Beija Sapo

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                                           2016

     As sombras formavam estranhas figuras no teto, olhei para o homem moreno, que dormia à meu lado, qual era seu nome mesmo? Me perguntei. Na verdade isso não tinha importância, apesar do sexo ótimo, não o veria de novo.
    Uma neblina densa envolvia a paisagem, enquanto eu dirigia pela BR 287 de volta para casa. Nove meses haviam passado desde o fim de meu namoro com Fernando,depois do luto e da depressão, levantei a cabeça,e, segui em frente. Decidida a dar a volta por cima, tomei coragem, abandonei um emprego seguro, e abri meu próprio negócio, um sebo café chamado, Mundo da Leitura, em um prédio antigo de dois andares no centro, oque era perfeito, já que eu podia morar no andar de cima. Eu havia dado uma guinada em minha vida, mas a solidão era minha companhia constante, queria acreditar que em algum lugar havia um homem perfeito para mim, mas já não achava que o encontraria, pelo menos não nessa vida.
    Me distraí só um instante, mas foi o suficiente, girei rápido o volante, desviando por milagre daquele montinho no meio da estrada. Desci do carro, assim que estacionei no acostamento.
— Você teve muita sorte.- afirmei para o lanudo filhote de vira-lata, ele me olhou com aquele par de olhos muito azuis, então eu soube, estava perdida - sempre tive um fraco por loiros de olhos azuis. Vamos para casa.
   O coloquei no banco do carona, onde ele se aninhou confortável e dormiu. A viagem de Santa Maria a São Pedro não levava mais que quarenta minutos, então logo atravessei o trevo de acesso.

      São Pedro era uma cidade pequena em crescimento, sustentada pela agropecuária e agricultura. Eu tinha vivido alí toda minha vida, minha família tinha raízes muito profundas fincadas alí.
     Minha família, bom eu era a segunda filha de um casal interracial, minha mãe Marta, era uma professora negra, já aposentada, uma mulher com opinião forte e sorriso fácil, meu pai um agropecuarista de descendência alemã, Cláudio Schmidt, dentro de meu núcleo familiar jamais soube oque era preconceito, meus avós paternos eram amorosos conosco, vovó nos ensinou o idioma de seus pais que tinham vindo da Alemanha para o Sul do Brasil, assim como muitos outros imigrantes. Eu tinha um irmão mais velho Rodolfo, e duas irmãs mais novas, Maria Júlia e Maria Luisa, em nossa família éramos conhecidas como as três marias, já que para meu desgosto, me chamava Maria Ana.
— Bom dia, mana!- Júlia me esperava na porta de casa, segurando um copo de café fumegante.- uh, quem é esse?
— Kirk.- eu havia pensado no nome durante o caminho, e parecia que ele tinha gostado.
— Olá Kirk! - ela afagou suas orelhas.
   Aceitei de bom grado o café que minha irmã ofereceu, eu sabia que devia ter um motivo por trás, conhecia Júlia muito bem.
— Como foi o encontro com o " Khal Drogo" ?
— Interessante.
— Só interessante? Nossa, eu achei que um homem daquele tivesse uma " coisa" bem maior que interessante. - ela comentou fazendo um gesto com o polegar e o indicador,oque me fez rir.
— Não vou entrar em detalhes, mas digamos que ele merece o título de khal.
      Coloquei Kirk em um cesto num canto da sala e ele voltou a dormir,era um preguiçoso.
— Como estão as coisas? - Júlia inquiriu, nos sentamos lado à lado no sofá.
— Tudo bem, só muitas coisas pra fazer ao mesmo tempo. Ter um negócio próprio é bem mais cansativo que trabalhar na biblioteca pública.
— Mas você parece bem melhor.
— Tem razão.
   Júlia, dois anos mais nova que eu, trabalhava como assistente social no Conselho tutelar da cidade, sua personalidade forte e decidida era o oposto da minha calma habitual e do jeito explosivo e intempestivo de Maria Luísa. Sempre foi como se nos completassemos. Justamente por isso eu sabia que ela me pediria algo.
— Ana, você precisa de alguém pra te ajudar.
   Sorri:
— Quem você tem em mente?
   Ela se remexeu no sofá, havia algo além do que ela queria me dizer.
— Benjamin Reis.
   Pisquei, aturdida. Benjamin Reis era conhecido na cidade, sua má reputação o precedía quilômetros de distancia. Um típico delinquente juvenil, que aos vinte e um anos acabava de sair da prisão.
— Júlia, e-eu...
— Por favor, mana - ela pediu - ele é jovem precisa de ajuda, eu sei que ele pode mudar de vida.
— Júlia, me conte a história toda então eu decido.
    Benjamin vivia com a mãe, em uma parte obscura da cidade, um loteamento que seguía a linha do trem, as crianças alí não tinham muitas chances, culpa da sociedade devo admitir, assim ele começou a roubar, e aos dezoito anos era bem conhecido na cidade e nos reformatórios da região. Por isso quando foi preso dois anos atrás ninguém se surpreendeu. Agora, ao sair da prisão, ele buscava um meio de se redimir, mais do que isso, segundo Júlia Benjamin queria ajudar os irmãos menores.
— Júlia, Benjamin Reis é uma bomba relógio.
— Ana...
  Merda! Eu podia estar cometendo um erro enorme, mas...
— Ok. Mande ele me procurar.
— Obrigada. - ela sorriu vitoriosa, oque me fez ficar apreensiva, talvez nem ela soubesse ainda, mas havia algo mais alí.

