Capítulo três

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@Lucasdisse Que tal algo bem assustador pra hoje? Como ficar sozinho com nossos pensamentos. 
@ElementoX para @Lucasdisse Lucas, vai dormir. Não fique aterrorizando a internet. Ela é sensível. 
@WesterosLaw para @Lucasdisse Já vai começar com outra sessão de "monstros não vivem embaixo da cama, mas dentro da nossa cabeça"? Vai dormir. Ou eu te monstro onde os monstros vivem.


Às três horas da manhã eu ainda estava revirando na cama. A noite bem dormida de ontem parecia me torturar. Tão distante. Tão bela. Tão inalcançável.

Sono? O que era isso? A única sensação que eu sentia era fome. Vasculhei a geladeira mentalmente, tentando imaginar o que eu encontraria dentro, se levantasse. Além dos incomestíveis (e ligeiramente inúteis para mim), como farinha de trigo e açúcar, os armários estavam cheios de biscoitos e refrigerante – a refeição favorita dos garotos. Eu não precisava de cafeína em minha corrente sanguínea à essa hora. Lembrei de algumas bananas esquecidas em cima da geladeira. Estavam escuras, mas matariam minha fome.

Não calcei chinelos nem coloquei um casaco por cima da blusa do Kratos, de God of War. "Uma verdadeira dama", minha mãe diria ironicamente. Mas eu adorava a blusa, que era uma das peças mais confortáveis que eu tinha no armário. Bom, não era exatamente minha. Existia a possibilidade de eu tê-la pegado emprestado de Rafael, pois estava grande demais (inclusive para mim), batendo logo abaixo do meu quadril.

Apenas algumas horas antes, ouvi os garotos se prepararem para dormir. Televisão sendo desligada, gritos para desocuparem o banheiro, portas batendo. Chequei o lado de fora do quarto. Naquele momento o apartamento estava estranhamente silencioso e escuro. Me aventurei pelo corredor sorrateiramente, sem querer que ninguém acordasse... apenas para encontrar Henrique sentado à mesa de jantar digitando em seu notebook.

Excelente!

Pensa, Alice, eu volto ou não?

Fome.

Minha barriga decidiu ficar.

Passei por Henrique, entrei na cozinha e espiei discretamente a tela de seu computador por cima da bancada. Ele estava digitando algo no Word, enquanto lia algo em outra janela. Peguei a banana e comecei a descascá-la. Eu odiava estar em alguma discussão, ou no clima de uma, com qualquer um dos garotos ou com qualquer pessoa. O problema era que Henrique parecia saber a fórmula exata de como me colocar em um péssimo humor. Ele sabia exatamente o que dizer para começar qualquer discussão.

Eu apostava que ele pensava o mesmo sobre mim.

– Não a adicionei – comentei sem muita emoção ao me sentar à mesa, de frente para Henrique. Ele levantou o rosto iluminado para mim e falou, visivelmente não mais aborrecido:

– Eu sei.

– Não queria causar problema algum – acrescentei. E era verdade, nem naquela e nem nas outras vezes. Eu amava aqueles garotos e realmente queria que fossem felizes não só no trabalho, mas também na sua vida amorosa. Eca! "Vida amorosa"! Quem diria isso nessa década?

– Eu sei – disse Henrique, apertando o nariz na altura dos olhos. – Você nunca quer. – Estreitei os olhos para ele, tentando entender as implicações da frase. O que queria dizer com isso? A sensação de nobreza que eu havia sentido ao pedir desculpas foi rapidamente substituída por irritação. E frio. A noite estava gelada e a porta da varanda estava aberta, me fazendo arrepender de não ter colocado um casaco. Aí está outro problema de viver com os garotos. O paraíso livre de sutiãs e calças compridas se restringia ao confinamento do meu quarto.

Duas vezes amorOnde histórias criam vida. Descubra agora