Ela continuava cantarolando e engasgou com um grito, deixando tudo cair, quando se virou e o viu parado na porta.
-Santo Deus. - foi à única coisa que conseguiu dizer enquanto tentava controlar a tremedeira súbita.
-Desculpe, não quis assusta-la. - falou sem se mover, pois sentia que ao se aproximar ela se desintegraria.
-Você não estava num jantar? - questionou tentando se mover no meio da bagunça de talher e cacos no chão.
-Não se mexa. - ordenou. Ela ficou parada por instinto e o viu se agachar e recolher os cacos maiores, abrir caminho com um pano e juntar os resquícios, antes de olha-la ainda abaixado com um sorriso nos lábios. -Você está descalça, acabaria se cortando... Deixe que eu limpo isso aqui.
-A Mia também já voltou? - questionou passando pelo caminho que ele limpou e indo para perto da porta.
-Não, a Mia e o Sam ficaram para jantar. - ela o olhou e ele baixou a cabeça e continuou a juntar a bagunça. -Eu tinha algo importante a fazer e resolvi voltar.
-Não jantou? - perguntou olhando a cabeleira negra.
-Não.
-Eu e a Margarida fizemos pavê de sonho de valsa e o jantar ainda não foi para a geladeira, então se quiser...
-Você janta comigo? - perguntou se erguendo e colocando os cacos no lixo.
-Eu já comi. - falou cruzando os braços e descruzando em seguida ao notar que os hematomas ficavam muito amostra.
-Me faça companhia enquanto como então. - sugeriu indo até a panela e servindo um prato. Ele não a olhou, apenas sentou e começou a comer então com um suspiro alto ela se sentou e o observou. Em momentos como aquele em que ele estava quieto e relaxado ela poderia imagina-lo como uma pessoa boa, sem o olhar duro que sempre carregava. -Vai ficar em silêncio?
-Não tenho nada para falar. – justificou. –E você pediu minha companhia não minha cordialidade. – retrucou colocando a mão no queixo. Marcos esboçou um sorriso com a resposta atrevida e continuou a comer.
-Porque não quis ir conosco? - perguntou direto.
-Só não quis sair.
-Terá que sair um dia. - falou saboreando a comida.-Queria pedir desculpa por ter ouvido a sua conversa mais cedo. – falou mudando de assunto.
-O que ouviu? – sondou preocupado com quanto tempo ela estaria ali parada ouvindo.
-Na verdade eu tinha acabado de chegar, só ouvi aquele homem dizendo que você teria que cumprir a tradição e um nome... Veridiana. – confessou mordendo os lábios de modo nervoso. Queria perguntar sobre o teor da conversa, mas sabia que não tinha esse direito.
-Não sabia que você tinha o costume de bisbilhotar. – falou serio e sorriu ao vê-la arregalar os olhos. –Calma Elise, eu estou brincando.
-É que você falou tão sério que eu... - disse também forçando um sorriso.
-Queria aproveitar que você está se desculpando e fazer o mesmo. – falou terminando de comer e colocando a mão em cima da dela, que ficou imóvel. –Desculpe-me as coisas que lhe disse hoje.
-Vamos esquecer isso Marcos, por favor. – pediu lembrando-se da conversa com Mia.
-Certo... Então será que mereço um pavê? – perguntou sorrindo e ela levantou sorrindo também e foi até a geladeira e lhe serviu uma taça.
-Humm... Delicioso.
-Bom, é melhor eu ir dormir, boa noite. – disse colocando o prato dele na lavadora e secando as mãos.
-Fica e me faça companhia na biblioteca. – pediu.
-Você não disse que tinha que fazer umas coisas? – perguntou esfregando as mãos.
-É, disse, mas eu... - droga, ele pensou tinha inventado essa historia por não ter o que dizer e agora ela jogou a mentira contra ele.
-Então é melhor eu ir para o meu quarto... Boa noite. – repetiu saindo. Assim que entrou no quarto viu o livro que certamente ele deixou em sua cabeceira e pensou em voltar para agradecer, mas desistiu. E começou a ler. Quando finalmente fechou o livro passava da meia noite. O silêncio era total e sereno exceto pelo farfalhar das árvores lá fora. Por mais que tentasse Elise não conseguia dormir, o fato de está num lugar protegida e longe do mal que caiu sobre sua vida ao mesmo tempo em que lhe dava alivio dava um sentimento de fracasso. Fracassou com a única missão que lhe foi dada, cuidar e proteger sua irmã caçula. E tinha os pesadelos, como dormir bem com ele voltando todas as noites? Suspirando pegou um elástico e deu duas voltas frouxas nos cabelos, esticou as mangas do macacão que usara para dormir e se precipitou para o jardim. A mansão dos Dalfom era construída no meio de um enorme terreno e quase todos os cômodos tinham acesso ao longo Jardim. O quarto de Elise era no segundo andar como o da maioria e possuía uma escada lateral na sacada que ficava em frente a uma pequena fonte. Ela parou por um estante e olhou ao redor com um sorriso de deboche nos lábios. Sua casa em Santarém era considerada uma mansão por muitos, mas não se comparava nem em tamanho ou elegância com aquele lugar. Olhou a fonte mais uma vez fascinada com as moedinhas ao fundo pareciam antigas, quase milenares muitas já fundidas ao chão da fonte que aparentava está ali há muito tempo.
