Capítulo 2

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Quando Mag e Petterson chegaram, minha mãe estava saindo com Patrick até a sorveteria.
Estávamos no meu quarto, Petterson via Criminal Minds comigo, enquanto Mag navegava em sites de fofoca pelo meu tablet. Ninguém ousou tocar no assunto da festa de Martin, então eu resolvi me pronunciar.
— Nós vamos a tal social quarta.
Mag me olhou, parecia não acreditar.
— Sério? Amei!
— Sim. Mas não vamos demorar muito. E por favor, não saiam de perto de mim.
Por um momento imaginei Mag e Petterson se divertindo com outras pessoas e eu jogada em um canto, sozinha. Por mais que éramos excluídos na escola, Mag e Petterson não tinham nenhum medo de fazer amizades, então eles poderiam muito bem se relacionar com os convidados da social. Sabia que eles não iam me deixar só, mas preferi prevenir.
— Mas é claro que não vamos sair. — Mag garantiu.
— Não sei, vai que aparece alguem conhecido e vocês me deixem.
— Ally, acho que você está esquecendo que somos o grupo dos excluídos e que ninguém fala com a gente. — Petterson disse.
— Mas deve ir pessoas que sejam de outros lugares, não só da escola. Vocês podem fazer amizades.
— Se for assim, todos nós vamos fazer amizades. Porque estaremos juntos. Relaxa, Ally. Não tem com o que se preocupar. — Petterson tentou me acalmar.
Procurei manter a calma, não queria acabar com as espectativas dos meus amigos de que seria uma festa maravilhosa, na qual nós iríamos nos divertir, mas sabia que poderíamos ser ignorados ou sermos motivos de piada pra todos, como sempre. Mas preferi não pensar mais nisso.
— Descobri que Martin é solteiro. — Petterson disse, me encarando.
— Esse gato está solteiro? — Mag pareceu se alegrar.
Não tinha nada a dizer sobre Martin. Ele era gato, forte e sedutor. Mas nunca teria uma chance com ele, não que eu quisesse, mas ele era descolado demais para me enxergar.
Por volta das 19:00 eles foram embora, a hora que meu pai chegava do trabalho. Mas ele ainda não havia chegado, e nem minha mãe com Patrick.
Aproveitei que estava sozinha para deitar no sofá da sala e pensar um pouco sobre tudo o que rolou no dia. Eu quase nunca ficava na sala, pois sempre tinha alguém, na maioria das vezes minha mãe ou Patrick, meu pai quando estava em casa, gostava de sentar na bancada da cozinha e ouvir seu rádio. Sempre preferi estar no quarto, meu refúgio, pois sabia que estaria sozinha, mas como não tinha ninguém na sala e nem em casa, o que era raríssimo, sentei no sofá e coloquei no canal de notícias local, mas não estava prestando atenção. 
Meu telefone tocou, pensei que fosse minha mãe ou meu pai. Mas era um número desconhecido.
— Alô.
— Allysson?
Aquela voz, já tinha escutado antes. Doce e sedutora ao mesmo tempo. Já tinha reconhecido quem era. Mas decidi fingir que não.
— Sim. Quem é ?
— Martin, seu mais novo colega de classe.
Minha garganta fechou, não consegui responder. Fiquei em silêncio.
— Você está aí?
— Como conseguiu meu número?
— Não sei se sabe, mas sou filho da diretora Lucia. Então tenho acesso fácil aos arquivos dos alunos.
Tinha esquecido desse detalhe. Por que o cara estava me ligando? Será que era pra me desconvidar da sua social? Milhões de pensamentos vieram a me atordoar.
— Desculpa ser tão invasivo assim, mas eu queria saber se você vai na minha festa quarta.
Minha voz embargou. — Irei, mas não pretendo demorar.
— Que bom que vai, fico feliz. Seus amigos também vão ?
— Sim. Petterson e Mag sempre estão comigo, e só vou por causa deles.
— Então você não quer ir ?
Não sabia o que responder. Ele realmente estava a fim de me deixar sem palavras.
— Não é isso. É que eu não gosto de festas, prefiro ficar mais reservada. Não me entenda mal.
— Tudo bem, eu entendo. Já fui assim.
Não sabia o que responder. Não tinha mais o que falar, mas também não queria desligar a ligação.
— Obrigada. — disse, apenas para não ficar muda mais uma vez.
— Pelo quê?
— Sei lá. — Sorri em silêncio, mas pareceu que ele tinha percebido.
— Olha, sei que você é uma menina reservada. Mas gostaria muito que fôssemos amigos.
— A gente pode tentar. Preciso desligar, tchau.
Não, eu não precisava desligar. Eu podeira continuar a conversa, mas não consegui. Simplesmente travei.
