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[Michael]

      A aragem suave que me tocava no rosto acalmava-me os nervos e tranquilizava-me a alma, como se tudo naquele instante fosse efémero e insignificante. Havia um cheiro delicado no ar e, em meu redor, vários jovens riam e conversavam, alheios ao meu corpo vestido de negro, que deambulava pelo jardim daquela universidade. Os arbustos pareciam ter sido aparados e tudo parecia ter ganho vida, com aquele sol que nos iluminava a todos, oferecendo-nos um novo humor e uma nova disposição para encarar o longo dia de aulas que nos esperava pela frente.

      Enfiei as mãos nos bolsos e aclarei a garganta, observando o grupo de rapazes plantados à frente da máquina de bebidas, conversando animadamente acerca de um jogo qualquer. Nos seus lábios encontravam-se sorrisos divertidos e, nos seus olhos, um brilho que me transportava de novo aos meus felizes dias de infância. Agora, sendo apenas um rapaz de vinte anos, já não sabia dizer se era um adulto ou um adolescente, e ficava neste impasse, vasculhando no interior da minha pessoa algo que pudesse provar a minha maturidade. Não havia muito que eu pudesse dizer para me afirmar como adulto, até porque na maior parte da minha vida eu me escondi do mundo, e nunca realmente encarei os problemas e as pessoas que ao longo dos anos passaram por ela e me deram experiências.

      – Ei! – Calum levantou os braços, reparando na minha presença. Os restantes rapazes foram rápidos a virar os seus rostos e a fitarem-me de sobrolho franzido, como se não compreendessem a minha quietude. – Por onde andavas tu, garanhão!?

      – Estive no dormitório a arrumar umas coisas. – respondi, encolhendo os ombros. Calum anuiu com um suspiro e voltou a infiltrar-se na conversa, sendo interrompido pelo toque da campainha, que avisava a próxima aula. Trocámos um breve olhar e, depois de apertarmos as mãos, foi cada um para o seu lado.

      Reconhecia algumas das caras que se encaminhavam para a aula de Literatura, especialmente aquela cujo cabelo ruivo permanecia tão vivo na minha mente, mas nenhuma daquelas pessoas era realmente minha amiga. Eu não tinha muitos amigos, para ser honesto. Tinha Calum, Luke e Ashton, os três rapazes que conhecera na minha cidade natal, e que, mais tarde, se vieram juntar a mim na Universidade. Apesar de frequentarmos aulas diferentes, continuávamos a alimentar a amizade que nos reunira há muitos anos atrás. Porém, eles eram os únicos que ouviam o som da minha voz. Mais ninguém tinha querido aproximar-se de mim, e eu também nunca quisera aproximar-me de ninguém. Continuava, portanto, a ser um solitário, preso às páginas dos milhares de livros que me acompanhavam nas horas de solidão.

      – Bom dia. – cumprimentou o professor, enquanto pousava a sua pasta em cima da secretária. O auditório onde tínhamos aulas era relativamente pequeno e, por conseguinte, conhecia praticamente todos os rostos de quem frequentava esta aula comigo. Um deles era o dela, e eu nunca me sentira tão empolgado com algo ou alguém, ao ponto de querer tanto saber o seu nome. Ela parecia uma rapariga reservada, sempre enclausurada num mundo só seu. – Hoje iremos estudar a simbologia dos objetos. É algo muito comum na poesia. As palavras que vocês leem nem sempre significam aquilo que aparentam.

      Recostei-me na cadeira almofadada e abri o meu caderno de linhas, rabiscando no canto da primeira página. Eu gostava daquelas aulas, no entanto, conseguia distrair-me muito facilmente, e até perder o fio à meada, passando a concentrar-me em pequenos detalhes insignificantes. Fui sempre um rapaz muito observador e calculista, preocupado com os pormenores e minucioso em relação às mais intrínsecas coisas que me passavam pelos olhos.