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    O bom de ter meu próprio negócio, era além de fazer meu horário, ter a comodidade de só descer as escadas para trabalhar. Mundo da Leitura, era um desejo realizado, eu sempre adorara ler e escrever, por isso tinha me formado em literatura na UFSM, e à exatos seis anos eu vinha me dedicando a escrever um romance.
     Como havia combinado com minha irmã, faria um período de experiência com Benjamin, mas confesso que fiquei apreensiva quando ele veio me procurar aquela tarde.
— Júlia, me disse pra vir. - Ele falou, apesar do receio, simpatizei com aquele garoto tatuado e decide lhe dar um voto de confiança.
— Bom, vamos fazer um período de experiência ok, depois se fizer um bom trabalho e se quiser continuar aqui podemos pensar em algo mais permanente.
— Sim, senhora.- Benjamin sorriu, ele era um guri bonito, notei, mais preocupada ainda com minha irmã - Obrigado.
— Vamos trabalhar!
     Com a ajuda de Benjamin, o trabalho rendeu bastante, é claro que muitos se assustaram com sua presença, mas sua simpatia e boa vontade compensavam. Ponto para minha irmã, aquela semana foi bem menos cansativa para mim.
    Quando a semana seguinte chegou, o fato de eu ter contratado Benjamin Reis, já não era mais a fofoca do momento e sim a chegada do novo delegado, Como eu não era de dar ouvidos à mexericos, me mantive aparte do assunto, a mim só interessava que ele fizesse seu trabalho já que era para isso que era pago.
— Benjamin, vou ao banco - informei naquela manhã - cuide de tudo, ok.
— Pode deixar.- afirmou, seria a primeira vez que o deixaria sozinho com a loja e, é claro meu apartamento no andar de cima, bom todos merecem uma segunda chance.
      Aquela era uma sexta feira abafada de verão, por isso apesar do banco ser a poucas quadras optei por dirigir até lá. Sempre fui uma excelente motorista, jamais me envolvi em nenhum acidente, da última vez, quando encontrará Kirk, tinha conseguido desviar em segurança oque comprovava minha tese de ser uma motorista capaz e eficiente. Bom mas isso estava prestes a mudar, virei a esquina à uma quadra de casa e pronto.
— Merda!! - bati a cabeça no volante, que bom que estava usando o cinto de segurança.
— Andou bebendo? - a pergunta feita em tom acusatório me pegou de surpresa.
— Eu, não é claro que não! - me esganicei atordoada.
— Não é oque parece. - ele afirmou me deixando ainda mais puta da vida, quem esse idiota pensava que era? O encarei pela janela aberta do carro.

    

Meu Conto De FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora