Capítulo 16

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Marcos acordou com Elise se mexendo em seus braços. Ainda havia febre, porém não tão alta como quando chegaram. Mia dormia agarrada a Adele que por sua vez segurava uma das mãos de Elise e ele a mantinha cativa em seus braços. Sam não se encontrava na caverna o que só podia indicar que tinha ido procurar um modo de tirar todos dali. Beijou a testa quente da sua amada e se surpreendeu com seus olhos cansados sobre ele.
-Onde estamos? - ela inquiriu rouca.
-Num lugar seguro. - afirmou. -Você está se sentindo bem?
-Tudo dói... - confessou fazendo uma pequena careta. Ele forçou um pequeno sorriso.
-Esta no chão duro... Vai ficar bem. - forçou-se a dizer.
-Quem me envenenou?
-Ainda não sei... - disse com raiva no olhar.
-Estou tão fraca... - balbuciou já fechando os olhos. -Não quero morrer.
-E não vai.
-Se eu morrer...
-Pare. - ordenou.
-Se eu morrer... - repetiu. -Quero que fique com Adele. Ela gosta de você.
-Ficaremos nos três juntos. - afirmou.
-Me prometa.
-Eu prometo. - disse com a voz embargada.
-Vamos... - Sam disse aparecendo e recolhendo as coisas.
-O que aconteceu? - Marcos inquiriu e Mia acordou com Adele.
-Os guardas já foram...
-É seguro? - Mia perguntou.
-Alguns ficaram no amparo, mas nos manteremos escondidos até eu pensar em algo. - relatou entulhando tudo na mochila.
Marcos ergueu Elise no colo e todos caminharam para fora do esconderijo. Por instrução de Sam ela ficaria escondida numa sala dentro da biblioteca que ele improvisou de quarto. E o resto se esconderia no quarto onde ele dormia por possuir beliches e da pra ficar todos juntos. Caso precisassem fugir não precisava procurar por ninguém. Elise abriu os olhos pesados. Seu corpo ainda doía muito, mas já não sentia as palpitações nem o calor excessivo. Seus olhos correram pelo ambiente estranho e ela registrou uma pequena mesa com uma bacia de prata em cima e uma estante enorme de livros. Era um quarto minúsculo com apenas uma cama e prateleiras. Ainda tonta ela tentou se levantar ao recordar que pouco antes de pegar no sono estavam escondidos dentro de uma caverna. Com muito esforço conseguiu por os pés no chão. Seu corpo pendeu para um lado e ela parou para tomar fôlego. Cambaleou alguns passos e quando sentiu a fraqueza abater foi amparada pelos braços de Marcos.
-Que diabos faz fora da cama? - ele questionou irritado.
-Pensei... - suspirou ofegante.
-Não tem que pensar. Precisa descansar. - ralhou colocando-a de volta na cama.
-Onde está minha irmã? - inquiriu ignorando-o.
-Esta com Mia e Sam. - respondeu cobrindo-a novamente. -Como se sente?
-Tonta, enjoada...
-Quase os sintomas de uma gravidez. - ele brincou tocando seu rosto. -Você vai melhorar. Mia disse que se o veneno fosse mata-la já teria feito.
-É bom ouvir isso. - respondeu fechando os olhos. -Acalme minha irmã por favor.
-Já fiz isso.
-Onde eu estou?
-Na biblioteca... Na sala onde colocamos os livros para doações. Sam preferiu que ficasse mais escondida que o resto de nós. Pelo menos por enquanto... Ele, eu a Mia e a Adele estamos no quarto dele. - contou segurando a mão dela. -Não precisa se preocupar com ela, pois esta segura.
-Obrigada... Sério mesmo. Eu não sei o que seria da minha vida sem você. - falou agradecida.
-O importante é que está à salva. - retrucou com um largo sorriso no rosto. -Vou verificar se sua comida já está pronta.
-Obrigada. - murmurou novamente e ele saiu. Ela queria poder agradecer não só pela gentileza de agora, mas por tudo o que ele tem feito desde que a conheceu. Como era possível uma pessoa aceitar outra em sua vida desse jeito? Revivia os momentos desde que fugiu do hotel em Santos e foi salva por Marcos quando pegou no sono. Em seu inconsciente sentiu um medo anormal uma sensação de perigo iminente. Abriu os olhos sonolentos quando viu Amarilis parada olhando-a. Não conseguiu pronunciar seu nome, pois sentia seu corpo paralisado. Os olhos da outra estavam duros e focados nela. Claramente Elise pode ver a raiva e a maldade. Exausta fechou os olhos novamente e voltou a dormir. Marcos arrumava um prato raso de pirão de alho num bandeja com um copo de suco de laranja. Por piedade pela comida intragável ele colocou um pouco pra ele e enfeitou com uma flor do campo. Sorriu ao pensar no quanto parecia patético.
