30. Espectro de Victoria

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Minha mente flutuava tanto quanto meus pés que já não tocavam mais o chão. A escuridão intensificava, mas não o suficiente a encarar o ponto que incendia no topo do dedo indicador da única pessoa que estava ali comigo.

- Mãe! – exclamei com o peito exultando. Sua pele tornava-se mais nítida conforme ela avançava em minha direção. – Mãe! – as lágrimas quentes escorriam por meu rosto, encontrando o fim em meus lábios. Gosto salgado que era.

Nunca entendi como tão finas e leves lágrimas possuíam a tenra capacidade de transportar tanto peso para fora do corpo. Aquele peso que vinha lá de dentro, doía a alma, e me curvava as costas como se uma carga enorme houvesse sido sobrecarregada em meus ombros imundos.

Imundos pela batalha travada que ainda não tivera fim.

- Natalie! – ela pronunciou meu nome de maneira ritmada e terna. Como alguém em seu leito de morte que aguarda o último sopro de vida para pronunciar o nome da pessoa a quem mais ama.

- Por que eu confiei nela, mãe? – meu sofrimento era tão gritante que ela se aproximou mais de mim.

As lágrimas ainda caíam e senti o peso do mundo em meu pranto derramado.

- Só o tempo é capaz de nos mostrar quem são as pessoas certas a depositar nossa confiança. – fez uma pausa. – A vida é rígida com as criaturas de bom coração, mas sobretudo, não prega nenhuma peça que não seja importante para completar nosso quebra-cabeça.

- Você tem razão! – limpei meu rosto, apenas naquele momento instigando o local onde estávamos. – Onde estamos? – olhei ao redor.

Lugar fechado. Calado. Frio. Tão quieto quanto o próprio vazio, e tão sublime.

- Você vai descobrir. – respondeu ela, atenta.

- Eu morri? – estava aflita.

- Não exatamente. – ela enuvou o ar com uma mão, e como um véu que passasse por nossas faces, pude ver.

- Ai meu Deus! – exclamei – Pelo Supremo Rei. Pela Gárgula de Fogo. Pelo raio que o parta. O que fizeram comigo?

Não recordava dos últimos momentos da luta. A traidora havia aparecido e levado consigo o diário, o qual estava mais poderoso.

E além do diário, Nicole-Helena estava com os quatro lenços das descendentes das Meninas de Seda.

- A última coisa que me recordo, é de ter desmaiado! – encarei novamente Victoria. – Mãe, eu estou em outro sonho?

Ela balança a cabeça em negativa enquanto sorri.

- Nunca foram sonhos, querida! – ela me encara – A maioria das cenas que lhe passavam pela mente enquanto dormia, eram lembranças. Minhas lembranças. E outra parte, foram conexões que você teve com aquelas que morreram em nome das garotas da Sociedade. E, claro, as conexões com a gêmea.

- Eu me recordo agora. Apesar de não compreender ainda as memórias suas que permanecem em mim como forma de sonho! – exclamo.

O cenário muda de localidade.

Agora estamos em uma grande sala com cadeiras em estofamento vermelho aveludado, e apoio em ouro maciço.

Victoria usava um vestido longo e de diversas camadas. Ele era branco, como de uma noiva aguardando o momento de seu casamento. A última camada era em renda fina dourada.

Minha mãe parecia uma grande rainha se apossando do trono. Só lhe faltava a capa aveludada em vermelho.

Eu também estava em um traje quase tão elegante quanto o dela. Mas a renda do meu era preta.

- Uau! – disse eu – Isso também deveria ser uma lembrança? Pois não me recordo deste lugar. – olhei ao redor, já imaginando de onde se tratava ser.

- Aqui é onde as Meninas de Seda costumavam se reunir! – ela responde, e continua ainda me encarando. – Por isso você e Naomi devem quebrar a maldição! – seu semblante torna-se mais sério. – Para que todas aquelas que foram mortas em vão, possam à vida retornar. E que a Sociedade que jamais foi esquecida em Âmbar possa voltar para cumprir com o seu propósito: criar guerreiras para defenderem seu povo.

- Eu não sei como fazer isso, mãe! – sinto um aperto enorme no peito, e então a encaro. – Eu não faço ideia. Estou perdida!

- Por isso você terá a Naomi, querida! – seu olhar me envolve em ternura. – Para que suas forças se encontrem em uma só e consigam quebrar a maldição que devastou todas as Meninas de Seda.

- E se eu fraquejar?

- Uma guerreira nunca fraqueja em campo de batalha. Mas se você sentir que não aguentará, lembre-se que eu sempre estarei aqui para você.

- Obrigada, mãe! – me sinto mais aliviada – Eu preciso encontrar as respostas para todas as minhas dúvidas. Promete que estará por perto quando eu precisar, mas especialmente quando eu não precisar?

- Eu estou aqui para você. Sempre estive. E contigo sempre estarei.

Pisquei três vezes para afastar as lágrimas, e quando abri os olhos, estávamos em outro lugar. Era um quarto de hospital.

- Nossa! – exclamei assustada ao encarar aquele corpo no leito, olhando para Victoria seguidamente.

- O que foi que aconteceu?! – perguntei atônita.

- Você atingiu a evolução máxima em poder conversar com almas. – ela respondeu como se aquela fosse a coisa mais natural do universo.

- Isso quer dizer que...

- Sim! – ela respondeu, nem esperando eu completar o que pretendia dizer. Realmente, o poder que nos unia era muito forte.

Aproximei-me do corpo, encarando aquela face que era minha. Meu próprio corpo, em um leito de hospital após o término de uma batalha.

Minha face denotava as maçãs de meu rosto protuberantes, embora a face toda estivesse pálida.

- Uau! – exclamei, fascinada. – Isso quer dizer que eu posso voltar para meu corpo, caso eu queira, né?

- Claro que sim! – ela riu. – Aliás, você já deve voltar. Âmbar ainda precisa de ti.

- Só uma última coisa, por favor! – viro para ela, e me encho de ternura. – Tudo isso foi real?

Ela assente, analisando minha cara de boba.

- Eu estou aqui contigo, minha filha. Nosso encontro foi real. Está sendo real. E você guardará para sempre este momento em suas lembranças. – ela faz uma pausa. – Mas assim como da última vez em que sua alma saiu do corpo, quando ela retornar, você achará que tudo isso não passou de um sonho.

- Última vez? Eu já fiz isso antes?

- Sim! Quando encontrou Betina! – ela sussurrou a última palavra, e a cena tornou-se desconexa.

Victoria foi sumindo.

Tudo se tornou escuro e silencioso.

Acordei. 

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