Talvez meu dia ficasse mais sombrio depois que eu recebi a ligação. Estranha de início. Mas depois que você ganha um concurso literário, já pode se achar um escritor. Um escritor de quinta, no meu caso. Não tinha almoçado, nem tomado café. Se você trabalha com algo nada comparado ao um verdadeiro trabalho, tudo fica mais difícil.
Duas ligações foram o suficiente para me convencer a faltar. Disse a voz que não me arrependeria e seria recompensado. A mesma voz me perguntou se eu era um escritor. Obviamente respondi que sim, então, marcamos uma suposta entrevista de trabalho.
Comi um cachorro quente e peguei dois ônibus até chegar na avenida da liberdade. Famosa pelos arranha-céus comerciais. Andei mais duas quadras até um prédio abandonado. Espelhado de um azul escuro e sujo e cercado com um extenso feixe metálico que se intercalava por outros feixes, igual uma cerca de metal improvisada. "PHEN" eram as siglas separadas em um pedestal de bronze quebrado.
Continuei caminhando, acompanhando a longa faixa amarela escrito em preto na vertical a palavra "interditado". Quando cheguei à esquina, vi a lanchonete que havia combinado na ligação. Parede de micro tijolos cor de terra e cartazes velhos e descolados. A região já foi movimentada e a lanchonete parecia estar vazia.
Passei pela esquina e atravessei correndo até a rua que cruzava com a avenida. Por um momento parei ao lado da lanchonete. Não era um escritor famoso e minha escrita estava em constante aprendizado. Não tinha o porquê alguém mover interesse em meus serviços. Mas, pelo suposto telefonema marcado, eu estava ali. Minhas pernas tremiam e não tinha como eu voltar. Flashes de memória passaram pela minha cabeça lembrando uma situação desagradável. Era um suposto plano daqueles que gostaríamos de ter esquecido. O sujeito que me ajudou está morto. Estou pagando a dívida para um moribundo.
Minha cabeça doeu. Já tinha perdido o dia no meu trabalho e os passes de ônibus. Humanamente não tinha valor nem vivo ou morto. Caminhei até a lanchonete vendo meu reflexo pela janela. Minha mão encostou na fechadura, a porta de fumê escuro refletiu minha silhueta. Empurrei e já estava dentro de uma conveniência velha que cheirava mofo. Mercadorias na estante e o freezer com uma das luzes internas com mal contato.
Cheguei até o caixa de atendimento. Velho e caindo aos pedaços.
- Tem alguém ai! – Gritei.
Menos de três segundos um sujeito magro de avental branco apareceu vindo de uma porta do outro lado do balcão.
- O que você quer? Está fechado. VÁ EMBORA!
Quase me virei e me mandei daquele horrível lugar. Respondi a ele que esperava uma pessoa. O asiático me olhou o suficiente para me convencer a me virar e ir embora. Voltando por onde entrei....
- Quem você está esperando?
Certo que eu não sabia. E minha resposta não saiu de alguém com confiança em si mesmo.
- Deixa pra lá – pensei alto.
- Qual o seu nome?
Quando eu disse, ele mudou sua afeição de água transformando em vinho. Apontou para uma mesa ao fundo de um corredor, arrumada e me aguardando para um encontro a luz de velas. Parei na porta e fiquei olhando para ele e para a mesa.
- Vou embora – virei abrindo a porta.
Já passava das duas horas da tarde e dois sujeitos altos, vestindo ternos pretos e sem gravatas, estavam em minha frente. Olhares fixos de androides controlados por controle remoto. Baixei a cabeça e abri caminho. Ao entrarem, um deles colocou uma das mãos em meu peito e delicadamente me empurrou.
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Caminhos De Uma Sentença
Misteri / ThrillerA história é sobre um esboço de um aspirante a escritor seguindo uma linha investigativa juntando o ponto de vista de quatro personagens e suas expectativas. Um jogo de traições, assassinatos e mentiras em um universo que um jovem escritor, revela e...