-Que bom que te achei. - Sam disse entrando e se sentando.
-Algum problema? - Marcos inquiriu tenso.
-Claro que temos... Elise foi envenenada e houve uma busca por nós aqui no amparo...
-Você está sugerindo que...
-Temos um traidor e eu tenho uma suspeita. - afirmou quando Marcos parou o que estava fazendo para da atenção a ele.
-Quem?
-Coral...
-Acha que a Coral envenenou a Elise? - perguntou surpreso.
-E nos deletou para Baltazar e Filipe. - acrescentou.
-Com base em quê?
-Primeiro ela é uma nomade e depois ninguém mais sabia que estávamos aqui.
-Não considero que eles tivessem certeza de que nos encontraria aqui. Se tivessem não teriam ido embora. - Marcos justificou.
-De qualquer forma a prendi na sala de leitura e ameacei seus filhos para que não gritasse por ajuda. - contou calmo.
-Sam...
-É o meu dever. - retrucou levantando-se. -Vá cuidar da Elise... Quando ela melhorar partiremos. Aqui não é seguro.
-E para onde vamos? - perguntou erguendo a bandeja.
-Encontrar o meu pai e preparar nosso exército. - disse confiante. Marcos sorriu e concordou com a cabeça. Sam sabia o que fazia e ele confiava sua vida a ele sem hesitar. Entrou no quarto onde Elise dormia e pôs a bandeja no único espaço disponível. Ela dormia agitadamente. Estava claro que ela estava tendo um pesadelo, mas não gritava ou se debatia apenas se agitava de vez em quando. Ele se sentou ao seu lado e pegou sua mão em silêncio observando-a. Elise abriu os olhos ofegante, mas sentiu que não estava sozinha sentiu-se segura.
-Passou... - Marcos disse beijando-lhe na testa e subitamente seu medo realmente passou. Ela respirou fundo e concordou.
-Me sinto melhor. - disse quando ele se afastou.
-Estou vendo... - ele respondeu pegando a bandeja. -Trouxe algo para você comer.
-Isso não é encorajador. - brincou fazendo-o rir.
-Você teve outro pesadelo... - comentou quando ela começou a comer.
-Sim...
-Não quer me contar? - perguntou sorrindo. Ela considerou a pergunta. Confiava nele, mas a questão agora não era mais confiança e sim o medo dele a desprezar.
-Não me lembro. - mentiu.
-Mas lembra dos seus medos... Não quer me contar? - perguntou novamente.
-Marcos...
-Confia em mim Elise...
-Eu confio...
Não, não confia. - rebateu triste. Ela ergueu a mão hesitou, mas tocou a dele com carinho.
-Eu confio em você... Muito. - afirmou seria. Marcos não disse nada só se preocupou em sentir seu toque. -Não é fácil falar sobre isso.
-Fale até onde der. - sugeriu.
-Acho que tudo começou com a morte da minha mãe... Ela morreu dando a luz a Adele... Tudo ia bem até dois anos atrás. Eu tinha saído de casa para cursar a faculdade e meu pai ficou sozinho com a Adele. Um dia eu fui pra casa e a Miranda estava lá. Ele disse que Adele precisava de uma mãe e que por isso tinha se casado novamente... Eu procurei apoia-lo, mas não gostei muito da ideia... Conheci o Sebastian nesse tempo. Ele era gentil e começamos a namorar... Quase um ano após o casamento do meu pai recebi a notícia de que ele estava morrendo então voltei pra Santarém... - parou emocionada. Marcos fazia carinho em suas mãos e ouvia atentamente. -Fui sem o Sebastian e assisti meu pai morrer em meus braços. No dia do enterro Sebastian apareceu com a desculpa de que não conseguiu me deixar passar por aquilo sozinha. Eu já tinha decidido não retomar a faculdade e ficar em Santarém, mas não disse a ele... A noite, no dia do enterro eu estava no quarto colocando Adele pra dormir quando ela me pediu água. Eu desci para pegar e flagrei Sebastian e minha madrasta abraçados na cozinha...
-Continue... - Marcos insistiu quando ela prolongou o silêncio.
