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[Michael]

     Corri desenfreadamente por entre os corredores, dirigindo-me de imediato para o meu dormitório. Eu tinha feito aquilo. Um mero bilhete com sinais de rasgo descuidado e um pêssego sumarento ficaram para trás, e agora, não sabia o que ela poderia estar a pensar. O meu último desejo foi não a ter assustado de modo nenhum, pois essa era a última coisa que queria alcançar, no entanto, as probabilidades de isso acontecer eram elevadas e as minhas capacidades matemáticas eram quase nulas para conseguir concluir algo deste género. A minha mente já estava confusa, baralhando todas as minhas ideias que se transformavam somente no processamento de teorias ridículas. Para complicar o meu estado de alma, as poucas pessoas com quem me cruzava no recinto olhavam-me como se eu fosse um psicopata e tivesse ido esconder as minhas próximas vítimas numa cave, o que me deixava bastante preocupado com o meu aspeto, pois, se alguém que me fosse extremamente conhecido me visse neste estado, era de imediato alvo de um enorme interrogatório e, neste momento, era capaz de desvendar todos os meus segredos mais escuros num minuto graças à desordem instalada na minha cabeça.

     Decidi parar por uns momentos para controlar toda a ânsia que corria por todos os cantos do meu ser. Não me importei que olhassem para mim, mas também não queria que se aproximassem. Era estranho, porém realmente interessante, o facto de andarmos há largos meses neste estabelecimento de ensino e continuarmos sem conhecer metade dos alunos que o frequentam. Quando retomei a minha caminhada, cada rosto singular era-me estranho assim como o meu devia ser para eles, nem pensava qual seria o nome da pessoa ou mesmo de onde vinha, todavia, deixei estas questões existenciais para mais tarde e apenas me concentrei em chegar ao dormitório da maneira menos suspeita possível. Abri a porta do meu quarto e fechei-a de imediato, acabando por atirar os meus livros para cima da secretária desorganizada e, quando dei por mim, estava a fazer uma pilha nos meus braços da roupa suja que estava espalhada em cada canto da alcatifa cinzenta que constituía o chão da divisão.

     Ocupei a minha mente com as arrumações, coisa que me era completamente absurda, contudo, eu não me encontrava em mim. Neste momento, eu era um peixe fora de água devido ao facto de nem querer acreditar que tinha ido à mercearia comprar uma peça de fruta, acabando por entregá-la indiretamente com um bilhete pensado de forma prévia à rapariga mais bonita e interessante que alguma vez consegui observar. Ela era totalmente única aos meus olhos, desde a sua cor de cabelo e as suas feições perfeitas e claras até às suas roupas escuras e irreverentes parecidas com as minhas. A sua total concentração para com o livro de poesia fascinava-me a altos níveis e a minha única vontade era falar com ela sobre os seus autores favoritos, ou mesmo obras, ou até sobre um tema aleatório. Conseguia afirmar que ficaria radiante se conseguisse que ela falasse comigo.

     De repente, ouvi a minha porta a abrir e a fechar em segundos, revelando a figura de Calum estupefacta a olhar para mim.

– Eu sabia que estavas com uma virose ou algo do género. – Calum comentou, arqueando uma sobrancelha de seguida. Andou até mim e colocou a palma da sua mão na minha testa, abanando a cabeça depois. – Tu sentes-te bem? Não me importo de te levar ao hospital se não te estiveres a sentir bem, a sério, os amigos são para todas as ocasiões...

– Cala-te. – resmunguei, afastando-me do seu corpo. – Eu estou bem.

– Sim e desde quando é que o Michael Clifford, o meu amigo de longa data, o meu ursinho gummy humano, arruma o dormitório? Pensei que o teu habitat fosse um sítio imundo cheio de bichinhos a comerem-te as células mortas dos pés.

– E depois sou eu o nojento!

     Afastei-me do seu corpo e continuei as minhas limpezas improvisadas, colocando as peças que jaziam há mais de uma semana num saco de plástico para que as pudesse levar para a lavandaria o mais cedo possível. Todavia, Calum cansou-se de ficar em pé a fitar-me com demasiada atenção e sentou-se na minha cama por fazer, impedindo-me, assim, de continuar as minhas tarefas anteriormente adiadas.

