Prólogo

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Setembro

       O corredor estava vazio quando dobrou a esquina. Uma segunda vez olhou para trás, notando não estar sendo seguido. A região urbana não era um dos piores lugares para caminhar a noite, mas, o reflexo de sua mão até o coldre, na lateral do abdômen, não estava longe. Caso precisasse usar.

       Subiu os degraus, batendo quatro vezes no portão metálico com pichações coloridas. Tentou usar a campainha e viu que estava quebrada. Um senhor de sessenta e poucos anos, encurvado, aproximou lentamente, surgindo das sombras, até sua face iluminar pela luz do poste. A boca entreaberta e o olhar caído, logo encontraria com a face do delegado.

       - Já passa das dez e ninguém pode entrar – A voz do velho desgastada, quase não ouviu concluir.

       - Vim falar com escritor – Mostrou as credenciais, tirando do sobretudo cinza escuro.

       O velho era lento, mas não bobo. Reconheceu o brasão militar do homem de barba para fazer e queixo largo.

       - O escritor – Pigarreou - Ele não é de sair muito. Já deve estar dormindo.

       - Ele me aguarda. Por gentileza, abre o portão - Olhou para as duas direções ao ouvir o barulho de um veículo não tão longe.

       O estralar do cadeado rangeu na abertura do portão metálico. Dentro, um corredor escuro, com apartamentos velhos e mal pintados. Não tinha definições de cores a não ser pelas roupas na varanda. Quase todas as luzes estavam desligadas. O cortiço era mais no estilo anos 90. Não havia garagem para carros a não ser a viela de bicicletas. As portas, uma de frente para a outra, em uma distância de pouco mais de três metros. Quatro andares de cada lado formava um compacto corredor.

       - Apartamento sete, ao lado do branco. Não há números – apontou o velho pigarreando, depois de uma gargalhada malsucedida, quase sumindo a voz ao força-la.

       O delegado caminhou pelo corretor onde não tinha apartamento branco. Apenas uma mancha de cal, sobre uma parede de concreto escuro. Depois uma porta velha, em frente a um apartamento sujo. Mostrava alguém que não tinha muito tempo para a limpeza, ou talvez não queria. Sem flores ou grama para regar. Bateu na porta que abriu, sem insistir muito. O rapaz deu uma longa olhada para a entrada do residencial. Tinha a barba rala e o cabelo bagunçado. Tão bagunçado quanto o seu apartamento. Livros empilhados, folhas jogadas no chão e enlatados de comida vazio.

       Das apresentações formais e a falta de confiança, pouco depois, Silveira e o jovem escritor estavam de frente um para o outro em uma sala mal iluminada conjugado a cozinha. Caixas de papelão espalhados pelo apartamento. Não seria difícil analisar, talvez por acaso, que toda aquela bagunça poderia ser uma organização para quem as criou. Silveira notou pastas cor de creme sobre a mesa e numerações com frases de efeito. Preferiu deixar o garoto explicar tudo a seu tempo.

       - Depois daquele atentado... a entrevista... não tinha como guardar tudo isso... não para mim... eu eu eu acho – Sussurrou enquanto mexia a cabeça de um lado para o outro, cobrindo a face com as duas mãos.

       - Porque me procurou e como sabia meu número? – Silveira ainda estava em pé, olhando as pastas empilhadas. "Atitude faz o seu rumo ser diferente", estava escrito em uma das pastas, colada com fita e tinta preta. Não olhou para as outras.

       - Você é o único investigador no caso das construtoras.

       - Não sou o único. – Novamente lendo a frase sobre a pasta.

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