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BOROVSK, RÚSSIA.
01H:32 MINS AM.

DYLAN SMITH

     O SILÊNCIO do carro parece deixar meus pensamentos altos demais em minha mente, e internamente, preferia que Philip estivesse tagarelando sem parar, fazendo perguntas e mais perguntas à Claire. Desviaria meus pensamentos maçantes para longe, pelo menos por algumas horas.

     A conversa estranhamente macia que tive com Claire mais cedo havia me feito sentir algo remexer-se por dentro. Ela havia sido, pela primeira vez, agradável comigo. E não que eu estivesse morrendo por nunca ser tratado de forma doce por ela, porque, em primeiro lugar, também não era exatamente agradável para a mesma, e conjuntamente estava pouco me fodendo para estas bobagens, mas, no mínimo, fora aprazível seu tom de voz casual e as risadas.

     Claire havia pegado no sono à um bom tempo, depois de ficarmos em silêncio novamente, me dando muitas horas para pensar e digerir toda a pequena conversa quase amigável. Era esquisito conversar com ela sem tê-la me importunando por informações, ou qualquer outra coisa relacionada.

     Me sentindo um idiota por pensar tanto em algo de pouca relevância, sacudo a cabeça para afastar os pensamentos, manobrando para entrar de ré na rua estreita e então estacionar frente a casa pequena.

     Tratava-se de uma casa de dois andares, pintada de azul, com varanda na frente e muitas árvores e arbustos a cobrindo. A parte rural de Borovsk possui mais árvores e matos do que casas, o que tornava um bom esconderijo. Não havia muitos vizinhos ao redor, assim ninguém poderia preocupar-se de forma mais extrema.

     A rua estreita de terra, com mato dos dois lados, é iluminada por um poste distante demais para tornar o caminho mais claro. É tão difícil de enxergar que prefiro pegar a lanterna no porta-malas do que tentar andar até a porta da casa às cegas.

     Observando em volta, percebo que o carro de West e MacDonald ainda não está estacionado por perto, e pondero se devo ou não ligar para West através de uma linha segura. Decido, um segundo depois, que é melhor fazê-lo depois de instalar as duas figuras sonolentas no carro.

     — Dylan? — A voz suave de Claire me faz desviar os olhos do portão de ferro quase caído do outro lado da estrada, que separa as casas de um enorme matagal que dá entrada à floresta, para dentro do carro, levando a lanterna junto.

     Por um momento a luz LED ilumina o rosto de Claire, e ela se encolhe, cobrindo os olhos com uma careta.

     — Que bom que acordou. Preciso que acorde Philip. Não é interessante nós ficarmos do lado de fora, mas só saia do carro quando eu mandar — Aviso, vendo no exato momento quando ela revira os olhos.

     Caminhando até a varanda da casa, checo se não há nenhuma surpresa nos esperando. Desço os degraus novamente para rodear o imóvel. Não há nada, então retorno até o carro, antes destrancando a porta de madeira. Ela range ao abrir.

     Claire sai do carro quando me vê retornando, e caminha até a porta traseira para abri-la. Ela chama pelo seu irmão numa voz terna, enquanto abro o porta malas para retirar nossas coisas.

     Levo todas as coisas para dentro rapidamente.

     — Melhor que eu o carregue. Pegue a chave e tranque o carro — Eu digo, vendo-a ofegar ao pegar o garoto nos braços.

     Ela concorda, me entregando um Philip profundamente adormecido. Ele se move por um momento, e joga os braços ao redor de meu pescoço, as pernas ao redor das minhas costelas. Espero-a, parado no primeiro degrau da varanda com o garoto nos braços, travar o carro e caminhar de volta até mim.

     Nós entramos juntos, e Claire tranca a porta atrás de nós, bocejando. Quase me faz querer sorrir, mas isso é um pensamento remoto.

     — Desde a casa em Manchester, essa é a casa mais arrumada que já entramos. — Claire comenta, olhando a sala pouco mobiliada, mas ainda assim bem organizada.

     — Parece tudo a mesma coisa para mim — Dou de ombros, caminhando para o único sofá do cômodo. Deposito o corpo adormecido do garoto da forma mais sutil e cuidadosa possível. Retiro meu casaco, o dobro e coloco debaixo de sua cabeça para lhe servir como travesseiro.

     — Aqui está tão frio quanto lá fora — Claire reclama, abraçando à si mesma. Ela veste um casaco sobre a blusa de mangas compridas, mas não é o suficiente para barrar o frio.

     — O aquecedor precisa ser ligado. Vou procurar o disjuntor.

     O disjuntor fica na despensa, logo ao lado da cozinha, que tem a entrada no pequeno corredor da casa. É tudo muito bem divido e organizado.

     — Por que a casa está tão limpa, se niguém mora aqui? — Claire pergunta quando retorno para a sala de estar. Ela está agora sentada no sofá, encolhida e abraçando os joelhos. Seu rosto ainda tem resquícios de sono.

     — Há sempre alguém que venha limpá-la — Explico.

     — Entendo. Eu estou com fome, mas mais do que fome, sinto sono!

     — Venha, vou levar você e Philip até o quarto.

     Pego o garoto nos braços novamente. Nós três subimos as escadas para o segundo andar, onde há três portas num corredor de extensão mínima.

     A primeira porta é um banheiro pequeno, mas surpreendentemente limpo, a segunda porta é um quarto,  que é grande, com uma cama de casal, um criado mudo e duas estantes de madeira vazias. A terceira porta é uma pequena biblioteca, com estantes altas nas paredes e duas poltronas próximas à janela.

     — Só há um quarto na casa toda? — Claire pergunta, incrédula. Ela tem os olhos analíticos observando todo o cômodo.

     — Sim. Não pensei que fosse uma casa tão pequena — Comento, colocando Philip deitado na cama.

     Eu tinha uma série de lugares em diferentes países que titulava como "esconderijo". Era sempre bom ter algo, do que ficar à esmo em hotéis ou motéis de beira de estrada. Não era seguro, e eu já havia me metido em situações críticas demais para repetir a dose.

     — Oh não, nós todos vamos ter que nos amontoar aqui?! Isso vai ser um pesadelo!

     — Talvez não, talvez sim. Essa não são a porra das nossas férias, Claire. Preciso descer agora e tentar fazer contato com os outros, então deve dormir.

     — Ordem concedida, capitão Rabugento! — Ela brinca, me fazendo querer sorrir. De novo.

     Me amaldiçoo mentalmente por isso, me sentindo, novamente, um cara idiota.

      Que merda era essa de querer ficar sorrindo todas as vezes que Claire falava alguma coisa?!

     ∽※∽

    

Damaged Soul {t.h} [ PAUSADA ]Onde histórias criam vida. Descubra agora