-Ele justificou dizendo que a estava consolando, mas eu juro que não me importei. Disse a ele que não namoraríamos mais e que fosse embora no dia seguinte. A ela eu só disse que deveria respeitar a morte do meu pai. No dia seguinte quando desci havia vários seguranças na casa, homens que eu não conhecia... Quando cheguei na frente da casa dois deles seguravam Adele. Sebastian me disse que não partiria e que Adele não ficaria mais naquela casa. Eu fiquei indignada, mas minha madrasta me deu um tapa e disse que me odiava. Antes que eu pudesse fazer alguma coisa Adele foi colocada dentro de um carro e levada pra longe. Eu também fui colocada num carro... - parou recordando a angústia e o medo que sentiu. -Fiquei por dias trancada num quarto até Sebastian aparecer. Ele me bateu quando o enfrentei e disse que eu me casaria com ele. Que minha segurança existia porque a leitura do testamento demoraria um pouco a sair. Ele me forçou a... - interrompeu-se embargada, mas respirou fundo algumas vezes não poderia recuar agora. -Ele me forçou a dormir com ele dizendo que se eu não fizesse com ele Adele teria que fazer...
-Elise...
-Ele me violentava quase todos os dias e mandava me bater todas as vezes que eu tentei fugir... Achando pouco ele resolveu me expor ao seus amigos. Havia uma reunião onde eu desfilava nua enquanto eles me tocavam...
-Chega Elise. - Marcos exigiu retirando a mão da dela abruptamente e levantando-se.
-Não. Eu tenho que falar... Não pretendo voltar nesse assunto Marcos preciso dizer tudo. - rebateu secando as lágrimas com raiva. -Nenhum deles me tocaram intimamente... Ele não deixou. Apenas ele tinha o direito. Ele dizia rindo. Mas não seria pra sempre... Sebastian tinha recebido a informação de que o testamento seria lido no final daquela semana e me contou que me venderia. Após o casamento eu passaria tudo que herdei para ele e depois seria de quem pagasse o maior valor... Por isso tentei fugir novamente. Quando me vi livre corri desesperada e quase morri afogada...
Essa é a história. - concluiu baixando a cabeça. Marcos continuou em pé ao lado da cama olhando-a. Seu coração batia apressado e suas mãos estavam fechadas em punho. Nunca em sua vida controlou tanta raiva como naquele momento. Em silêncio ele saiu. Elise ergueu a cabeça quando notou sua ausência e caiu num choro convulsivo. Marcos caminhou enfurecidamente até seu escritório e esmurrou várias vezes a mesa até suas mãos sangrarem. Jogou alguns objetos no chão contendo um grito de frustração. Rolar sofreu as maiores atrocidades sem que ele pudesse fazer nada. Esse Sebastian já era seu maior inimigo na terra. Elise... No fundo ele sabia que algo terrível havia acontecido com ela, mas jamais imaginou que aquela menina doce e justa pudesse ter sofrido tantas humilhações. Agora ele entendia seu medo dos homens. Ela conheceu os piores deles. Exausto com a tentativa vã de extravasar seu ódio ele se deixou cair no meio da sala e colocou a cabeça entre as mãos em lágrimas. Elise esperou a crise de choro passar e com muita dificuldade se levantou. O quadro onde se encontrava não tinha banheiro então lentamente e se apoiando nas paredes ela foi até o banheiro mais próximo. Passou um tempo contemplando seu reflexo triste e após lavar o rosto decidiu tomar um banho de chuveiro. Saiu do banheiro se sentindo renovada e voltou ao quarto. Marcos não apareceu e ela aceitou que ele não viria mais. Seu medo em lhe contar a verdade era encarar seu desprezo. Ela sabia que aconteceria e mesmo com o coração em frangalhos aceitaria sua triste realidade. Marcos saiu do banho com sangue nos olhos, mas ainda se sentindo um desgraçado. Vestiu-se com esmero e seguiu pelo corredor. Sua vontade era ver Elise, mas hesitou e seguiu em frente. Sam estava sentado do lado de fora lendo e após o analisa-lo lhe entregou as chaves. Marcos sabia que Sam sempre conseguia lê-lo com muita facilidade, mas uma palavra qualquer poderia ajuda-lo. Irritado ele entrou. Coral estava encolhida num canto rezando e se levantou assim que o viu. Havia medo em seu rosto, mas ela o ergueu altiva.
-Então você é uma traidora. - ponderou encarando-a enquanto ela balançava a cabeça negativamente.
-Não senhor... Eu juro. Tenho ajudado vocês desde que chegaram eu...
-Chega. Você é uma nômade Coral e conhece ervas de todas as espécies. Elise foi envenenada e você é a resposta mais óbvia. - acusou.
-Óbvia demais não acha? A senhorita Elise salvou minha vida eu jamais faria mal a ela. - respondeu serena. -E porque a ela senhor? Se eu poderia ter envenenado o senhor...
-Eu não sei... Mas por enquanto você ficará aqui. - respondeu voltando para a porta. -E reze para você não ter nada haver com isso.
-E os meus filhos? – inquiriu chorosa.

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