DOIS

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FELÍCIA


Meu mundo naquele momento girou. Minhas pernas ameaçaram fraquejar, mas permaneci em pé. Minhas forças estavam sendo sugadas, enquanto uma simples palavra se repetia em minha cabeça, muitas e muitas vezes.

Lágrimas molhavam o meu rosto, levando consigo a maquiagem já borrada.

A simples palavra doeu, e muito.

Mesmo com todas as diferenças, era difícil encontrar um bom amigo, que faria tudo pela amizade, ou que pelo menos tentasse. A gente se apega, confidência sua vida, para que depois ele te deixe. Me sentia egoísta, mas ela foi praticamente a única família que tive. Ela esteve lá quando eu precisei, quando eu sorri, chorei. Ela simplesmente estava lá na minha fase mais complicada. E, agora? O que eu vou fazer?

Minhas mãos tremiam. Meus soluços eram audíveis, em um conjunto com as lágrimas que desciam dolorosamente.

— Senhora, tente se acalmar — o médico ainda falava, mas eu não escutava.

— Onde ela está?

— Eu sei que quer vê-la, mas primeiro temos que conversar. Pelo que vi, a senhora não está ciente sobre o estado da Carla — ele tentou, mas eu estava irredutível.

— Eu quero vê-la. Somente isso — insisti, olhando-o nos olhos, mostrando-o quão determinada estava sendo.

— Entendo. Me acompanhe.

Durante o trajeto o médico não ousou dizer se quer uma palavra, e isso me fez uma pessoa muito agradecida, pois não estava em um momento bom para ouvir. Pelo corredor vazio eu relembrava os momentos que passamos juntas, as brigas, os sorrisos... tudo. As lembranças vinham sem dó, batiam-me com toda força, me jogando para uma realidade dura que não gostaria de estar vivendo. O médico parou, e eu parei logo atrás, ele não falou absolutamente nada, somente abriu a porta branca e olhou em meus olhos com piedade.

— Lamento. — Foram suas únicas palavras antes de sair.

Não estava preparada, não tinha ideia do que iria enfrentar. Estava tudo indo muito rápido, e eu sentia que estava perdendo o compasso. Parada junto a porta, buscando forças de algum lugar para poder olhá-la, chorei em desespero.

— Eu estou bem, pare de frescura, Felícia — sorri fraco.

Carla, sempre seria Carla. O tipo de pessoa que mesmo tudo desabando, se encontraria sorrindo. Ela, sim, era forte. Ela não queria a pena de ninguém, muito menos bajulações. Ela somente queria viver.

Respirando fundo ousei olhá-la. Meu coração se quebrou em milhões de pedacinhos ao ver aquela pessoa sem vida, porém, mesmo assim, um sorriso sem graça descansava em seus lábios. Foi somente algumas horas, mas a sua aparência havia sido afetada rápido demais. Realmente o câncer era uma doença traiçoeira, pois rapidamente se mostrou presente em um curto tempo.

Para uma pessoa supervaidosa, Carla não estava lá essas coisas. Ela se encontrava muito branca, seus lábios roxos, e olhos fundos. Mas, mesmo assim, continuava linda, com seus cabelos curtos loiros jogados pelo travesseiro branco.

— Não me olhe assim, Felícia — me repreendeu.

— Assim como? — ousei perguntar, andando até uma cadeira ao seu lado, limpando algumas lágrimas que insistiam em cair.

— Nada. — As palavras pareceram morrer.

Seus olhos vagavam por toda a sala branca com poucos móveis, mas nunca encaravam os meus.

— Quando você descobriu isso? — perguntei.

— No início do ano. — Fiz a conta em minha cabeça, e ela estava escondendo o câncer a mais ou menos quatro meses.

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