Por que o filho lindo e descolado da diretora queria ser amigo de uma nerd estranha que ninguém notava? Eu não sabia lidar com aquilo, e então fiz o que sempre fazia, fugi.
Me senti uma idiota, eu sempre fazia aquilo. Estava sempre afastando as pessoas que tentavam se aproximar, era automático, como se fosse uma forma de defesa. Sabia que um dia eu teria que parar de me esconder do mundo e encarar as coisas com mais maturidade, mas ainda não conseguia. Na minha cabeça, todas as pessoas que se aproximavam queriam, de alguma forma, me usar e me ferir, assim como Bernardo fez. Esse pensamento de generalizar tudo era ridículo, eu sabia, mas era mais forte que eu, uma espécie de armadura.
Queria conversar com alguém, mas não tinha coragem de ligar para Mag e nem Petterson, pois sabia o que iriam dizer.
Já eram quase dez da noite quando meus pais chegaram, juntos.  Patrick estava dormindo no colo do meu pai, minha mãe estava com uma cara de cansaço.
— Onde estavam?
— Longa história, querida.
Meu pai passou pela sala com Patrick no colo e o levou para o quarto. Minha mãe sentou ao meu lado e me olhou como uma ternura, que me deixou ainda mais intrigada.
— Mãe, está tudo bem ?
— Sim, amor.
— E onde vocês estavam?
— Eu tive uma tontura no parque, liguei para seu pai e fomos ao hospital.
— A senhora está com alguma coisa?
Meu peito doeu, não suportaria ver minha mãe doente de novo.
— Fiz alguns exames e não constou nada. O médico disse que pode ser o calor. Está tudo bem, querida. Não se preocupe.
Ela acariciou meu rosto, me deu um beijo na testa e subiu para o quarto.
Ainda fiquei sentada ali por alguns minutos. Mas depois também fui para o quarto.
Meu pai bateu na porta e entrou. Eu estava deitada vendo o show de uma banda pop que nem sabia o nome. Ele se sentou ao meu lado na cama, parecia preocupado.
— Querida, queria lhe falar algo.
— O que?
— Eu e sua mãe estávamos pensando em viajar pra nossa casa de praia nesse final de semana. Queremos fazer um programa em família, o que acha? Vão ser apenas quatro dias. Iremos na sexta a noite e voltaremos na terça à tarde.
— Obrigada, pai. Mas não quero ir.
— Minha filha, não queremos deixá-la sozinha.
— Não tem problema, eu já tenho 17 anos, pai. — Ele riu.
— Eu sei, confio em você. Mas não é justo deixarmos você em casa.
— Eu fico na casa de Mag.
Ele relutou um pouco, mas concordou. Eu não tinha a menor vontade de viajar para nossa casa de praia.
— Tudo bem, vou ligar para os pais dela.
Meu pais quase nunca viajavam para nossa casa de praia, meu pai às vezes tinha viagens à trabalho, mas minha mãe ficava em casa. Eles nunca me deixavam sozinhos. Não eram aqueles tipos de pais chatos e controladores. Mas depois do acontecido com Bernado, minha mãe percebeu que fiquei um pouco depressiva, e desde então fazia o possível para evitar me deixar sozinha.
O dia amanheceu rápido. Levantei, me arrumei, tomei café e fui para a escola. O dia estava muito quente, então tive que abandonar meu moletom e usar uma blusa mais fresca, o que pra mim era um saco.
Quando cheguei, Magda e Petterson já estavam na sala de aula. E para o meu nervosismo, Martin também. Tentei passar por ele e fingir que não o vi, mas ele me alcançou e segurou minha mão por trás. Sem perceber, eu empurrei seu braço pra longe de mim. Todos me olharam.
—  Perdão, não queria assustá-la.
— Tudo bem. Licença, vou para o meu lugar.
E pra variar, fugi de novo. Afundei na carteira, queria cavar um buraco no chão e me esconder. Mag e Petterson me encararam, admirados com minha reação.
— O que foi isso?
— Eu não sei, Mag. Foi sem querer.
— Relaxa, está tudo bem. — Petterson como sempre, tentando me acalmar.
A aula toda tive a sensação que Martin estava me encarando, mas não tinha coragem de olhar para ele. Isso estava me incomodando.
A diretora Lúcia bateu na porta e pediu permissão ao professor César para falar com a turma. Deu o recado de que não haveria aula quarta e nem quinta para o terceiro ano, pois as salas seriam usadas para a entrega de cestas básicas para as famílias carentes do bairro, ela suplicou para não faltarmos na sexta, porque teria aula normal. Aproveitou também pra dizer que mesmo Martin sendo seu filho, ele seria tratado como qualquer aluno da rede escolar.
No final da aula ele veio falar com a gente.
— Vocês vão amanhã mesmo, né? — A perguntava era pra todos, mas ele insistia em me encarar.
