Alice estava sentada nos degraus da varanda de sua casa, completamente perdida no pôr do sol. Os cotovelos apoiavam-se sobre os joelhos e a luz alaranjada fazia seus cabelos escuros parecerem louros. Henrique desencostou-se da porta da cozinha e sentou-se a seu lado, sem fazer barulho. Como se tivesse sido despertada de um sono leve, Alice cumprimentou o garoto com um sorriso aberto, que fez o estômago de Henrique revirar. Ele se deu conta do quanto sentiu a falta de Alice na última semana.
– Quando você voltou? – perguntou Henrique. Ele brincava com pulseira de couro, com pequenos pingentes pratas, em seu pulso direito, enquanto esperava pela a resposta a que já sabia qual era. Há menos de uma hora, ele havia ouvido a porta de entrada abrir e fechar com um baque, mas estava no meio de uma conversa com os outros meninos, que iriam suspeitar de algo se ele saísse naquele momento.
– Meia hora atrás.
– Como foi? – Henrique estava curioso para descobrir porque a irmã mais nova de Rafael passou uma semana inteira longe de casa, com sua mãe. Se fosse a própria mãe de Henrique e sua irmã, ele não acharia estranho, mas vindo dos Padilha a viagem não planejada era sinal de que algo não estava certo. União parecia ser o lema da família.
– Estranho. Bom. Não sei. – Alice fez uma careta e pensou um pouco mais na resposta. – Está melhor agora.
– Em que está pensando? – Henrique sabia que para conseguir algo de Alice ele precisava perguntar duas vezes. Na primeira, ela lhe daria uma resposta vaga. Na segunda, Alice lhe contaria qualquer coisa, desde que a pergunta fosse diferente da primeira.
– Antes da mãe e eu passarmos a semana toda no hotel, assistindo a filmes cheio de romance, casais, beijos e outras coisas, ela me disse que a gente só é adulto mesmo quando paramos de nos iludir com o que a vida poderia ter sido e aceitamos as coisas como elas são.
– Isso não faz muito sentido.
– Pois é. Eu estava pensando a mesma coisa. – Alice enrugou a testa e olhou para Henrique com tanta intensidade que ele se sentiu forçado a prestar atenção em suas palavras: juntos eles precisavam chegar a alguma conclusão. – Depois de dizer isso, passamos a semana inteira assistindo a filmes em que uma mulher triste, entediada ou em perigo conhece um rapaz, eles se gostam, mas não podem ficar juntos por causa de algum motivo muito bobo, mas que é importante para os dois. E no final tudo sempre acaba em mais beijos e sorrisos.
– Parece filme de mulherzinha – comentou Henrique, lembrando dos muitos filmes parecidos que assistiu com sua irmã. No final deles, ela lhe dizia para não fazer escolhas tão ruins quanto às dos filmes. Se algo em sua vida parecesse com um filme, ele deveria fazer exatamente o oposto do que via na televisão.
– Depois de assistir a tantos filmes, um atrás do outro, acho que estão tentando me dizer que só vou ter meu final feliz quando ganhar um beijo de um garoto bonito com um pôr do sol ao fundo. Ou chuva. Houve muitos beijos na chuva, Henrique. – Alice encolheu os braços embaixo do queixo, encarando o céu e os prédios distantes. Sua testa estava enrugada, como quando o pai de Henrique tentava decidir se discutiria ou não com sua mãe. Essa semana mudou algo nela, pensou Henrique.
– Dá para entender? – perguntou Alice, sem encará-lo.
– Acho que sim. – Henrique mordeu os lábios, tentando entender o funcionamento daqueles filmes. Ele precisou girar sua pulseira de couro inúmeras vezes até chegar a uma conclusão. – Mas não são os beijos. Acho que é o amor.
– Como assim?
– Acho que eles querem dizer que o final feliz vem junto com o amor – explicou Henrique. – Com alguém que você ama e que te ame de volta.
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Duas vezes amor
ChickLitAssim como a maioria dos primeiros amores, o de Alice terminou com um coração partido. Para ser sincera, terminou com um coração esmigalhado pelo Martelo do Thor (foi tão ruim assim). Ela não perdeu apenas um amor, mas também seus melhores amigos. ...