[Freda]
E então aqui estava eu, parada à frente desta estante e destes livros todos, a pensar no porquê de todos eles me parecerem tão poeirentos e desorganizados. Será que a senhora das limpezas se esqueceu que as bibliotecas são locais de culto espiritual, e que uma mancha de pó pode completamente destruir a paz interior? Foi o que aconteceu comigo, por isso duvido que seja a única a pensar neste caso realmente importante. No entanto, esse não era o maior dos meus problemas. Problema sim era o facto de não conseguir encaixar o meu precioso livro no espaço da prateleira de onde o retirara anteriormente, o que, para que conste, me deixava completamente passada dos carretos! Eu gosto de organização, e gosto de bom senso, e para mim, bom senso era arrumar o livro no exato mesmo sítio de onde o tirara. Além do mais, também havia a questão de não se poder tratar mal um livro, pois um livro (e não é um livro qualquer, sublinho) é quase o nosso melhor amigo, à exceção de que não pode falar mal dos teus ex-namorados e elogiar o teu grande rabo. Era bom se os livros falassem...
Foi com um suspiro que eu virei costas à prateleira, levando o livro escondido debaixo do casaco. Não podia ser roubo, pois isto não era uma loja e não se podia considerar realmente o ato de roubar quando eu só tento preservar a segurança de um pedaço de folhas, que, verdade seja dita, deve custar cerca de seis dólares na feira da ladra mais próxima. Podia dizer-se que eu era uma delinquente, mas que tipo de delinquente vai a uma biblioteca para ler e depois roubar os livros? Faria mais sentido se pelo caminho eu derrubasse umas quantas cadeiras e grafitasse as paredes com marcador fluorescente, mas nada disso fazia parte dos meus planos, então para quê preocupar-me? Podia preocupar-me talvez com o teste de literatura que iria ter daí a uma semana, mas nem isso me deixava com os cabelos em pé. O livro sim. O livro dá-me pele de galinha.
Comecei a ter motivos para me preocupar quando avistei um objeto desconhecido em cima da mesa onde há menos de cinco segundos estava sentada, e logo cerrei as sobrancelhas, perguntando-me como raio teria ido um pêssego ali parar. Não que eu não gostasse de pêssegos, pois como deu para ver na aula de literatura, esse era um fruto com muitas coisas em comum com a minha personalidade, mas era estranho. Talvez alguém o tivesse trazido para o lanche e se esquecera dele ali, por acaso. Mas não, tinha de haver um mistério qualquer. Existe sempre um mistério qualquer no fim de contas, não é verdade?
Antes de me ir embora, sentei-me na cadeira de madeira onde passara metade da minha tarde e observei o pêssego cor-de-laranja, que, modéstia à parte, combinava na perfeição com o meu cabelo ruivo, perfeitamente escovado e brilhante. Adorava o meu cabelo, não havia como negar. Mas havia algo mais. Havia um papel rasgado debaixo da fruta, o que me fez arregalar os olhos. Seria aquilo alguma espécie de mensagem dos seres superiores a nós? Seria aquilo algum tipo de partida destinada aos solitários desta universidade? Dar-se-ia o caso de Deus me ter elegido como sua predestinada? Ou seria apenas alguém muito atencioso que decidiu deixar-me um pêssego como oferenda. Não me podia considerar a pessoa mais amável e simpática à face da Terra, mas também não ficava admirada por haver pessoas preocupadas com a minha alimentação, pois além de ter cabelo bonito, eu também era detentora de um corpo digno de America's Next Top Model. Talvez alguém me quisesse engordar.
Então, com cuidado e com uma careta de poucos amigos, peguei no pêssego careca e observei-o, tentando analisar com os meus olhos de lince marcas invisíveis que me pudessem trazer vestígios da pessoa que o deixou ali para mim. Como era de prever, não havia nada. Talvez eu me devesse ficar apenas pelo papel, que foi o que fiz. Desdobrei-o cautelosamente e fitei-o durante um segundo, reparando nas linhas amachucadas e nas marcas de rasgo. Parecia que a pessoa que o rasgara estava realmente enfurecida, ou nervosa, podia dar-se o caso de estar nervosa.
