27. "Meninas de Seda"

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Realmente comecei a cair. Meu corpo foi lançado de um lado para o outro, quase vomitei. Girava, como se naquele lugar não existisse gravidade. Por um breve momento, pensei que não conseguiria mais parar, até cair de boca em uma grande esfera. Não era exatamente circular, mas várias crateras a circundavam.

Eu estava no centro. Caí dentro de um buraco, mas ao redor, pude ver o que parecia algo enorme e circular. O chão era branco, com alguns ladrilhados em preto, meio soltos.

Saí da abertura onde eu estava, e pisei em alguns ladrilhados pretos que cediam passagem para meus pés não afundarem. A cada ladrilhado que eu tocava, a esfera toda se movia, levando-a lentamente para outro canto. Consegui me levantar, ajoelhando sobre o espaçamento preto. A esfera não parava de se mexer, e até parecia uma bola sendo chutada. Agarrei-me à superfície quando ela deu uma volta completa. Eu ia cair.

Você tem asas, você tem asas. Meu diabinho interior cantarolava em minha mente. Como se eu estivesse com qualquer energia para suportar aquelas asas nesse momento. Levantei, me concentrando para não me desequilibrar de novo. Agora a esfera já estava do outro lado, e pude perceber mais claramente que havia várias mulheres – se é que fossem mulheres de verdade – com vestidos a lhe cobrirem os pés, e volumosos, com a última camada em seda vermelha. Uma máscara lhes cobria a face, e seus chapéus lhes cobria a cabeleira.

Se eu estivesse certa, ali eu enfrentaria o desafio de ar. Óbvio, sou uma fée, e sendo meus poderes baseados nos quatro elementos, a armadilha de Callum seria relacionada a isso. Primeiramente eu estivera em terra com aqueles galhos malucos. Depois, caí na água com aqueles animais que nunca pensei que pudessem ser tão intimidadores. Longe de mim não pareciam mesmo. E então, o portal se abrira para o fogo e algumas estacas em chamas.

Para terminar meu teste de resistência, Gustav Callum foi bem engenhoso e esperto.

As mulheres ficavam estáticas, mas assim que eu me movimentava, elas começavam a dançarem em sincronia.

Isso vai ficar sinistro! Pensei, respirando fundo e arquitetando meu próximo passo. Concentrei minhas forças e poderes em tentar libertar minhas asas. Consegui, e por uns instantes, até que levantei vôo, mas estava fraca. Caí em um ladrilhado preto, rolando metade do globo.

As mulheres-fées eram reproduções muito bem feitas de Meninas de Seda. Conforme meus pés tocavam a parte preta, elas giravam seus braços. Um, acima da cabeça e o outro, rente ao estômago, em pose de bailarina. Rodopiavam, sem saírem do lugar, numa belíssima dança em sincronia.

O globo continuava a circular, até quase colidir com a parede da frente. Nela, havia várias fées do mesmo tipo, mas não de corpo inteiro. Eram apenas bustos idênticos aos outros. A parede se abriu, e lá de dentro, outra criatura surgia ainda mais magnífica que as demais. Seu vestido era rosa claro, acobertando lhe inteiramente os pés. Uma chama efervescente emergia de sua cabeça: suas madeixas eram ruivas.

A brasa do fogo do desafio anterior me permeou as entranhas, só de imaginar que poderia ser Naomi. A criatura tornava-se mais nítida diante de meus olhos. Passei os dedos indicadores por minhas pálpebras, mal acreditando na imagem que minha visão contemplava. Sua pele pálida e sardas estrategicamente espalhadas pela face. Olhos enormemente brilhantes, e surpreendentemente azuis, que traziam uma grande tristeza. Era uma réplica – embora com aparentemente três metros de altura -, de Victoria Dolman. Minha mãe!

Parei, tentando me manter imóvel, mas involuntariamente desequilibrei e acabei pisando em outro ladrilhado preto, o que fez as meninas de seda plastificadas rodopiarem cada vez mais, e a parede à minha frente se abrir completamente. Victoria estava de braços esticados. De cada canto de seu braço uma corda de aço saía, com um gancho fincado. Estava imóvel, apenas a me encarar com seu doce par de olhos que ficavam variando do azul para o verde, do verde para o azul, e assim sucessivamente. Seu olhar fixou em mim, como em um pedido silencioso de socorro.

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