Capítulo 15

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Se uma pessoa se deixar dominar pela dúvida, sem agir e sem confrontar, os questionamentos certamente crescerão. A conclusão mais besta e mais real que existe é que as pessoas deveriam se sentir obrigadas a desafiar suas dúvidas com ação. Elementar que um caçador perde 100% dos alvos com os tiros que simplesmente deixou de dar.

O homem elegante parado em frente ao prédio de Andrezza resume muito bem este conflito. Ele se movimenta pela calçada coberta de neve protagonizando um balé esquisito. Anda de um lado para outro e, tomado por um flash, vai até o interfone, estica a mão, mas um choque imaginário o impede de ativar o botão. Recua e volta à estaca zero: dá uma voltinha na calçada, sobe a escada e tal.

Ele faz três sequências deste vai e vem. E isso poderia classifica-lo como uma vítima de transtorno obsessivo compulsivo. Mas não é nada disso. Antony resolveu surpreender a namorada com uma visita para se apresentar ao filho dela. Se tornou impossível para ele esperar até o final de semana, pois sabe o quanto vai ser importante para a saúde emocional do seu relacionamento que seja aceito pelo menino.

Mas o impulso inicial que parecia uma boa ideia não surtiu um efeito assim tão eficaz quando ele chegou em frente à casa dela. Aliás, se Andrezza atendesse o celular seria mais fácil. Mas neste momento esnoba solenemente a tecnologia mantendo o aparelho desligado. Portanto, sobrou para ele um encontro às escuras com o garoto. Não dá para saber o que vai enfrentar. Não dá para saber nem se o menino está em casa!

De qualquer forma não vai dar para esperar os ossos congelarem até ter certeza se esta abordagem foi a melhor escolha. Antony segue firme até a entrada do prédio e aciona a campainha.

Depois de intermináveis segundos, que a relatividade do tempo transforma em minutos, ouve-se uma voz masculina desconhecida sair de dentro da caixa metálica.

- Hummmmmm? – podendo ser um cumprimento ou um mugido.

- Este apartamento é o da Andrezza?

- É o correio? Interfona para o Jack, vizinho aí do lado. Pode deixar a correspondência com ele que eu pego depois. O cara é meu brother.

- Aqui é o Antony. O namorado da Andrezza. Quem é você?

- Para. Brincou.

E o portão se abre. Antony atravessa o caminho intrigado com essa recepção esquisita. Para em frente à porta e, de novo, o relógio castiga até que possa ouvir os passos de um chinelo molengo se aproximando. Um homem louro com cara de surfista aposentado o recebe enrolado numa toalha. Que porra é essa? Ele está pelado.

- Você tinha falado que vinha aqui hoje, meu querido?

- A Andrezza, por favor?

- Você pode voltar depois? A hora não poderia ser pior.

- A Andrezza está?

- Nossa viu...eu sabia que ela estava de rolo com um cara. Quem diria. Vamos combinar...aquela sargentona namorando. O amor é libertador, né não? E pelo jeito o negócio é sério.

- Você...

- Ahh...vai desculpando o mau jeito. Alexandre, marido – ops – o ex-marido. Como é esse lance aí do namoro, hein?

De dentro, Antony ouve uma voz feminina ... Alexandreeeeeee...o que é aí?

Para o namorado de Andrezza essa merda está ficando cada vez pior. O que o cara está fazendo pelado na porta me impedindo de entrar? E minha mulher lá dentro chamando ele?

- Você me dá licença que eu vou até Andrezza. Ela não sabe que estou aqui – Antony esclarece e começa a andar.

- Entãooooo...é melhor voltar outro dia – repele Alexandre colocando o pé na frente para impedir a entrada, o que serve como um incentivo para precipitar a entrada do convidado, que avança ainda mais de um jeito ameaçador.

De dentro do apartamento Alexandre é pura falta de coragem e percebe que não é um opositor à altura. O vacilo é a deixa para que o namorado de Andrezza consiga atravessar a porta e partir feito um raio em direção à voz rouca que ouviu há pouco.

Ele deixa o pacote que trouxe no meio da sala porque desconfia que precisará das duas mãos para enfrentar essa situação. Mas Alexandre já se recuperou um pouco do susto inicial e passa pelo outro se posicionando feito uma muralha em frente à porta de um quarto no final do pequeno corredor.

- Saia da minha frente, por favor. Estou aqui para falar com a minha namorada.

- Olha, meu amigo, vai circulando, ok? Quem você pensa que é para invadir a propriedade alheia e...

O diálogo termina aí, pois Antony segura o cara pelo pescoço com uma das mãos e com a outra empurra a porta com o pé. A raiva deixa os olhos dele embotados e Alexandre prefere se resignar, pois está na cara que não quer travar uma briga com aquele urso selvagem.

Do outro lado, uma negra escultural está nua, em posição de yoga, de cabeça para baixo no meio da cama de casal. Ao ver um desconhecido entrando com golpe de caratê no recinto ela desequilibra e cai estatelada no chão. Antony também se vira rápido, pois percebe que acabou de invadir uma trepada alheia. Ele agora está convicto de que entrou no apartamento errado.

Mas tudo está estranho demais. As coisas começam a clarear e ele se volta para o oxigenado parado na porta com uma cara assustadora como que dizendo "prudente explicar".

- Aiaiai. Não pode esperar, né? Essa aí é a minha namorada, a Ginger. Prazer bacana. A Andrezza saiu e volta daqui a uma hora. E faz o favor de não contar que estamos na cama dela. A mulher é brava de doer. Me mata se souber.

- Você é...

- O ex-marido. Acabei de te falar a respeito. Não lembra, não?

- O que está fazendo aqui?

- Eu moro em São Paulo e vim visitar meu filho. Gostei de você, viu. Energia legal. Protetor. Andrezza está precisando mesmo. Ginger! Bota uma roupa e vem conhecer o rapaz, filha. Essa família não para de crescer.

Óleo de PrímulaOnde histórias criam vida. Descubra agora