Capítulo 19

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É mais do que certo que depois que você faz 40 anos o tempo começa a correr mais depressa - quase uma vingança rumo aos 50 – pois eu mesma não consigo acreditar que já se passaram quatro meses desde a última vez que eu e Antony nos encontramos naquela fatídica tarde do empurrão seguido do tapa na cara.

O que posso concluir com isso tudo é que encontrar o maior amor da sua vida em plena idade madura é um presente do destino que só pode ser comemorado se o relacionamento perpetuar. Porque enfrentar a dor da separação nessa etapa da vida é um sentimento que não se deve desejar para o pior inimigo.

Eu estou dilacerada. Por que tudo na minha vida acontece num tempo fora da ordem cronológica? Quando todos estavam entrando na faculdade eu estava decorando o quartinho do bebê. Quando todos começaram a se casar eu vivi uma dura separação e, agora, quando está todo mundo prestes a estabilizar no primeiro – segundo –, terceiro casamento eu estou sofrendo a dor de amor de uma adolescente, com o agravante de que não sou mais uma adolescente.

Se já não bastasse, eu ainda tenho que lidar com as mudanças no meu corpo, a mudança no tipo de beleza que minha idade impõe e estou me aproximando a passos largos do fim da minha fertilidade. O resultado disso tudo é o zumbi que me tornei desde o rompimento do namoro.

Há quatro meses estou no piloto automático. A coisa mais emocionante que acontece no meu dia-a-dia é quando Tulio resolve trazer pizza picante de marguerita e eu ouso comer um pedaço. Meu roteiro se resume a natação – casa – a casa também é o trabalho então – casa/trabalho – natação. Meu filho está num emprego novo e eu só tenho Alexandre por perto para me distrair com suas excentricidades.

Uma delas é a cena que estou tendo que observar e, quem sabe, até me divertir um pouco. Alexandre está andando pela casa com um vestido meu, uma maquiagem de gosto duvidoso e uma peruca que parece ninho de passarinho. Nas mãos carrega um caderno e tudo indica que esteja decorando um texto.

- Alexandre...eu devo tirar minhas próprias conclusões a respeito desse seu novo estilo de vida?

- Não boba. É que essa coisa de ser ator está crescendo com força dentro de mim.

- Ahhh...está estudando para um papel...entendi.

- Hollywood pode estar mais perto do que se imagina. Eu estou numa idade atrativa para o cinema internacional.

- Quem sabe eu não esteja distribuindo currículos no ramo errado...

- Mas acho que o mesmo não se aplica para as mulheres. Sua idade já não dá mais caldo em cinema, não, mamãe.

- Me diga por que eu ainda perco tempo divagando contigo. Aliás, nem me responda. Me diga porque você está com essa indumentária pela casa.

- Estou para pegar um papel numa peça em que o cara é um assassino doido que tem obsessão pela mãe.

- Sei...originalíssimo o roteiro. E a roupita de drag?

- Acho que vou conseguir entender o cara melhor se conseguir me comunicar com a mãe dele.

- Você fica a coisa mais horrorosa do mundo vestido de mulher, meu querido. Até eu viraria uma assassina se tivesse que crescer vendo um show de horrores destes.

- Ahhh, Andrezza...quando escreverem uma biografia sobre a minha vida farei questão de que você seja retratada como uma velha rabugenta.

Sou obrigada a cair na gargalhada. Por que será que meu ex-marido não sente o peso da idade? Já eu, do seu lado, estou prestes a contratar um carreto para me ajudar nessa labuta.

Óleo de PrímulaOnde histórias criam vida. Descubra agora