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[Freda]

      A minha vida parecia um filme. Às tantas já procurava as câmaras e os realizadores, que provavelmente, de guiões e papéis cheios de notas nas mãos, assistiam a cada detalhe e a cada gesto como se estivessem à espera do erro fatal, aquele que infalivelmente condenaria o filme ao falhanço. No entanto, a única coisa relacionada ao mundo do cinema que constava diante dos meus olhos era um enorme placard branco, agora inundado de cores e movimentos. A história que se desenrolava, projetada a grandes dimensões, era a de uma rapariga que, em busca dos seus sonhos, havia partido da sua pequena vila para a grande cidade; aí conheceu Jack, o grande amor da sua vida, e agora parecia tudo desenrolar-se na perfeição, à bela maneira das histórias inventadas para o cinema. Felizmente ou infelizmente não assistimos à primeira parte do filme, portanto nem sequer desconfiava como se chamava, mas para dizer a verdade isso era o que menos me importava. Só conseguia pensar no quão nervosa me sentia por estar fechada num carro com o rapaz que provavelmente seria também o amor da minha vida, aquele que, como nos filmes, me deliciou e surpreendeu com poemas e uma fruta.

      – Merda. – ouvi Michael praguejar, e quando virei a cabeça para o observar vi-o remexer-se como um doido. – Desculpa...

      Com um sorriso e um encolher de ombros deixei-o continuar a sua busca desenfreada, percebendo ao fim de um segundo que se tratava do telemóvel que vibrava sem parar. Michael lá conseguiu tirá-lo do bolso das calças, erguendo-o para ver quem telefonava. Fez uma careta e suspirou, lançando-me um olhar tímido.

      – Provavelmente é melhor atenderes. – sugeri, desviando a minha atenção do filme. Até agora ainda não tínhamos falado muito (para ser sincera quase nada), e apesar de não me importar, aquele não estava a ser o encontro mais interessante do mundo. Eu sabia que a culpa não era dele, muito menos do sítio que ele escolheu, mas talvez do nosso pouco à vontade um com o outro.

      – É o Calum... – suspirou. – Deve ter feito alguma estupidez... ou então vai apenas fazer-me alguma pergunta estúpida.

      – Nesse caso guarda a surpresa para depois. – soltei uma pequena gargalhada, vendo-o premir o botão vermelho. Arrumou o telemóvel e voltou a acomodar-se, ficando a olhar para a tela do lado de fora do veículo durante uns segundos, até se lembrar de voltar a interromper o silêncio.

      – Posso ser sincero contigo, não posso? – questionou, apanhando-me desprevenida. Limitei-me a acenar que sim com a cabeça, ficando à espera de alguma barbaridade saída dos seus lábios. – Estou a odiar este filme.

      Num momento de total imprevisibilidade comecei a rir-me como uma foca a dar à luz, invadindo o interior daquele carro com as minhas gargalhadas estridentes e desafinadas, que fizeram Michael rir-se exatamente da mesma forma. Se estivéssemos de vidros abertos provavelmente seriamos vaiados pelas pessoas que se encontravam em redor, mas felizmente encontrávamo-nos sós e animados. Por fim, recuperados do desanuvio, respirámos fundo e olhámos nos olhos um do outro, ficando assim quase durante um minuto.

      – Eu estava com medo de comentar isso, mas assim tiraste-me um peso dos ombros. – sorri-lhe. – Olha, por que não vamos dar uma volta até acabar? Já não falta muito.

      – Sim. – Michael assentiu, olhando-me como se eu fosse a sua musa. Por momentos senti o meu coração acelerar, mas tentei agir com naturalidade, pensando que seria terrível arruinar tudo com o primeiro rapaz decente que me tentou impressionar. Por outro lado estava a ser complicado gerir os nervos, até porque a minha maior vontade era quebrar aquele silêncio de uma vez por todas e conversar com ele. Uma conversa à séria sobre poesia, sobre pêssegos, sobre tudo o que nos poderia eventualmente unir. No entanto, permaneci de boca fechada, analisando tudo e mais alguma coisa, quase intimidada pela presença dele. Era estranho, e sentia que se o encarasse diretamente por demasiado tempo tudo perderia o encanto.

Peach » michael cliffordOnde histórias criam vida. Descubra agora