06

186 27 2
                                    

MANCHESTER, REINO UNIDO.
6H:12 MINS AM.

CLAIRE ADAMS

     ACORDO DE supetão, quando um barulho alto de porta batendo explode por todo o quarto. No momento em que meu coração desacelera e o meu sangue para de pulsar com mais rapidez em minhas veias, sento-me na beirada lateral da cama, com cuidado para não acordar Philip, que, felizmente, ainda está adormecido.

     Levanto-me para caminhar até a janela coberta por uma longa cortina escura. Afastando um pouco do pano grosso, o suficiente para um olho observar além do vidro, noto que ainda está escuro do lado de fora, e mesmo que eu esteja com calças de pijama e uma blusa grande acompanhada do cardigan, sinto frio.

     Bem-vinda á Inglaterra. Eu penso com ironia, focando meus olhos num homem alto do outro lado da rua. Ele veste roupas pretas e fuma um cigarro muito calmamente. Se desfaz das cinzas e, pondo a mão desocupada no bolso da frente de sua calça, sai andando despreocupado. Observo suas costas sem piscar até ele dobrar na esquina.

     — Clary? — A voz fina e sonolenta de Philip me desperta. Viro-me para olhá-lo, sentado no meio da cama com as pernas dobradas, o rosto inchado por ter acabado de acordar.

     — Bom dia, querido — Digo, caminhando até ele.

     Pegando seu rosto entre minhas mãos, esfrego sua bochecha corada com o polegar. Sorrio, e beijo-lhe na testa, um gesto que mamãe costumava fazer comigo e que, com o passar dos anos, comecei a fazer com Philip, quase automaticamente.

     — Você vai me levar pra brincar? — Ele pergunta, abraçando-me pela cintura. Seu rosto fica colado na minha barriga.

     Tento pensar numa forma de explicar para uma criança de oito anos de idade que nós não podemos sair para brincar na rua porque é um atentado á nossa própria segurança, mas então, a ideia que tive ontem, enquanto Dylan me levava á cem quilômetros por hora até a escola do meu irmão, acende em minha mente como uma lâmpada.

     — Sim, nós vamos. Mas nós precisamos fazer silencio, para Dylan não acordar, tudo bem? — Sussurro, sentindo-me um tanto idiota por isso.

     — SIM! — Ele grita, com um enorme sorriso, e imediatamente eu faço "shh" para ele. — Desculpa Clary.

     — Deite aí e não faça barulho. Vou me vestir e pegar uma roupa para você — Digo, ainda sussurrando.

     Começo a correr pelo quarto na ponta dos pés. Faço minha higiene matinal tão rápido e silenciosa como nunca o fiz antes, e visto roupas limpas. Permaneço descalça para evitar mais barulhos.

     Espero Philip ir ao banheiro e então o visto com roupas apropriadas para frio, ou pelo menos tento, já que não tive exatamente tempo para fazer uma mala apropriada para cá.

     Pego minha bolsa com os meus falsos documentos e, pegando somente o essencial, arrasto meu irmão pela mão para fora do quarto, sempre lhe sussurrando para permanecer em silêncio.

     Não sei exatamente se fugir de Dylan é o certo a ser feito, mas, tirando em consideração que ele é um estranho, e confiar a vida do meu irmão e a minha á um estranho é um absurdo, os momentos da noite passada me fizeram teme-lo mais do que eu gostaria. E não só temer, como ficar, definitivamente, irritada com o modo como ele nos trata.

     Suspiro em alívio quando vejo a chave pendurada na porta, e, quando nós saímos na ponta dos pés e fecho a porta, digo rapidamente para Philip calçar seus tênis, fazendo o mesmo com os meus. Uma tensão em meus ombros me faz quase querer surtar.


     — Vamos Philip — Eu digo para meu irmão, descendo os cinco degraus da varanda. Segurando sua mão na minha, puxo-o para acompanhar meus passos enquanto corremos o caminho do pequeno jardim morto da entrada até o portão.

     Ontem á noite não pude ver direito como era a rua, mas, olhando agora, é surpreendente o fato de Dylan ter uma casa num bairro tão "família". Não há muito movimento, mas, enquanto nós vamos avançando pela calçada, consigo ver algumas pessoas saírem de casa, provavelmente indo para o trabalho.

     — Clary, por que Dylan não veio com a gente? — Philip pergunta, tendo que correr um pouco para me acompanhar.

     — Ele preferiu ficar dormindo, agora ande, nós precisamos sair desse bairro o mais rápido possível — Eu digo.

     Um pouco da tensão em meu corpo vai embora quando eu noto que estamos longe do bairro residencial, mas não fico completamente aliviada. Não é como se eu soubesse exatamente bem para onde ir nessas ruas históricas e frias de Manchester.

     — Clary, eu tô com cansado. Nós podemos parar e comer alguma coisa? — Meu irmão resmunga, parando de andar.

     Paro de andar também para olha-lo. Suspiro, tentando buscar paciência, afinal de contas, nós andamos sem parar por quase vinte minutos, e não tomamos o habitual café da manhã.

     — Claro. Vamos achar algum café — Eu digo, tentando sorrir para ele.

     Encontro um café duas quadras depois, e nunca deixa de ser estranho escutar as pessoas ao redor falando, com um sotaque tão diferente do que estou habituada.

     — Aqui está um café com leite, um milk-shake de chocolate, uma fatia de bolo e um sanduíche de queijo — A garçonete, com semblante cansado, vai falando enquanto deposita os pedidos sobre a mesa.

     — Obrigada. Ah, eu pedi um prato de frutas com morango, amora e kiwii — Eu digo, depois de notar que ela não trouxera nenhum prato de frutas.

     — Oh, desculpe. Um momento — A mulher diz, os lhos castanhos arregalados.

     Observo, além da parede de vidro do café quase vazio, o movimento na rua. Não sei em que parte da cidade estamos, mas espero que possamos estar longe de Dylan e qualquer outro estranho relacionado á ele. Nessa altura do campeonato, eu não acho que ele ficará feliz caso nos encontre, me pegando fugindo em flagrante pela segunda vez.

     — Aqui está o seu prato com frutas — A garçonete diz, voltando com, não um prato, mas uma tigela pequena branca com frutas cortadas em cubos, do jeito que sempre faço para Philip quando temos tempo para tomar café da manhã em casa, ou tínhamos.

     — Obrigada. — Digo, direcionando-lhe um sorriso rápido.

     — Clary, me leva num lugar legal depois que a gente comer? — Philip pede, e então leva o canudo do seu milk-shake á boca. Eu o observo sugar uma grande quantidade do líquido marrom, e me permito sorrir.

     — Eu vou pensar no seu caso, rapazinho — Digo, me sentindo um tanto ruim por ter mentido tanto em tão pouco tempo para meu irmão.

     "Se a mentira for por uma boa causa, querida, então não é necessário que fique se martirizando". Me lembro de mamãe me dizendo isso, e bebericando meu café com leite, digo á mim mesma que todas essas pequenas mentiras são por uma boa causa.

    

Damaged Soul {t.h} [ PAUSADA ]Onde histórias criam vida. Descubra agora