TRÊS

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FELÍCIA


Depois de dez dias, ainda não tinha compreendido o porquê da ação daquele homem totalmente arrogante. Ele não tinha o direito de mandar em mim daquela forma, para ser sincera, em nenhuma forma ele tinha esse direito.

Quis correr atrás dele e dizer o quanto ele era um idiota e, talvez, até mesmo, dar uns tapas nele. Mas me senti infantil ao querer fazer algo como isso. Eu não iria vê-lo mais, então, não havia nenhuma chance de seguir as ordens daquele louco e, mesmo se eu o visse, não haveria chance alguma.

Ainda tive que escutar as lamentações de Carla por um tempo, por não ter pedido um autógrafo para o cara que ela mais idolatrava. Ela não escutou em nenhuma das vezes em que eu tentei dizer que ele mandou em mim e em como ele tinha sido rude, mas ela simplesmente dizia: tá, ele mandou em você... te salvou, beleza... mas e o autógrafo? Você perdeu está chance Felícia, eu não acredito!

Se passou mais um tempo depois daquela cena e nunca mais nos vimos. Mas isso não me faz esquecer o fato de que ele cismou comigo, e que ele era incrivelmente bonito para que fosse apagado de memória rapidamente.

Carla, após o incidente, foi até clínica e lá fez os procedimentos de uma fertilização artificial. Na primeira tentativa o procedimento falhou, Carla ficou péssima. Ela tinha um sonho, mas havia diversas pessoas despejando vários não, como se torcessem para que desse errado. Mas eles não viam que a cada tentativa o estado de Carla só piorava, enquanto suas esperanças iam embora. Eles não viam, pois estavam cientes de que isso iria acontecer.

No entanto, enquanto ela tentava e lutava até mesmo contra as suas forças, Carla ia realizando os itens de sua lista. Semana passada plantamos um pezinho de Acerola. Nós compramos a muda, só que não sabíamos onde plantar, até que no trem, quando já estávamos voltando para casa, com a árvore nas mãos, uma menina puxou assunto, perguntando o porquê de estávamos com uma muda de árvore. E foi em uma conversa e outra que encontramos um lugar.

A menina comentou que sua avó estava triste a algum tempo, pois em sua casa havia um Jatobá que estava vivo a séculos, só que a prefeitura tinha mandado cortar, por estar interferindo na fiação elétrica. Vimos uma oportunidade naquele momento. Seguimos a menina e plantamos o pezinho de Acerola no mesmo lugar que estava o Jatobá. A senhora ficou tão feliz que até para um café fomos convidadas.

No dia seguinte fomos ao zoológico, onde Carla conheceu um elefante. O mamífero era o animal preferido de Carla, até mesmo duas tatuagens ela tinha.

Mais dias se passaram e Carla foi até a clínica, novamente, onde aconteceu a terceira tentativa, mas diferente das outras vezes, nesta, ela teve sucesso, e Carla estava grávida. Quando ela descobriu que realmente tinha dado certo, alegria era uma palavra muito pequena para defini-la. Carla sorria para o vendo, sua felicidade era tanta que na mesma semana fomos para a escola da Nenê de Vila Matilde, realizar o seu próximo desejo.

Morávamos em Jaçanã, e a escola era situada na Zona Leste de São Paulo, um pouco longe, mas eu só queria ver Carla feliz, e, sinceramente, era gratificante vê-la realizar sonhos tão simples, mas tão significativos para ela.

Estávamos em Março, então, as escolas estavam a todo vapor com os ensaios. Lá, fomos bem recebidos e comemos uma feijoada maravilhosa, apreendemos a dar alguns passos e rimos bastante com as tentativas frustradas. Realmente, foi um dia maravilhoso.

Novos dias, semanas e meses se passaram, e a doença ia se agravando a cada dia, ela estava fraca e debilitada, mas queria se manter forte para o seu filho. Carla estava muito magra e somente sua barriga era evidente, seus cabelos já não brilhavam mais, seus olhos continham somente o brilho da esperança. Sua pele pálida, com algumas marcas roxas me deixavam apreensiva, pois temia um dia acordar e não a ver viva.

FERAOnde histórias criam vida. Descubra agora