplexos no quarto. Leander seguiu o rei até a biblioteca. Sentou-se silenciosamente ao seu lado e, após alguns minutos, falou:
— Devo ir atrás dela?
— Ela fechou a passagem — disse Jahean, sentando-se.
— Explique-me, Jahean.
— Não sei como ela conseguiu isso, mas reuniu forças o suficiente para bloquear contato com o Submundo. Nem eu, nem ninguém poderia encontrá-la.
Leander ficou um tempo em silêncio antes de falar:
— Mas sei onde ela mora. Se eu voltar lá, poderei vê-la.
O rei permaneceu alguns minutos em silêncio, olhando os livros à sua volta, e depois disse:
— Você levaria muito tempo. Não conseguiria encontrá-la por magia. Teria que fazer o que eles fazem.
Leander respondeu imediatamente:
— Levarei o tempo que for necessário.
O rei se levantou e foi até a estante, de onde de costas respondeu:
— Faça o que quiser.
— Obrigado, majestade.
Leander colocou a mão no ombro de Jahean e saiu da sala. O rei esperou que a porta se fechasse e se sentou com a cabeça entre as mãos.
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Ciclos Eternos - Submundo Livro 1
FantasyEsqueça tudo que você acha que sabe sobre o Submundo e seus habitantes. Esse livro mostra um romance mágico, fantástico com valores reais usado em nosso cotidiano. Esse é um livro como você nunca viu!