– Michael, a sério, parece que o FBI anda atrás de ti. Já olhaste bem para essa cara? – Calum questionou-me de forma séria, porém apenas lhe revirei os olhos e caminhei para a outra ponta do quarto. – Não almoças connosco, não queres saber de mim... Eu estou seriamente preocupado! Eu pensei que éramos um casal às escondidas, o que implica não haver segredos entre nós e que me contes tudo o que te atormente a alma para que eu te possa ajudar. – o rapaz tomou o discurso de parceiro a conversar com o outro que veio da guerra e está a passar pelo stress pós-traumático, fazendo com que a paciência que me restava diminuísse drasticamente. – O que é que tu foste fazer?

– Não é da tua conta Calum. Deixa-me em paz. – pedi com demasiado custo devido ao facto de estar prestes a ceder. Eu sabia que esta imagem de durão não iria durar muito mais porque, quando não se dá a Calum o que ele quer, ele consegue ser pior que senhoras idosas quando o neto se recusa a comer.

– Se não me dizes, terei que inventar possíveis cenários hipotéticos. Diz-me quando acertar.

     E lá íamos nós. Apenas me perguntava porque é que tinha deixado a porta do dormitório aberta. Não me importava que ele neste momento estivesse a arrombar o pedaço de madeira do que estar a ouvi-lo dizer barbaridades, mas a culpa era minha. Tinha o conhecimento que nenhum detalhe consegue escapar aos olhos deste rapaz, principalmente quando se trata de personalidades que ele domina por completo. No entanto, tentei fingir que limpava a secretária com uma velha camisola a servir de pano enquanto o ouvia.

– Primeira hipótese que me ocorre na mente é que foste ver novas cores para o cabelo, mas querias que fosse uma surpresa. Contudo, isso seria muito banal e tu não estarias mal-humorado. Portanto... Tu não foste para a esplanada engatar homens, pois não? Espera... A bibliotecária deu-te um fora. Não! Já sei! Ela expulsou-te e tu ficaste irritado e vieste descarregar a tua frustração na pocilga! Destruir o teu velho eu para seres um Clifford muito mais asseado para a agradares! É isso, não é? Tu estás caidinho pela velha!

– Eu já não te posso ouvir... – suspirei. Suspirei como se fosse a última coisa que me fosse permitida fazer à face da Terra. – Eu conto-te, mas tu não vais espalhar isto.

     Ganhei coragem de lhe olhar nos olhos e sentei-me na minha cadeira modesta de madeira, começando a contar-lhe tudo desde o início, ou seja, quando a vi pela primeira vez naquele mundo cheio de preciosidades literárias, passando de imediato para a aula de literatura de hoje que me conferiu esta ideia única, depois expliquei o porquê do meu desaparecimento súbito durante o almoço e rematei com o sucedido na biblioteca antes de a abandonar. Como esperava, o moreno observava-me pacificamente, sem pronunciar rigorosamente uma palavra. Nem do rosto apático, nem dos seus olhos negros conseguia arrancar algum tipo de emoção. Muito provavelmente devia esperar pelo pior, ou aguardar um grande nada.

Todavia, o moreno deu sinal da sua existência ao aclarar a garganta e, desta vez, um sorriso marteiro pairava na sua cara.

– Sinceramente, eu não sei se hei-de rir ou felicitar-te por essa ideia incrivelmente original. – ele apontou, esfregando ambas as mãos nas suas calças negras. – Também não sei se original é no bom sentido, ou no mau sentido... Saberemos amanhã se correrem as notícias pelos corredores de que uma rapariga foi fazer queixa à polícia sobre um possível psicopata presente na universidade. O que mais me espanta é que tu envergaste pelo mundo do amor e das paixões... Bem-vindo, Clifford, ao mundo dos corações que não são de gelo.

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hey hey hey

esperamos que tenham simpatizado com o Calum :)

não se esqueçam de comentar o que acharam ♥ nós gostamos imenso de ler as vossas palavras face a esta história adorável :p

como já sabem, a ellazinha estará cá na próxima quarta feira!

beijinhos pesseguinhas (sim, roubei o nickname)

11 de maio

Peach » michael cliffordOnde histórias criam vida. Descubra agora