Capítulo 12

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Eu não acredito como o paraíso pode virar o inferno em tão pouco tempo. Antony teve que prolongar a viagem e, nesse meio tempo, meu ex-marido se apresentou na minha casa com quatro malas e sem bilhete de passagem de volta. Ele disse que seria mais barato deixar para comprar o retorno quando já estivesse aqui.

Eu também comecei a atuar no novo emprego acertado com George. Assumi a função de "gestora de dados para normatizar procedimentos". Ou seja, estou num grupo que será responsável pela padronização de informações entre a MacMillian e a Archer. O trabalho é estafante, mas pode ser feito de forma 100% remota.

Portanto, estou ficando em casa e tendo que dividir espaço com Alexandre, o barulhento. Meu filho, quando não está dando expediente num café próximo do nosso apartamento, está na escola. E por isso não tem muito tempo para ciceronear o pai.

Percebi que a minha casa já estava completamente tomada pelo inimigo quando, num determinado dia, cheguei mais cedo do que o habitual de uma reunião no trabalho e me deparei com uma maca portátil montada no meio da sala. Em cima dela, uma mulher de ancas extremamente avantajadas estava deitada de costas e – talvez nua, talvez com o biquíni mergulhado em tantas ondas de gordura.

Ao lado da "massageada" o meu ex-marido estava com as mãos lambuzadas de óleo corporal. Pela fragrância podia até ser o meu.

Minha voz trepidou pela sala num agudo de quebrar copos de cristais não existentes no recinto.

- Alexandre!

- Mamãe de Deus, que susto! Você não disse que iria demorar umas três horas? Eu teria arrumado o consultório no quarto.

- Estou até com medo de te pedir uma explicação.

- É com muita honra que te apresento minha primeira cliente americana, a senhora Shannon... qual é mesmo o seu sobrenome, minha querida?

- Hernandez – respondeu a mulher se enrolando o que pôde no lençol estendido na maca. Como eu, ela estava completamente atordoada com o flagrante.

- Nossa. Então você é latina ou tem parentes latinos? Porque esse sobrenome ... – começou a questionar meu ex-marido, alheio à cena dantescamente instaurada na minha sala.

- Alexandre – cortei o diálogo de doido – peça à senhora Hernandez, cuja descendência não saberemos hoje qual é, para se retirar da minha casa. Depois venha até meu quarto, por favor.

Tento sorrir para a senhora, que está na cara que é tão vítima quanto eu, e parto reto pelo corredor.

- Licença mamãe – Alexandre entra no meu quarto minutos depois com olhinhos piscantes desculpantes.

- Alexandre...

- Antes de me julgar, ouça, por favor. Eu estou me sentindo um trapo humano vivendo às suas custas. E fiquei matutando um jeito de ganhar dinheiro rápido para poder melhorar minha situação perante meu filho e também a você. Uma pessoa que eu admiro tanto e que está se dando tão bem na cidade. Veio a ideia de trabalhar com massagem terapêutica direcionada. Coloquei um anúncio descompromissado no Face e, veja você, já tenho uma cliente.

- E o que seria massagem terapêutica direcionada?

- Para gordinhas, mamãe. Elas são tão complexadas que não se permitem pequenas coisas, como usar shorts, roupas transparentes ou mesmo fazer uma massagem revigorante. Aí que eu entro. É um nicho e tanto nesse país onde há tanta gordura trans na comida.

A história é tão da carochinha, tão a cara de Alexandre, que eu me canso da ladainha e resolvo encerrar o episódio.

- Não quero isso aqui. Não quero chegar em casa e dar de cara com você massageando quem quer que seja na frente da televisão ou em qualquer outro cômodo.

Óleo de PrímulaOnde histórias criam vida. Descubra agora