3. 'Betina, cara de Botina'

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O lugar era abafado. A cadeira em motivos geométricos em verde e marrom, desconfortável. Observei o homem calvo estalar os dedos, e inspirar lentamente, como se a rinite estivesse atacada pelo mofo daquele lugar, antes de concluir:

- Se aconchegue, guria! – o delegado juntou as mãos, apoiando o queixo sobre elas, e lançou a mim um olhar ameaçador. – Cê num quer contar mais nada?

- Não. Nada! Já disse tudo o que sei. – respondi secamente, sentindo minha língua prender no céu da boca. Estávamos no gabinete do delegado em pleno sábado à noite. Ele poderia pelo menos ter escondido o tabuleiro do Banco Imobiliário, que estava numa mesa menor atrás de si.

- Hm! – ele exclama, satisfeito.

Professora Martha estava conosco no gabinete, e parecia prestes a explodir de tanta raiva. Seu rosto vermelho rubro ressaltava as veias que quase saltitavam por sua pele.

- Todas as provas indicam que ELA é a culpada. - Martha falou ferozmente, apontando o dedo indicador na minha direção.

- Ei! - exclamei, alterando meu tom de voz. - Que provas são essas, hein?! Quero argumentos!

- Todas. – ela respondeu, bufando pelas narinas. – Não acha muita coincidência você ser a primeira a encontrar o corpo de uma garota com seu nome gravado no pulso dela e...

- Talvez eu não tenha sido a primeira. - defendi, tentando pensar racionalmente. - Outras garotas podem ter visto só não falaram, ou...

- COMO se aquele banheiro estava interditado? – ela rebateu, aumentando cada vez mais o tom, e novamente, interrompendo o que eu ia dizer.

- Interditado? Como assim? - questionei, tentando recordar de alguma faixa que impedisse a entrada, mas não me lembrei de nenhuma.

- Ora, vai me dizer que não reparou que não tinha ninguém no banheiro quando entrou? - ela retornou, desta vez seu tom de voz estava tão elevado que ela se encontrava gritando. O delegado tentou fazer algo para acalmá-la, mas ele era um tremendo pamonha.

- Bem, mas por que estava interditado?! – retomei o assunto, tentando entender.

- Mau funcionamento das descargas... Não queira mudar de assunto. - ela bradou, balançando freneticamente seu dedo para mim. – E essa não é a única evidência. A garota encontrada é Betina Calegari!

Meus lábios se entreabriram. Arregalei os olhos, sendo pega de surpresa com um baque daqueles. 

"A garota encontrada é Betina."

Até morta a biscate estava atormentando minha vida.

Vou explicar para você o quão ruim aquilo era, e o porquê de ser ela a falecida, piorava a situação: nós nos odiávamos. Ponto!

Não fui clara o suficiente? Tudo bem. Queira me desculpar!

Sempre tivemos desavenças, afinal, nunca gostamos de todo mundo que aparece em nossas vidas, e comigo, não foi diferente. Embora ela nunca tivesse feito questão de conversar comigo, sentia tamanho incômodo com minha presença, que, claro, fazia certas coisas para me irritar.

Como aquelas líderes de torcida de filmes norte-americanos, quando infernizavam alguma tímida indefesa.

Pois bem! Passei a odiá-la quando a dita cuja jogou ketchup na minha calça jeans branca, para aparentar que eu estava "naqueles dias". O que não fazia o menor sentido, diga-se de passagem, mas o que é que se faz no ensino fundamental?

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