Capítulo 16

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Liguei para Martin e exigi que ele fosse à minha casa imediatamente.
- Estou saindo da casa de Kevin agora. Que voz é essa, Ally? O que está acontecendo? - Desliguei sem responder.
Meu pai estava prestes a chegar, já eram 19:00, mas era óbvio que minha tinha ido ligar para ele e contar que eu descobrira.

Fui ao banheiro lavar o rosto e tentar me acalmar. Minha cabeça estava explodindo e minha visão escura.
Molhei o rosto e me olhei no espelho que estava pendurando na parede em cima da pia. De uma forma tão rápida e dolorosa, todas as minhas certezas viraram dúvidas. Fiquei surpresa e tocada com história que minha mãe me contara, mas ao mesmo tempo, um ódio tão grande me consumia. Como poderiam guardar toda aquela história sem me contar? Tudo se tratava sobre mim e eu era a úncia que não poderia saber.
Tudo bem, papai me criou, nunca desconfiara que não era sua filha, pois ele me deu todo o amor possível, mas imaginar que fui gerada de uma forma tão podre, tão cruel, abalou tudo o que eu sentia e pensava.
Ainda colocaram Martin nessa história, fazendo meu próprio namorado mentir pra mim e agir às minhas costas. Então pude entender por que Martin tomou raiva de Mag depois que ela começou a dizer que sabia algo sobre minha mãe. Ele evitava de todas as formas que ela se aproximasse de mim. Eu imaginava que ele não quisesse que ela me machucasse ainda mais, mas não, ele só não queria que eu descobrisse tudo.
"Você não vai chorar mais", disse a mim mesma no espelho. Respirei fundo e saí do banheiro. Minha mãe estava no corredor andando de um lado para o outro. Não olhei para ela. Entrei para o quarto e esperei que meu pai e Martin chegasse.

Quando mais eu tentava afastar aqueles pensamentos de mim, mais eles vinham de forma conturbada. As lágrimas queriam vir junto, mas eu segurei-as. Demonstrar fraqueza naquele momento podia fazer com que eles sentissem vontade de me esconder mais coisas.

