EPÍLOGO

222 11 1
                                    

Parece que foi ontem que vi meu namorado se ajoelhar no chão da formalíssima recepção do seu escritório no País de Mármore e me pedir em casamento, assim, na lata. Nada poderia ser menos convencional, pois a plateia que acompanhou esse gesto intempestivo era formada por alguns dos seus empregados – que ficaram bastante envergonhados – e por alguns engravatados que estavam ali para tratar de negócios, e não para presenciar uma manifestação de amor verdadeiro da melhor qualidade.

Mas nem mesmo aquele ambiente protocolar conseguiu diminuir a onda de alegria que nos envolveu. Não consegui fazer um segundo sequer de suspense dramático e respondi de supetão: Sim! Sim! Sim! Foi lindo, emocionante. Antony me agarrou e rodopiou comigo sem a menor cerimônia, e todos acabaram entrando no clima, batendo palmas em homenagem aos noivos.

Mas todo o tsunami que veio depois desse dia está deixando as coisas para lá de confusas. Acho que ainda não consegui curtir essa fase de donzela em direção ao altar – me flagro pensando, mas logo tenho que voltar a me concentrar na senhorinha que me olha meio exasperada, pois esta é a quinta vez que eu "largo meu corpo" no meio da prova do bolo. Alexandre, ao lado dela, está tamborilando os dedos na mesa e troca olhares com a doceira como se desabafasse: meu carma é pesado!

Mas alto lá, né? Eu é que deveria ser tratada como uma vítima! Como posso ter o mínimo de sossego ao lado desse homem que se elegeu o coordenador geral da festa do meu casamento? Ele conseguiu transformar o petit comité acordado inicialmente num evento para 300 pessoas e talvez esteja sendo catapultado por Dannine. Melhor me abster das conexões de Alexandre. Quero me sentir rumo a uma festa de casamento e não na Última Ceia com traidores à espreita.

Faço um esforço gigantesco para sacar o meu semblante "agora você tem minha atenção exclusiva", pois, neste momento, a senhorinha empolgou num discurso em apoio aos bolos vintage de flores de açúcar e prega o fim dos dias do estilo naked cake.

Mas eu não tenho jeito mesmo. Como pude pensar que Alexandre iria assumir essa coordenação sem me enlouquecer no meio do caminho? A lógica inicial é que ele teria alguma coisa na vida para se ocupar e eu ficaria livre, leve e solta para poder namorar bastante e aumentar a cumplicidade do relacionamento construído em pouquíssimo tempo de convívio.

Não posso me enganar, pois mesmo com esta guinada inesperada na minha rotina familiar percebo que as dúvidas continuam me torturando: será que Antony está agindo por impulso? Será que estamos maduros para dar um passo como esse? Como vai ser para ele mergulhar de cabeça na vida a dois? Como vou conseguir conviver com a sogra que já tentou avançar o sinal com o próprio enteado?

São questões incrivelmente complexas e eu deveria ter tempo de maturá-las e não estar aqui, numa doceria elegante do SoHo, ouvindo uma indignada senhora reclamando da moda dos bolos pelados.

E cadê a noiva entusiasmada que eu pensei que seria? Minha união com Alexandre foi feita apenas em cartório, super a seco. Senti uma certa frustração na época, pois, quando eu era garota, sonhei inúmeras vezes com a cerimônia de casamento da plebeia Diana Spencer com o Príncipe de Gales.

E nem posso ter vergonha do fato, pois esse evento britânico de proporções mundiais encantou o universo de 10 entre 10 moçoilas na década de 1980. Até hoje me lembro da carruagem real imponente percorrendo as ruas de Londres e conduzindo a noiva, que cumprimentava timidamente os súditos.

Quando ela desceu em frente à Catedral de Saint Paul, eu me emocionei com o seu vestido em seda marfim de mangas bufantes. Para aquela época podemos dizer que a chuva de babados de inspiração vitoriana tinha o poder de causar um impacto positivo. Pobre de quem copiou o modelo. Imagino alguém abrindo hoje o álbum de casamento e se deparando com a versão não original do vestido de bolo da princesa. Deve dar um leve arrependimento.

Óleo de PrímulaOnde histórias criam vida. Descubra agora