26. O crepitar do fogo

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Agarrei-me firmemente à parede. Alguns pisos haviam caído, então tive que controlar minha respiração e pressão – a qual provavelmente havia abaixado – e tentar não olhar para aquela chama.

Cheguei à outra extremidade da parede sã e salva, mas não pude suspirar de alívio, pois uma lâmina enorme passou perto de mim o suficiente para que ela cortasse a parte inferior de minha capa, que caia por minha costa.

Essa eu senti na 'bunda', literalmente.

Já fazia algum tempo que a lâmina entrara em um orifício quadrangular embutido na parede, e quando cogitei avançar um passo, ela saiu novamente. Essa foi por pouco. Exclamei exaltada. O piso à minha frente era um daqueles soltos, então tive que saltar ao seguinte, e logo mais, voltei para o canto à esquerda.

Uma gárgula de fogo posta ao lado direito lançava chamas em minha direção. Passei correndo, mas outra lança vinha a meu encontro.

Parei abruptamente, e assim que ela voltara para o outro lado, notei a ruína à minha volta. Atrás de mim, o piso continuava intacto, mas em cada lado e na frente, um piso estava solto. Involuntariamente, olhei para baixo e me deparei com aquele rio de chamas que parecia prestes a me devorar por inteiro.

- Natalie! Você tem que pular! – disse a mim mesma, tentando não desmaiar. Para de ser mole, garota. Você não passou por tudo isso pra morrer nadando na areia. Controlei-me para não começar a debater comigo mesma.

Se eu voltasse para trás e tentasse seguir outro caminho, a gárgula de fogo me pegaria. Caso continuasse ali, morreria. Se tentasse pular e a lâmina me pegasse, morreria também. Caso eu pulasse e caísse, adivinhem só? Eu morreria.

As opções de finais estavam bem abrangentes, eu poderia sem sombra de dúvidas escolher qual o final mais infeliz que gostaria para a história da minha vida, mas escolhi ficar viva, muito bem, obrigada. É mais digno arriscar, a morrer no meio do caminho.

Sem pensar duas vezes, dei um pulo pra frente.

Caí em cima do piso. Uma lâmina vinha em minha direção. Eu não conseguiria levantar e correr a tempo.

Abaixei minha cabeça e elevei o braço direito, intensificando o poder que ainda queimava nas arestas de meus dedos.

Mantive a posição por 10 segundos, até que meu braço ficasse dormente. Abri meus olhos vagarosamente. A lâmina findou-se a poucos centímetros de minha mão. Se eu esticasse os dedos, poderia senti-la.

Você tem poderes de ar, sua anta! Aquela voz gritava em minha mente, pretendia me concentrar em manter a lâmina estática.

Levantei forcejando não ficar muito nervosa. Dei meia-volta no piso em que estava, e, de costas para a saída, andei, mantendo minha concentração na lâmina. Pisei em outro, mas algo que eu não esperava aconteceu. Ele estava solto. Tentei me segurar, mas não havia nada o qual eu pudesse me agarrar. Eu estava caindo, e aquele rio flamejante incendiava à minha frente. Minhas costas estavam doendo de uma forma lancinante e horrenda.

Estava quase chegando ao fundo. Previa minhas costas se abrirem e a dor se aprofundou mais. As pontas dos meus cabelos, que haviam se soltado, ficaram a centímetros da lava, mas eu havia parado.

Em um movimento súbito, comecei a ir para cima. Estava silencioso lá embaixo, tudo o que eu ouvia era um leve bater de asas.

Mas é claro... Santas asas! Vieram em boa hora.

Passei pelo orifício de onde um piso havia caído, e avistei um lenço de seda. Dessa vez, a coloração era roxa. O apanhei rapidamente entre meus dedos, correndo para a outra extremidade do cômodo, me jogando contra a parede tentando evitar que a gárgula de fogo me pegasse. Senti a brasa passando a poucos centímetros de mim. Encolhi a barriga, prendendo a respiração, não poderia me mexer nem um pouco.

O fogo da gárgula se retraiu, e saí pela porta.

Encontrei outro caminho, e novamente estava escuro. Quando o local fora iluminado, algo em meu estômago se remexeu, e perdi a fome no mesmo instante. No meio do cômodo se encontrava uma roda de madeira, com lanças pontiagudas feitos do mesmo material, e como acabamento... Sangue.

Muito sangue estava jorrado pelo lugar.

Apesar da visão nada privilegiada, a roda apresentava algumas marcações. Dizia que a saída se abriria assim que a roda fosse girada.

Nem ferrando que eu toco nisso, eu hein!!

Fechei meus olhos e inspirei o máximo de ar possível, assim como da última vez. Tentei recordar de como havia feito aquele feitiço com as lâminas afiadas, mas aquela lembrança parecia-me muito distante. Mantive as forças de meus pensamentos concentradas ali. Abri lentamente meus olhos, e vi a roda de estacas pontudas se mexendo. Deixei meus braços caírem ao lado como forma de relaxamento e repeti o mesmo ritual que havia feito anteriormente. Fechei meus olhos, respirei lenta e profundamente. Minha rinite estava atacada.

Elevei meu antebraço na altura do peito e inspirei o ar que havia tomado, mas mantive meus olhos fechados, visualizando imagens em minha mente, as mesmas que me vieram anteriormente.

Eu estava apreensiva e minha respiração voltara a ficar ofegante – maldita rinite.

Ele girava lentamente. A roda parecia uma rosca enquanto um cano enorme que estava em seu meio a girava.

Controlei minha respiração, mas a falta de circulação de ar me fez começar a respirar pela boca.

Eu não conseguia olhar para cima para saber o quanto faltava para que ele chegasse ao topo. Já estava me sentindo fraca, quando tive uma ideia. Se eu não conseguir chegar até o fim? Acho que agora já está alto o suficiente para que eu desça.

Sabia que assim que parasse de usar meus poderes, a roda começaria a girar em sentido anti-horário, então tinha que ser rápida.

Preparei-me para pular, e assim que senti que estava pronta abaixei os braços e escorreguei para dentro. A roda girou rapidamente. Ecoou um som estridente sob a minha cabeça.

Não fiz ideia do tempo em que fiquei caindo, apenas sei que nesse momento eu estava me sentindo como a Alice encontrando o País das Maravilhas, só que sem maravilha nenhuma. Caí em um túnel estreito e mal iluminado.

- É, parece que o filho de Callum gosta mesmo de um túnel estreito, viu!

Havia uma porta à frente e embora ela estivesse apenas encostada, um lenço de seda rosa claro estava jogado no chão, bem à frente da porta com os dizeres:

Meninas de Seda

Outro lenço do mesmo tipo. A Mascarada estava inovando nas cores. Amarrei-o em meu pulso, junto aos outros três.

Empurrei a porta, receosa, mas meu coração quase sofrera um ataque cardíaco quando vi o que havia lá dentro, e de um momento para o outro, estava caindo.

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