      – É quase uma metáfora que os autores usam, quando querem camuflar as suas verdadeiras intenções. – o homem continuava a explicar, caminhando de um lado para o outro. As suas mãos mexiam-se à medida que as palavras fugiam da sua boca, e ele parecia entusiasmado. – Por exemplo, a rosa vermelha. Alguém me sabe dizer o que significa esta flor?

      – O amor? – alguém disse. Ouviram-se risos e o professor sorriu, balançando a cabeça ritmicamente.

      – É claramente o amor. – riu-se, continuando depois a sua aula. – Mas além da rosa, existem tantas outras flores cheias de significados. Esta é a mais comum. – depois de uma pausa em silêncio, apontou para um rapaz sentado à sua frente e cerrou os olhos. Eu já havia largado a caneta, focando-me agora naquilo que o homem estaria prestes a dizer. – Qual é a sua cor favorita?

      – Preto. – o rapaz respondeu, com a voz grossa carregada de aborrecimento.

      – Que previsível, Sr. Hallow. – o professor abanou a cabeça, sorrindo pretensiosamente. – Mas bem, preto significa respeito, morte, isolamento... mas adivinhem! Também está associado à elegância, à distinção e à dignidade. Uma cor cheia de segundos sentidos... verdadeiramente interessante.

      Soltei um pequeno suspiro ao baixar a cabeça para baixo, reparando no meu corpo coberto de roupas daquela mesma cor. Era estranho saber que carregava no meu corpo tantos significados diferentes, que poderiam ser descodificados numa paleta menos obscura. No entanto, voltei a prestar atenção ao auditório e a tudo o que me rodeava quando o homem de polo azul-escuro apontou para a rapariga de cabelos ruivos, despertando-a do transe em que se encontrava.

      – Sim, você mesma. – o professor sorriu. – Qual é o seu fruto favorito?

      – Ah... – era a primeira vez que lhe ouvia a voz, daí não conseguir controlar o nervosismo que me atraiçoava. Levantei ligeiramente o tronco de modo a observá-la melhor e sorri, vendo a palidez do seu rosto transformar-se num tom rosado. Ela era linda. – O pêssego.

      Foi nesse momento que se acendeu uma luz nos confins do meu cérebro. Para comprovar as minhas suspeitas, varri a mesa à sua frente com os meus olhos verdes e procurei o tubo cilíndrico, encontrando-o mesmo à sua frente. Ela sempre tinha aquele batom junto a si, e eu desconfiava que ele fosse um daqueles do cieiro, que as raparigas tanto gostam de usar. Porém, ao observá-lo, percebi que o sabor desse mesmo batom era exatamente o da fruta proferida pela rapariga, enquanto o professor explanava acerca da simbologia dos diferentes objetos e cores. Pêssego era até um fruto que combinava com a sua aparência, pensando bem. Tínhamos o laranja do seu cabelo e a delicadeza do seu corpo, tão cheio de curvas.

      – O pêssego pode ser indicativo de virgindade, luxúria e sensualidade. – o homem proclamou, num tom de fascínio intenso. – Mas, a cor dele, representa uma espécie de natureza bondosa. É significado de amor inocente com sabedoria.

      Os vários significados daquela simples fruta tinham-na deixado indiferente porém, para mim, todos aqueles detalhes faziam sentido como se o pêssego pudesse ser a metáfora que a conseguisse descrever. Após o professor ter cessado as perguntas relativamente aos nossos gostos, retomou o seu lugar inicial e continuou a mostrar-nos exemplos significativos enquanto eu tentava guardar esta descoberta na minha mente, acabando, assim, por procurar alguma forma de a usar.


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Estou tão feliz por estar de volta!

Peach é uma história amorosa e tanto eu como a Rita estamos ansiosas por desenvolvê-la! Estou mesmo entusiasmada... e vocês passam a ser as minhas pêsseguinhas eheh.

A ritinha volta para a semana com novo capítulo, até lá, deixo-vos com um grandeeeee beijinho <3

ella. ~ 20/04/2016

Peach » michael cliffordOnde histórias criam vida. Descubra agora