-É a fonte do desejo. - embora tivesse se sobressaltado ela virou apenas a cabeça para olha-lo. Marcos manteve-se a cinco passos já a estava observando há alguns minutos e não resistiu a se aproximar. -Está aqui a mais tempo do que todo o resto, até mesmo da casa.
-É linda. - ela murmurou voltando a olhar a água cair e fluir por entre as rochas. Marcos deu dois passos.
-Dizem que meu tataravô quando chegou aqui encontrou essa fonte e ficou fascinado. Ele jogou uma moeda pedindo prosperidade e construiu a nossa casa aqui... Nunca nos faltou nada desde então. - Marcos contou olhando-a de costas. Ela não se virou, mas continuou a admirar a fonte passando displicentemente as mãos nos braços. Ele retirou seu casaco e a cobriu segurando-a por um minuto quando a sentiu saltar.
-Obrigada. - murmurou encarando-o. Não gostava da ideia de ter sido pega em seu momento de reflexão. O examinou com cuidado, ele ainda vestia as roupas de mais cedo. O que teria feito durante todas essas horas?
-Não conseguiu dormir? - questionou.
-Estava lendo e você? - retrucou.
-Resolvendo alguns problemas. - ambos se encararam céticos. Ela desviou a atenção dele para o horizonte e prendeu a respiração em alerta quando ele removeu o elástico de seus cabelos e eles caíram em cascatas. -São lindos... Mesmo depois do que você fez.
-Não me arrependo. - retrucou passando a mão pelos fios vazios do corte na madrugada.
-Acho que lhe devo um pedido de desculpas. - ele falou recordando o modo imponente que ela falou com ele após o insulto. Não foi sua intenção, mas gostou do fogo em seus olhos e audácia em sua voz.
-Não me deve nada... E você já se desculpou. Vamos apenas esquecer. - acrescentou.
-Concordo. Recomeçar! - exclamou sorrindo. Nenhum dos dois sabia o que de fato faziam ali parados um em frente ao outro. Constrangida Elise deu um passo pra trás.
-Acho que vou dormir agora... Boa noite.
-Boa noite Elise. - murmurou enquanto ela caminhava. Ele passou a mão pelos cabelos se sentindo ridículo. Á viu parada em frente à fonte e não resistiu à vontade de se aproximar. Elise tinha alguma coisa que o intrigava e isso o atormentava demais. O tempo que passou fingindo trabalhar não aplacou sua ansiedade. Aquele era um ano decisivo e delicado cada passo tinha que ser dado com cuidado. Todos o estavam observando e cobrando e sua concentração não poderia ser desviada por longos cabelos negros e rosto angelical. Ele não permitiria.
Elise se debatia inquieta enquanto tentava se desvencilhar de quem a agarrava. Não conseguia gritar, não tinha forças o medo era enorme não só por si mesma como por sua irmã. Sentia o cheiro da bebida em seu rosto e o uivo desvairado do homem em cima dela. Reuniu toda a força que possuía para tentar tira-lo de cima e acordou ofegante. Demorou a perceber que foi um pesadelo e puxou o ar para se acalmar. O sol entrava pela varanda trazendo luz para sua escuridão e mantendo as trevas quietas pelo menos por enquanto. Depois de um tempo tentando se controlar ela levantou melancolia e foi para o banheiro. Podia tomar mil banhos sempre se sentiria suja, pouco merecedora de respeito. Prendeu os cabelos num longo rabo de cavalo e vestiu um vestido dois tamanhos maiores que o seu. Caminhava pelo corredor quando uma jovem vestida com um avental negro subiu as escadas carregando nos braços lençóis limpos.
-Bom dia senhorita. - cumprimentou a menina.
-Bom dia. - respondeu descendo apressada. No andar de baixo tinha duas mulheres mais velhas nos mesmos trajes, ambas deram um bom dia seco e a ignoraram. Olhando pela grande janela da sala a movimentação no Jardim também quebrava o contraste do dia anterior.
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Cura-me Amor...
RomanceOBRA REGISTRADA... não vacilem, plagio é CRIME. Cura-me Amor... Marcos Dalfom é um conde, único governante e herdeiro de uma ilha onde as regras e tradições tem guiado os moradores de Antares a anos. Seu dever é se casar com uma parente distante em...