«Uma vez Walt Withman disse que a vida é o pouco que nos sobra da morte e durante esse pouco eu só queria ter coragem para conseguir falar contigo.»
Disto é que eu não estava à espera. Walt Withman era o meu escritor favorito de todos os tempos, e a pessoa anónima que o utilizou como referência foi muito esperta em tê-lo feito, pois só com uma grande ressaca é que eu iria menosprezar tal consideração ao velho poeta. Mas ainda assim, era estranho. Admito que não sou a pessoa mais fantástica e simpática à face da terra, e admiradores é algo que não consta no meu dicionário, no entanto, aqui estava, a prova de que nada é impossível. Este alguém, esta pessoa corajosa e incrivelmente bem dotada de gostos literários, tinha saltado agora para o primeiro lugar da Lista de Pessoas Favoritas da Freda, e eu mal podia esperar para descobrir quem era a criatura. Foi portanto com um ar entusiasmado e curioso que eu levantei a cabeça e olhei à minha volta, chegando à conclusão que as únicas duas pessoas presentes naqueles espaço nunca num milhão de anos seriam o meu admirador secretos, pois a) nunca teriam inteligência nem originalidade suficiente para me deixar um pêssego e b) era impossível que tais seres humanos ligados a romances trágicos e jogos de telemóveis com único objetivo matar o maior número de centopeias venenosas, fosse culto suficiente para se pôr a filosofar acerca de Withman. E, embora eu soubesse que antes de me levantar para ir arrumar o livro (que ainda tenho em minha posse) ainda houvesse uma ou duas pessoas na biblioteca, nunca seria capaz de relembrar os seus rostos desfocados. Talvez tal fosse possível caso eu soubesse que um espertinho me iria deixar um bilhete, pois assim eu estaria atenta a pormenores insignificantes como a atitude nervosa e os olhares suspeitos que a incriminariam, mas claro que assim seria impossível.
De ânimo abalado e autoestima levantada, peguei nas minhas coisas (e no pêssego) e saí daquela biblioteca suspeita, caminhando devagar pelos corredores lotados de nada. Quando cheguei à rua, foi com um ar muito pouco normal que eu observei as pessoas que me rodeavam, tendo como única vontade apontar-lhes um dedo e gritar: Hey, foste tu!, mas claro que não o fiz, pois isso ferir muito o meu entusiasmo e quebrar-me o coração com a simples resposta confusa que as pessoas me dariam. No entanto, não desisti, pois todos à minha volta pareciam suspeitos e ninguém poderia ser considerado inocente até prova em contrário (e é claro que eu adoro manipular a forma como as coisas funcionam). A rapariga de minissaia aos quadradinhos parecia-me suspeita, o rapaz que fumava sentado no banco de jardim parecia-me suspeito, a jovem gótica que alimentava os pombos parecia-me suspeita, o rapaz de calções azuis parecia-me suspeito, a professora de inglês parecia-me suspeita, o rapaz de cabelo verde parecia-me suspeito, e até mesmo eu, a autora dos devaneios mais devaneantes, parecia suspeita. Podia ter sido eu a enviar-me a mim própria uma mensagem bonita.... Mas não, claro que não. Tinha de haver alguém. Tinha de haver alguém que conhecia o meu amor a Withman, tinha de haver alguém que oferecia pêssegos nas horas vagas, e tinha de haver alguém que me observava por tempo indeterminado, o que, verdade seja dita, era realmente assustador.
»»»»»
ehhhh olááá! voltei com mais um capítulo, desta vez com o ponto de vista de uma nova personagem: a Freda! Honestamente, eu acho que vocês a vão adorar... eheh
btw nós ficaríamos muitooo felizes se vocês comentassem a vossa opinião em relação aos desenvolvimentos que vão ocorrendo na história. Adoramos feedback!
a rita voltará daqui a tempo indeterminado lmao, não podemos prometer nada, mas espero que tenham gostado e cá vos esperamos no próximo <33
adeus pêsseguinhas,
ella ~ (04/05/2016)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Peach » michael clifford
Fanfiction''Irá um pêssego conseguir unir duas almas negras e transformar a relação num amor inocente?'' [2.º livro do The Fruit Series] All Rights Reserved © copyright // tulipxs & prxcrastinatus