Pensamentos distantes circulam minha mente, sobre uma vida fictícia que desejava ter. Meus pais já aposentados sentados em suas cadeiras de balanço na varanda em uma tarde de outono. O vento frio envolvendo as cortinas nas janelas, ou os galhos das árvores no quintal e os arbustos no jardim.
Mamãe tricotando um suéter de lã de caxemira, a cor vermelha em um tom quase alaranjado como a folha de bordo que representa aquela estação tão calorosa. Papai estaria lendo um jornal impresso – mesmo que pudesse apenas apertar um botão e as notícias passariam em uma tela de televisor, todas elas, em diversas opções.
O cachimbo não poderia faltar, aquele objeto fazia mais parte de sua mão e boca, do que seus próprios dedos e dentes. A fumaça impregna todo o ambiente da casa. Mamãe reclamaria como de costume, nada muito sério, nada mudaria. Ela ainda o serviria de suas bolachas de amêndoas caseira junto a uma xícara de chá de erva-doce. E obviamente ele recusaria. Seu cachimbo não seria o mesmo se bebericasse do líquido adocicado. Mesmo um café amargo.
Eu os observaria, por dias a fio se pudesse, sem atrapalhar, sem sequer fazer um ruído que denunciasse minha presença. Apenas os observaria falarem sobre o mesmo assunto repetidas vezes, como um casal de velhos rabugentos que não conseguem chegar a um consenso, apenas a teimosia que vem com a idade sem deixar que o amor que os une, suma em apenas algumas frases mal expressadas.
Vê-los sorrir deveria ser apenas o meu único e profundo desejo, mas aquela esperança que ainda insistia em manter viva em meu peito, como uma chama de uma vela numa sala escura, o fez tornar-se uma imagem proliferada do meu desejo. Não estaria completo sem ele, sem o sorriso ou a forma envergonhada que coça a nuca sempre que as bochechas ganham uma coloração rosada. O sorriso gentil e despreocupado, o olhar que sem palavras pode te julgar, ou te entender.
Tudo passou diante de meus olhos como um filme antigo em pequenas imagens quadriculadas que eram reproduzidas uma após a outra, em preto e branco, aprofundando em um cinza onde só se podia ouvir o ruído da máquina em funcionamento. Tudo passou pela minha mente enquanto meu corpo reproduzia litros de suor frio que escorriam por minha pele como se a mesma estivesse derretendo.
Embora, antes tivesse um sol brilhante no céu, agora ganhava um tom de crepúsculo e a lua tomou lugar em seu ápice. O caminho que retornaria estava carregado de areia, meus pés pesavam como cimento seco e eu não podia mais me mover. Meus joelhos cederam e caíram sobre os grãos fazendo os mesmos arderem, mas a ardência nem se comparava a dor que sentia em meu pulso outra, e sem nenhuma novidade, mais uma vez.
Em pouco tempo o dia tornou-se noite, sem que ao menos percebesse a marca estava exposta a luz, refletida pela lua que enormemente brilhava para o mundo. Sem que ao menos percebesse, deixei que acontecesse. Eu só tinha uma missão e falhei sem pestanejar, sem me dar uma chance. Mesmo que quisesse, eu não poderia.
Uma força maior me mantinha presa aquela areia úmida enquanto a lua pairava sobre mim em todo o seu esplendor, rasgando meus nervos e veias de dentro para fora, dilacerando meu pulso sem causar nenhum sangramento. Apenas a dor podia ser sentida, sua causa não poderia ver mesmo em microscópio. Na boca, o gosto amargo na língua me lembrava que a dor era real, que não era apenas uma peça da doce ilusão momentânea.
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A Filha da Lua e a Profecia | Livro 01 (REPOSTANDO)
Fantasía+16 | OBRA ORIGINAL ★ 𝗢𝗕𝗥𝗔 𝗥𝗘𝗚𝗜𝗦𝗧𝗥𝗔𝗗𝗔 ★ DEUSES DE ARTHENEA - ARCO I Melissa Ferreira é a típica jovem estudiosa e trabalhadora. Desde pequena sempre soube que fora largada na porta da casa de seus pais adotivos, mas que por esse...