— Claro. — Mag respondeu sorridente.
— Que bom. Será um prazer receber vocês.
— Obrigado. — Petterson agradeceu.
Por um tempo todos ficaram em silêncio, aproveitei para pegar meu material e ir em direção a porta. Estava nervosa, minhas mãos suavam. Eu não me sentia assim tinha muito tempo, desde que conheci Bernado. E eu não estava gostando nada do rumo que as coisas estavam tomando.
— Ally, espera. Será que podíamos conversar um instante?
Antes que eu respondesse, Petterson empurrou Mag em direção à porta e os dois saíram, já não tinha mais ninguém, só nós dois. O que me deixou mais apavorada.
— Diga.
Ele deu um passo pra perto de mim, eu dei dois pra trás. Ele achou graça e riu.
— O que disse ontem é verdade, quero ser seu amigo.
— Acho melhor não. Não sou boa em fazer amizades.
Ele ficou quieto por alguns instantes, o que aumentou mais meu desespero.
— Quem foi o cara?
— Quê? Como assim? Que cara?
— Que te magoou. — Ele me encarou como se lesse meus pensamentos. — Tá na cara que age assim porque um dia algum rapaz já te fez mal.
— Ninguém me fez mal, você é louco.
Fui em direção a porta, aquela conversa não acabaria bem. Ele esticou a mão e me segurou pela cintura, sem sair do lugar. Minhas pernas estremesseram, meu corpo amoleceu ao seu toque.
— Por favor, me larga. Preciso ir embora.
— Allysson, não foge. Só quero conversar.
Ele continuou com as mãos na minha cintura.
— Eu preciso ir, senão vou perder o ônibus.
Ele foi me largando aos poucos, e enfim me soltou.
— Tudo bem, mas ainda não terminamos nossa conversa.
— Ela já está encerrada.
— Hoje.
— Hoje o quê?
— Vou te ligar.
Ia protestar, mas vi nos seus olhos que ele iria fazer aquilo, independente do que eu dissesse.
Do lado de fora Mag e Petterson me esperavam, o ônibus não havia chegado.
— Tudo bem? — Petterson já sabia pela minha cara que não, mas mesmo assim perguntou.
— Tudo.
— O que ele disse?
— Nada demais, Mag.
— Até parece. Tudo que aquele cara fala é demais.
Virei os olhos e mostrei o dedo do meio, ela gargalhou, Petterson também. Não consegui me manter séria, e também caí na gargalhada. Só tinha momentos assim com eles, só conseguia rir dessa forma quando eles estavam perto. Tinham o dom de me acalmar, mesmo não percebendo.
Já em casa, vi minha mãe sentada na varanda lendo sua revista, para o meu alívio, ela estava com seu rosto alegre e sereno de sempre. Eu a amava muito, queria conseguir demonstrar mais, mas era bem difícil pra mim.
— Oi, meu amor.
— Oi, mãe.
— O almoço já está pronto. Estava só esperando você chegar.
— Papai não vem almoçar em casa?
— Hoje está sendo um dia muito corrido pra ele. Como vamos viajar no final de semana, ele precisa adiantar alguns casos.
— Ah, sim. Entendo.
— Por falar nisso... Filha, por que não quer viajar com a gente? É uma oportunidade pra nos divertimos em família. Você não quer?
Encarei-a por alguns segundos e sentei na cadeira ao lado dela, sabia que teria que ser bem delicada com as palavras.
— Não é isso, mãe. É que eu não me sentirei à vontade e vou acabar sendo um saco pra vocês.
— Você nunca será um saco, nós te amamos. Patrick quer muito que você vá, falou nisso a manhã toda.
— Desculpa desapontar vocês, mas não vou. Uma próxima, quem sabe?
Ela ficou um pouco decepcionada, mas não insistiu mais. Fiquei mal por isso, mas não queria estragar a viagem deles. Eu acharia tudo muito chato, minha pele não gostava muito da água salgada. Não iria querer fazer nada. Só de imaginar os programas em família, me sentia desconfortável. Amava minha família, mas não conseguia me sentir tão bem quando estávamos todos juntos, sabia que o problema era eu, pois meus pais eram felizes, amorosos e comunicativos, Patrick também ia pelo mesmo caminho. Já eu, era uma menina quieta, desconfiada e vazia.
Passei pela sala e Patrick estava vendo desenho, seus olhinhos brilharam quando me viu.
— Você vai viajar com a gente, não vai ?
— Dessa vez não, pestinha. Mas prometo que na próxima eu vou. Tudo bem ?
— Queria que fosse. Papai disse que lá tem praia. Você me disse que um dia ia me ensinar a fazer castelinho de areia. — Ele disse com uma voz tão triste, partiu meu coração.
Era a primeira vez que ele iria na casa de praia.