Escutei meu pai guardando o carro na garagem. Olhei da sacada do meu quarto e vi que Martin também havia chegado. Acho que combinaram para chegarem juntos.
Fui até a sala. Martin me encarou, mas não disse nada. Provavelmente já sabia que eu tinha descoberto. Papai estava com uma cara inconsolável, imaginei que tivesse chorado bastante quando minha mãe ligou.
- Minha filha. - Ele veio até a mim com os olhos cheios de lagrimas. - Se quiser, pode não nos perdoar. Mas por favor, nunca duvide do meu amor por você. Você é minha filha, sempre vai ser. Não importa o que aconteça. - Sua voz falhou.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Mas me fiz de forte e não chorei. Tentei ignorar o que disse. Passei por trás dele e sentei no sofá.
- Pode terminar, mãe. - Eu disse da forma mais fria que consegui.
- E-eu não lembro de onde parei. - Ela ainda estava tremendo. - Talvez seja melhor deixar para um outro dia. Quando todos estiverem mais calmos.
- Não. - Foi quase um grito. Disfarcei. - Eu estou bem calma. Não vão me enrolar mais.
Meus pais sentaram no outro sofá e Martin continuou de pé. Ele estava sério, impassivo... Não esboçava nenhum tipo de reação.
- Você parou quando disse que contou tudo a Martin. - Eu disse.
Martin continuou com impassividade no olhar. Minha mãe olhou pro meu pai um tempo. Ele balançou a cabeça, encorajando a dizer. Ela respirou fundo.
- No dia da festa na casa de Martin, vi quando ele parou o carro e te deu um beijo apaixonado, percebi que ele queria lhe fazer bem, então o procurei. Ele concordou em cuidar de você. Até ficou te vigiando na noite em que fomos viajar e você dormiu sozinha.
Mais uma surpresa. Naquela época, Martin disse que passou e viu meus pais guardando as malas no carro e decidiu ficar lá em baixo para me proteger. Com certeza meus pais ligaram pra ele contando que eu dormiria sozinha, por isso ele tinha ido para lá.
Martin me encarava, mas não dizia nada.
- E esses homens? Ainda fazem ameaças? Por que não vamos à polícia.
Eram tantas perguntas que eu queria fazer.
Meus pais se olharam.
- Deixa que eu falo. - Martin finalmente se pronunciou.
Ele me encarou.
- Numa noite fui até o escritório de seu pai. Costumava ir lá todos os dias para me assegurar de que estava tudo bem. - Ele estreitou os olhos. - Eu encontrei seu pai em uma briga feia com Fernando. Ele estava com uma faca e tentava atingir Paulo. Eu consegui o tirar de cima dele e o empurrei pelas costas na parede.
Ele passou a língua nos lábios e abaixou a cabeça.
- Quando vimos, a faca estava pendurada no seu abdômen e ele caiu aos poucos na nossa frente. Quando o empurrei, ele foi contra a parede e a faca que estava em sua mão o atingiu. - Ele me olhou. - Eu o matei, Ally. Eu o matei.
"Na-não", eu sussurrei, atormentada.
Coloquei as mãos na cabeça, não sabia o que dizer. Martin matou aquele homem, por mais que tivesse sido sem querer. Foi para defender meu pai.
- Filha, ele não teve culpa. Só quis o tirar de cima de mim. Eu falei que não daria mais dinheiro a ele e ele surtou. Se Martin não tivesse chegado lá, eu não sei se estaria aqui.
Estava tudo rodando. Meu mundo desabando. Aquilo tudo era pesado demais pra mim, todas aquelas informações estavam me destruindo.
Então fora por isso que Martin disse que havia matado um homem, eu tinha entendido tudo errado.
Até que ponto eles chegaram para me proteger?
- Meu bem. - Martin ajoelhou na minha frente e alisou meu rosto. - Eu faria e faço qualquer coisa pra te proteger. Mesmo você não entendendo.
As lágrimas brotaram, mas consegui evitá-las e me desvencilhei do seu toque.
- Isso foi antes da noite na pizzaria? Em que vi meu pai discutindo com o estuprador da minha mãe? - Enxuguei as lágrimas e tentei me recompor.
- Foi. - Meu pai disse. - A primeira vez que me encontrei com ele, foi naquela noite. Ele me confrontou na saída do escritório, queria saber o que tinha acontecido com seu pai, pois ele havia sumido. Entrei no carro, tentei despistá-lo, mas ele continuava a me perseguir, então decidi descer do carro e enfrentar. Assumi toda a culpa, disse que foi eu quem o matou. Ele ficou furioso e me arrastou para a frente da pizzaria, num beco escuro, onde você me viu. Ele me ameaçou. - Ele chorou. - Disse que tiraria minha família de mim. Eu fiquei desesperado. Perguntei se ele queria dinheiro.
- Por quê? - Eu me lavantei atordoada. - Vocês podiam ter acabado com isso bem antes, era só ir até a polícia.
- Minha filha, não é tão simples como pensa. - Minha mãe disse. - Eu tentei convencer seu pai a lhe contar, mas não era fácil. Brigamos algumas vezes, porque eu queria que soubesse, mas seu pai me mostrava o quanto era perigoso.
Sacudi a cabeça. Eu queria acordar daquele pesadelo.
- E ele quis o dinheiro? É óbvio, né. Porque eu vi fotos da minha mãe entregando um bolo de dinheiro a esse homem nojento.
- Ele só queria receber se fosse das minhas mãos. - Uma lágrima brotou em seus olhos. - Quando o vi, tudo que eu tinha vivido voltou como flecha. A sensação de olhar pro homem que me estuprara, depois de tanto tempo, foi horrível. — Ela limpou as lágrimas. — Uma outra vez ele queria que fôssemos eu e seu pai juntos. Disse a você que levaria Patrick no pediatra com seu pai, mas estávamos indo o encontrar. Pensamos que seria a última vez.
- Ele disse que depois que recebesse o dinheiro, ele sumiria. Mas não foi isso que aconteceu. — Papai disse. — Ele ainda está aqui, e de vez em quando aparece no meu escritório pedindo dinheiro.
Por isso que papai estava trabalhando tanto, precisava ter dinheiro para dar a esse sujeito desprezível.
- É por isso que passaram a me controlar mais?
- Querida, mesmo com tudo acontecendo, não queríamos te impedir de sair com seus amigos, mas teve uma hora que ficou mais complicado. Ele passou a pedir valores altos, e quando não tínhamos, ele ameaçava ir até você. - Minha mãe disse.
- E por que domingo me mandou ir embora aos gritos?
Ela sacudiu a cabeça.
- Ele tinha ligado para o seu pai, fez ele sair de casa para sacar dois mil reais para ele, mas seu pai só tinha mil. À noite ele ligou novamente dizendo que estava indo atrás de você. Eu te liguei desesperada e seu pai foi atrás dele.
- Ele tinha mentido. Fez aquilo só pra nos apavorar. - Meu pai disse.
- Ele me seguiu no dia do meu aniversário.
- Martin nos contou. - Minha mãe disse. - Ficamos desesperados, depois desse dia nossa preocupação com você aumentou ainda mais.
- Mas ele nunca tentou se aproximar, fazer algo... Ele poderia me ameaçar também.
- Não. - Martin disse. - Ele sabe que se chegar perto de você, seus pais não lhe darão mais dinheiro.
Tudo fazia sentido. As trocas de olhares entre meu pai e Martin, era por isso. Eu achando que Martin tinha matado um homem por causa da sua antiga namorada, foi por mim, pela minha família. Ele não precisava se enfiar naquela história perigosa e conturbada, mas ainda sim, se arriscou.
- Querida, agora que sabe de tudo...
- Vocês vão fazer as coisas do meu jeito. - Interrompi minha mãe.
- Nós vamos à delegacia e contar toda essa história.
- Ally, não podemos. Eu matei um homem. - Martin disse. - E ainda estou omitindo a parte que ele pode matar todos nós.
- Não se ele for preso. E você matou esse monstro do Fernando sem querer, a sua intenção era tirar ele de cima do meu pai.
- Tá. E como explico o corpo que enterramos?
- Mas que droga. - Explodi. - Tudo que vocês tinham que fazer era me contar a verdade. Vocês não podem simplesmente fazer tudo isso para me proteger sem ao menos me dizer. E agora, olha no que fomos presos.
- Ally, se acalme. - Martin chegou mais perto. - Eu acho melhor você descansar. Foram muitas informações pra você absorver. Sei que está esgotada.
- Não. - Me afastei dele. - Você não sabe de nada.
- Filha, prometo que darei um jeito nessa história. Ele não vai te machucar. - Papai disse
- E vai fazer o quê? Matá-lo?
- Se for preciso, sim. - Minha mãe tomou a frente.
- Por que guardara todas aquelas matérias do baú, mãe?
Ela me olhou firme.
- E-eu não sei. Eu comecei a juntar e não consegui me desfazer. Seu pai até tentou jogar fora, mas eu não deixava.

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