Capítulo quinze

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@MacacoLouco Um, dois, Flávio vai te pegar! Três, quatro, é melhor a porta do quarto trancar! Cinco, seis, agarre o seu crucifixo!
@MacacoLouco Sete, oito, é melhor ficar acordado até tarde! Nove, dez, não durma nunca mais.
@ElementoX para @MacacoLouco Você sabe que eu não tenho medo de Freddy Krueger?
@MacacoLouco para @ElementoX Mas @Lucasdisse sim.


- Você usa óculos - eu disse, boquiaberta, quando Henrique entrou no quarto sorrateiramente e fechou a porta atrás de si. Ele percorreu os dedos pelos móveis e, passando por mim, abriu a cortina da janela ao lado da cama em que eu estava deitada. Ele estava sério (mas não por causa dos óculos), e parecia completamente diferente (mas não ao estilo Clark Kent vs. Super-Homem) vestindo calça de moletom escuro e camisa simples de algodão.

Henrique retirou as pantufas marrons de cedo ao sentar-se no parapeito da janela aberta, com uma perna para fora. Sua atenção estava no céu e no horizonte de estrelas brilhantes e muito mais bonitas que as de casa. Levantei da cama e me apoiei no parapeito ao seu lado. Seus cabelos estavam molhados, pingando nos ombros da camiseta, e seu perfil àquela luz fazia meus olhos doerem.

Eu não queria um ombro amigo. Especialmente quando aquele amigo parecia tanto com o Henrique de anos atrás.

- Normalmente eu tiro as lentes antes de dormir - explicou Henrique, sem se virar.

- Eu não sabia que você precisava de óculos.

- Dois anos atrás o oftalmologista me diagnosticou com miopia... nada demais. - disse. Eu não comentei que pela espessura dos óculos era uma miopia e tanto. Nós ficamos em silêncio porque não havia palavras que combinassem com o desconforto entre nós. Ele não me encarava, mas eu não conseguia retribuir a cortesia e era impossível desviar os olhos de sua barba por fazer ou das gotas que marcavam sua camisa. Eu queria tocá-lo para saber se faria me coração parar de disparar, mas Henrique estava decidido a dar sua atenção ao mundo lá fora, mesmo tendo sido ele quem veio me visitar.

- Obrigada por me trazer aqui - eu disse sinceramente. - Obrigada por se preocupar com os avós, obrigada por faltar a aulas e ao seu trabalho... espero que seu pai não pegue muito pesado quando você voltar.

E isso foi o suficiente para Henrique fitar-me. Ele assentiu e puxou minha mão boa para si, me fazendo levantar da beirada da cama.

- Ele vai pegar, é claro - Henrique bufou, entretendo-se com minha mão. Cada segundo que sua mão suave se demorava em meus dedos, meu corpo enfraquecia-se, cedendo a tentação que era Henrique. - Mas nem tanto, já que Tatiana está em casa... eles estão ocupados demais ouvindo todas as notícias, causos da viagem e tentando convencê-la de que deveria morar no Brasil e dar netos a eles assim que possível.

- Eles não conhecem a própria filha - eu disse, sorrindo. Tatiana e crianças pertenciam a dois mundos diferentes. Até quando era uma, Tatiana detestava as outras crianças.

Ela e Henrique costumavam ser completamente diferentes. Ela era a mais velha, mais animada, mais confiante, mais cheia de vida. Ele era o caçula, tímido, estudioso e "à margem". Não de um jeito ruim. Henrique era aquele que sentava no parquinho e observava as outras crianças brincando... até alguém, cheia de machucados no corpo, empurrá-lo para brincar com ela e com seu irmão mais velho.

- Ainda quer ter um time de futebol? - perguntei com um sorriso malicioso. Quando éramos adolescentes ele dizia que só se casaria com alguém capaz de a luz à um time de futebol. Flávio dizia que ele acabaria com um time de futebol de gatos se continuasse com aquelas ideias.

Duas vezes amorOnde histórias criam vida. Descubra agora