— Eu sei, não esqueci. Temos muito tempo pra isso. Prometo que um dia vamos sair só nós dois, pode escolher o lugar.
— Oba! Ta bom.
Troquei de roupa e me sentei à mesa com meu irmão e minha mãe, o almoço estava maravilhoso, costelas com batata. Minha mãe cozinhava como ninguém, tudo que fazia era gostoso.
Depois do almoço fui para o quarto. Estava deitada quando me lembrei que Martin iria me ligar, a paz que eu estava sentindo rapidamente saiu e deu lugar à ansiedade e o nervosismo. Em cinco em cinco minutos olhava o celular, mas não havia nenhuma ligação.
Quando estava cochilando, o telefone vibrou, me despertando no susto. Era Martin, não sei se ficava feliz ou nervosa.
— Oi.
— Oi, fujona.
— Não fugi. Precisava ir embora. — Respondi com sarcasmo.
— Onde você mora?
— Quê?
— Eu vou aí. Gosto de conversar olhando no olho. — Era tudo que eu não conseguia fazer quando estava perto dele.
— Então deixa pra amanhã.
— Não temos aula.
— Mas tem a sua social.
— Sei. Você sempre evita os caras?
— Eu não evito ninguém.
— Você está me evitando nesse momento.
— Não. Eu mal te conheço, como vou te dar meu endereço? Vai que você é um psicopata.
— Posso provar que não sou.
— Como?
— Se eu quisesse, conseguiria saber seu endereço olhando seu arquivo na escola. Mas não, preferi perguntar.
— Isso não é mérito, é o certo.
— Sim. Mas um psicopata não perguntaria.
— Me convenceu, mas não precisa vir aqui.
— Então como podemos conversar?
— Por telefone já está ótimo.
— Tá legal. Me fala sobre você.
— Falar o que?
— Sei lá, o que você gosta de fazer. To tentando ser seu amigo. Colabora, Allysson. — A suavidade daquela voz acabava comigo.
Eu não sabia o que falar sobre mim. Só queria ouvir aquela voz e fingir que não me afetava. Mas parecia que ele sabia onde era meu ponto fraco.
— Não tenho muito o que falar.
— Tudo bem, então me ouça.
Ficamos conversando um bom tempo, ou melhor, ouvi ele falando. Eu quase não dizia nada, mas não ligava, o que eu queria era ouvir sua voz, apenas isso. Não estava disposta a me apaixonar de novo e nem algo do tipo, mas Martin veio pra desafiar todos os meus medos.
Me veio à cabeça algo, ainda não tinha pedido permissão aos meus pais para sair na noite de quarta. A certeza que eu tinha é que eles ficariam surpresos, pois quase nunca eu saía.
Decidi esperar papai chegar, pois seria mais fácil e rápido pedir para os dois juntos.
Ele chegou por volta das 19:00, o que era o seu horário normal de todos os dias. Parecia bem cansado, ele trabalhava em diversos casos ao mesmo tempo, isso sobrecarregava qualquer pessoa, ainda mais que naquela semana ele estava adiantando alguns trabalhos por conta da viagem.
Sempre quando ele chegava, vinha até o quarto, me dava um beijo e perguntava sobre meu dia. Ele fazia isso com Patrick também. Meu pai sempre foi um exemplo, mesmo trabalhando tanto, nunca deixou de exercer com mérito seu papel de bom pai e marido, não tínhamos o que reclamar dele.
Decidi pedir a permissão para sair na hora do jantar. Estava nervosa, não sabia como iriam reagir.
Estávamos todos sentados à mesa, jantando.
— Mãe, pai. Queria pedir algo.
— Diga, minha filha. — Meu pai disse.
— É que... Entrou um cara novo na classe e ele vai fazer uma social, chamou todos da turma. Queria saber se eu poderia ir.
— Que dia? — Minha mãe perguntou.
— Amanhã, às 20:00. Ele é filho da diretora Lúcia. Magda e Petterson vão comigo, o motorista dele vai nos levar e buscar.
— Por mim tudo bem, não vejo problemas. — A resposta do meu pai me deixou supresa.
— Também não vejo. Acho que vai ser até bom pra você, Allysson. — Minha mãe completou.
Eu não acreditei. Sabia que eles não iriam me impedir de ir, mas esperei mais perguntas, horário pra voltar...
Acho que eles esperavam esse pedido por muito tempo, por isso deixaram sem fazer muito questionamento.
Antes de dormir, dei uma checada nas minhas mensagens, tinha uma de Mag dizendo que já tinha escolhido sua roupa, o que me fez pensar que eu não tinha roupa para usar nessa ocasião. Revirei meu armário em busca de algo que seria legal vestir numa social, mas não achei. Não me desesperei, no outro dia daria um jeito.

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