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[freda]

            – Quando eu tiver coragem? Quando eu tiver coragem? – repeti o que estava escrito no bilhete em voz alta, erguendo-o à frente dos meus olhos como o guião de um drama barato. A minha vida não passava disso mesmo, de um drama barato, mas ainda assim, com tão pouco a acrescentar à história rebuscada que eu tinha para contar, era um drama feito de mistérios e omissões; quase parecido a um monólogo, onde ando eu, feita tonta, a tentar adivinhar quem é o estranho dos pêssegos. – Mas será que a coragem só se aplica à entrega de fruta? – murmurei, levantando-me da cama.

            Falar sozinha é um dos meus hobbies favoritos, e não venham dizer que eu sou maluca, já vi e ouvi que tal ato é sinal de inteligência, e se na minha cabeça não existem neurónios inteligentes, então eu não sei que raio ando a fazer neste mundo. Na verdade, nem sei porque é que ainda não pegaram em mim e me levaram àqueles programas da tarde todos intelectuais, onde pudesse contar a minha história de vida e o mais recente acontecimento dos bilhetes anónimos. Seria algo inédito, como assim o espero, mas talvez não desse tanto canal quanto as pessoas esperam, pois não há nenhum relato de mortes ou doenças que me tenham privado de uma vida feliz e salubre. Existo eu, este ser tóxico e irreverente que passa demasiadas horas na biblioteca, mas é só isso. Nem os meus movimentos ativistas calhavam bem na história...

            Assim, com tanta inspiração, meti o cérebro a funcionar e comecei a bater às portas. Tinha de ser proactiva e começar a procurar pistas, indícios, provas que me dissessem que aquilo é real e que não, Freda, tu não estás maluca. Senti a rara necessidade de ir falar com seres humanos, com pessoas que me pudessem levar até ao caminho da verdade, criaturas amigáveis que me resolvessem este quebra-cabeças.

            – LEAH! ESTÁS AÍ?! – gritei, encostando-me à porta 23B do nosso corredor de dormitórios, ou seja, o quarto da Vicky Samuels e da Sam Lancaster. Ouvi um murmúrio vindo do interior da divisão, mas não me demovi. Dois segundos depois, uma rapariguinha de cor negra veio abrir-me a porta.

            – Sim? – perguntou a Vicky, que era conhecida entre as raparigas pelos seus modos nada simpáticos.

            – Olá. – esbocei um sorriso demasiado cínico, tentando espreitar para o interior do quarto, de onde vi Leah a tentar esconder-se atrás de um caderno. – A Leah está por aí, não está? Preciso de falar com ela. É urgente. – Vicky olhou para trás, encolhendo os ombros como se não pudesse adiar mais aquele encontro, e Leah achou-se na obrigação de se levantar, vindo receber-me com uma cara de poucos amigos.

            – Eu avisei-te, Freda...

            – Está bem! Não quero saber de nada agora! – interrompi-a. – Eu vou encontrar o estranho do pêssego!

            – Vais encontrar...

            – E preciso da tua ajuda!

            – Ajuda para...

            – Tens de me dizer qual é o corredor do dormitório dos rapazes. MAIS ESPECIFICAMENTE O DORMITÓRIO DOS RAPAZES DA MINHA AULA DE LITERATURA! – berrei. Podiam achar estranho eu não saber onde é o dormitório dos adoráveis seres de sexo masculino, ou achar-me simplesmente demasiado púdica e/ou estranha, mas a verdade é que eu nunca me dei ao trabalho de descobrir onde ficavam essas instalações, ou pelo menos não a dos rapazes em questão. Leah, por outro lado, tinha experiência nesses assuntos.

            – Tu estás a brincar!? – arregalou os olhos. – A tua turma de literatura tem mais de cem pessoas! Cinquenta porcento dessas pessoas são rapazes!

Peach » michael cliffordOnde histórias criam vida. Descubra agora