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[Michael]

     Durante semanas, somente uma única coisa me ocorreu na mente: o beijo com Freda. De facto, nem sei onde tinha ido buscar a bravura para colidir os meus lábios com os da rapariga de cabelos laranja, mas a verdade é que o tinha feito e nada mais me conseguia reconfortar o coração do que esta memória. Possivelmente tinha-se tornado a minha lembrança favorita desde que dei pela existência da rapariga na biblioteca, portanto podia concluir que a minha vida tinha sido controlada pela beleza singular que ela possuía.

      Mesmo que eu estivesse perdido de amores por Freda, incrivelmente ou não, nunca mais tive a oportunidade de falar com ela. Para ser sincero, nem eram as oportunidades que me faltavam, porque ela bem tentava ter, pelo menos, conversas de ocasião comigo, porém eu começava a sentir o suor a surgir e começar a escorregar por todos os cantos do meu corpo, os meus dedos dançavam por vontade própria e o meu cérebro dava múltiplos nós, fazendo-me parecer um idiota total à frente do amor da minha vida. Infelizmente, toda a vez que ela induzia qualquer tipo de contacto, eu limitava-me a procurar alguma forma de fugir dali. Não era por mal, só não queria dizer a coisa errada à rapariga certa.

     Discuti isto com Calum e, apesar de ter ouvido um sermão maior do que o do Santo António aos peixes, ele lá conseguiu meter alguma noção na minha cabeça. Assegurou-me que, se eu não começasse a agir como aquele rapaz que andava a entregar pêssegos e bilhetes à socapa, bem que podia dizer au revoir à minha amante de poesia para sempre. Acrescentou também que ainda não conseguia acreditar que eu estava a dar com os pés à rapariga mesmo depois de tudo o que fiz para lhe chamar à atenção, concluindo que eu era um parvo e que, caso fosse ele na minha pele, não iria perder três segundos para entrar em ação.

     De certa forma quis apagar as últimas palavras que ele pronunciou em relação à minha situação, pois Calum, quando quer, gosta bastante de ser muito explícito relativamente ao que pensa e sente, principalmente com raparigas. Todavia, apenas me fez perceber que existe bastante peixe no mar e, se o rapaz dos pêssegos ficasse esquecido ou fizesse para que isso acontecesse, era possível que houvesse um substituto em pouco tempo. Freda era linda, inteligente e incrivelmente interessante, e não me seria estranho que ganhasse outro admirador secreto, mas eu não suportava a ideia de a ver com outra pessoa senão comigo. Ela precisava de ficar comigo como eu necessitava de ficar com ela. Era como se fosse a lei da vida.

     Hoje acordei decidido que ia lutar pelo meu lugar na vida dela. Até vesti uma roupa lavada e cheirosa – situação que é bastante rara de acontecer – e enfrentei o dia como um grande homem, apesar de me sentir como se tivesse encarnado na pele de um gatinho indefeso interiormente. Não podia usar o pretexto de Literatura para falar com Freda, uma vez que a aula não constava no horário, portanto obriguei-me a mim mesmo ir falar com ela no primeiro segundo que a visse, independentemente do lugar onde nos encontrássemos.

     Passaram os primeiros blocos de aulas e nada. Passou a hora do almoço e nada. Passaram as aulas da tarde e nada. Todo o meu azar fazia-me questionar se já era tarde demais. Era a isto que Calum se referia? Decerto que não me podia conformar com esta ideia, mas seria correto eu forçar o nosso encontro? Estive uns longos minutos a refletir sobre isto para me insultar de palerma e correr até ao dormitório das raparigas em busca da minha donzela sem castelo. Adentrei pelo bloco sem ser visto por ninguém suspeito, caminhando pelo corredor até à porta do quarto dela, o que me fazia lembrar da primeira vez que aqui tinha estado com o meu parceiro do crime. Algumas raparigas que passavam por mim olhavam-me incrédulas talvez porque 1) não vinham rapazes aqui muitas vezes, ou 2) devo ser uma cara totalmente nova para elas como as delas para mim.

     Cheguei, entretanto, ao seu quarto. Não propriamente ao quarto dela, mas sim à porta, e só de estar especado a observá-la, começava a sentir aquele nervosismo miudinho que me arruinava todas as interações sociais. Respirei fundo. Nada poderia correr mal, só se Freda me escorraçasse com um pontapé no traseiro e eu acabasse com o coração partido, mas de resto, nada mais. Levei a minha mão à porta e dei três toques enquanto controlava a vontade do meu órgão bombeador de sangue atravessar as minhas goelas para dizer olá ao mundo.

Peach » michael cliffordOnde histórias criam vida. Descubra agora