1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)

Capitulo 33

Oh, darling

If you leave me

I'll never make it alone

Believe me when I beg you

Don't ever leave me alone

• The Beatles - Oh! Darling

ANGEL

   Era de conhecimento de todos que o proprietário do clube era um fã mais dedicado dos Beatles. Toda a temporada de verão, Peter Godlis anunciava três dias inteiros de festival que trazia bandas de todos os lugares para se apresentar com canções do quarteto. Beatlemaníacos iriam se reunir em atividades que envolvia palestras, poesia, encontro de fãs e, claro, muita música.

1994 se apresentaria a noite, por tanto o nosso grupo passou o tempo todo na mesa do fundo, bebendo e rindo após a leitura de uma mulher recitando um poema para lá de sombrio.

Apesar de a expectativa crescer em torno da apresentação deles, não consegui esquecer o que aconteceu na loja. A insegurança me perseguia, pois sabia que esconder o retorno da namorada de infância de Dorian poderia provocar um baita conflito.

Eu temi que a garota procurasse por ele outra vez. Felizmente não aconteceu. Afinal, o que aconteceria se eles se reencontrassem? A jovem sofisticada era dona de uma beleza estonteante e dava para perceber porque Dorian amou alguém como ela um dia. Parecia doce e simpática cada palavra e gesto, nos encantando com aquele ar delicado.

Dorian e eu tínhamos algo especial. Então por que eu me sentia distante do seu coração? Michelle cresceu ao lado dele e provavelmente viveram muitas histórias. O encanto do início da relação romântica era tudo o que eu tinha. E se fosse volúvel o sentimento que ele disse ter por mim? E se ele quisesse aventuras como costumava a desejar quando estava com ela? E se...

Eram muitos "e se" e nenhuma resposta. Esse tormento me fez descobrir o verdadeiro mal de estar no amor: ele te contamina, te tornando o ser mais carente, inseguro e ciumento da face da terra. Além disso, a lista de segredos que eu estava escondendo dele estava crescendo.

Dorian estava sentado ao meu lado na mesa com um cigarro pendurado no canto da boca. Conversava com Jhonny com seu entusiasmo tão borbulhante que contagiava quem estivesse por perto. Seu rosto adoravelmente corado por conta do álcool, os cachos rebeldes sobre sua testa. Como pode ser tão bonito assim?

A tampinha da minha Coca-Cola caiu no chão e eu me abaixei para pegar. Quando levantei, notei que Dorian tinha colocado a mão na ponta da mesa, para que eu não batesse com a cabeça ali ao levantar. Ele fez isso sem perceber, no instinto de proteção, sem tirar os olhos do Jhonny... Isso me chocou.

"Amor está nos detalhes", meu avô costumava dizer. "Você pode se deslumbrar com declarações extravagantes de "eu te amo", mas o verdadeiro eu te amo vem nos pequenos gestos de cuidados que muitas vezes passam despercebidos".

Dorian nem percebeu o que fez, mas Jhonny percebeu e arregalou os olhos para mim.

Ele me ama, eu constatei.

Levantei em um rompante. Preciso beber algo forte, pensei. Mas Dorian me alcançou antes que eu pudesse ir muito longe.

— Ei! Está tudo bem?

— Eu te amo — confidenciei.

   Nós dois paralisamos em simultâneo.

Eu te amo.