9: Como se conhecesse

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     Naquela noite eu não desci para jantar então fiquei no quarto e telefonei para o meu pai preocupada, no terceiro toque ele atendeu...
-Oi querida como foi a viagem?. Perguntou ele em um tom de voz desanimado.
-Foi boa pai, como o senhor está?. Perguntei desejando estar lá com ele.
-Ahhh...eu estou bem querida. Disse ele, mas eu sabia que ele não estava bem... suspirei.
-Tem certeza?. Perguntei de novo, o silêncio se estendeu por um longo minuto do outro lado da linha.
-Pai o senhor ainda está aí?. Perguntei preocupada.
-Como está seu tio?. Perguntou ele mudando de assunto.
-Ele está bem... pai... eu te amo.
-Eu também te amo meu amor. Sussurrou ele no telefone.
-Estou com saudades de casa... saudades do senhor, da escola, dos meus amigos... porque o senhor me afastou daí?. Perguntei, iria fazer uma pergunta diferente, quanto tempo eu ficaria ali mas acabei perguntando o que estava me incomodando naquele instante, fruto da insegurança e do abandono que sentia... eu sabia qual seria a sua resposta para essa pergunta, ele diria exatamente a mesma coisa que meu tio me disse... as lágrimas estavam ali em meus olhos mas eu as segurei.
-Já conversamos sobre isso Lena... você sabe que é perigoso e eu não posso perder você.
-Até quando isto vai continuar?! Até onde acha que eu posso suportar isso? Eu estou me sentindo tão sozinha... também estou sofrendo e a única coisa que eu queria era ficar perto do senhor!
-Lena querida eu tenho que desligar agora dep...
-Não faça isso comigo por favor... por favor pai. Implorei, estava com uma sensação desconfortável de que tinha algo engasgado em minha garganta e eu só queria gritar... ele desligou o telefone bem, atirei o celular na parede e fiquei chorando na escuridão daquele quarto gélido pensando no quanto preferia estar morta junto com a mamãe e Giovanna... se eu estava ali e não em casa como deveria estar como poderia ajudá-lo a passar pela dor? Como eu sobreviveria sozinha? Em algum momento tarde da noite eu adormeci de exaustão. No dia seguinte de manhã bem cedo eu já estava de pé me preparando para descer para o café e depois meu tio me levaria para conhecer o roseiral.
         Na frente do espelho eu tinha que admitir que eu estava horrível... tinha chorado demais na noite passada agora meus olhos estavam inchados tinha olheiras profundas estava parecendo que tinha adoecido... passei um pouco de pó no rosto caprichando nas olheiras, um rímel e soltei o cabelo que tinha me esquecido de desfazer a trança noite passada e deixei que ele ficasse ondulado daquele jeito mesmo, dei um passo para trás para dar uma última olhadinha, eu realmente não me importava com minha aparência mas não queria ter que explicar a ninguém... escolhi um vestido longo azul escuro com um decote v, calcei minhas botas pretas de cano médio sem salto, sai do quarto e andei pelo corredor de piso de madeira as portas estavam todas fechadas as mesinhas repletas de rosas, mais a frente virei a esquerda em direção às escadas, não havia um quadro naquela casa nem um porta retrato se quer, na minha casa o que não faltava eram fotos tiradas em zoológicos, circos, férias, museus, teatros, aniversários e muito mais até fotos de animais de estimação tínhamos... me lembrei de Julian nosso gatinho de pelagem cinza de grandes olhos amarelados que falecera no final do ano passado... parecia que tudo estava morrendo ultimamente... sacudi a cabeça para dispersar o pensamento e me concentrei nos fatos, tio Joseph era um homem solitário e triste, ele não tinha ninguém, também estava sozinho... eu já estava perto da cozinha quando ouvi uma conversa...
-Ela me pareceu tão tristinha e desanimada. Disse a senhora Austen, eu fiquei ali de costas na parede para ouvir... a porta estava entreaberta.
-Ela é tão linda não é? Seus olhos são escuros e tão profundos como os do senhor Lindenberg. Disse uma voz que não reconheci mas deduzi ser de Branca.
-Sim é mesmo... e é uma fatalidade ela estar passando por tal sofrimento sendo ainda tão jovem. Disse Louise, Sra. Austen concordou.
-Sim é mesmo.
-Mas com o tempo tudo passa...
        Eu suspirei e entrei na cozinha elas me viram e se levantaram e sorriram para mim.
-Bom dia. Disse me sentando a mesa já posta.
-Bom dia senhorita Lindenberg. Disseram as duas ao mesmo tempo... ia ser difícil fazer com que elas parassem de me chamar de senhorita a cada segundo ou melhor... impossível.
-Meu tio ainda não desceu?. Perguntei tomando meu chá.
-O senhor Lindenberg já está a sua espera no estábulo senhorita. Disse Branca, ela estava usando um vestido verde água muito bonito e seu cabelo estava preso em um coque alto, eu me levantei terminando de tomar o chá.
-Não precisa ter pressa senhorita, seu tio disse que poderia tomar seu café tranquilamente. Disse Louise com um olhar amável.
-Não, tudo bem, eu não estou com fome... o chá estava ótimo muito obrigada... mas aonde fica o estábulo?. Perguntei, desesperada para sair logo da casa e andar um pouco ao ar livre.
-Eu lhe acompanho senhorita. Ofereceu Branca e nós duas saíamos pela porta da cozinha.
      Lá fora o céu já não estava mais nublado, mas as nuvens aglomeravam no céu, o sol brilhava perpassando com seus raios pelas gotículas de sereno da grama verde escuro, estava contente por estar ali fora... ouvindo o canto tímido dos pássaros nos arbustos e por ter me esforçado para sair da cama mais uma manhã... enquanto pensava na conversa que tive com meu pai... no quanto eu estava profundamente chateada com ele por ele ter decidido me ignorar do nada, sentia que alguma coisa estava errada mas que escolha que eu tinha? Nenhuma, ele não me deixou escolha... também pensava nelas como sempre, mamãe e Giovanna, elas nunca jamais me ignorariam daquele jeito... elas jamais me deixariam... mas elas se foram.
-A senhorita me parece um pouco abatida... como se estivesse ficando doente. Notou Branca quebrando o silêncio.
-Não é doença... é só tristeza mesmo. Disse a olhando pelo canto do olho.
-Ahhh... me perdoe senhorita, prometo não incomoda-la novamente. Disse ela, ao longe podia ouvir os cavalos...
-Não incomoda... pode perguntar o que quiser Branca. Disse suspirando com a brisa leve da manhã que passava em meu rosto, o ar era tão puro.
-Parece me que a senhorita está se sentindo... aliviada. Disse ela, eu assenti.
-Caminhar ao ar livre... ultimamente, tem sido de certa forma uma necessidade para mim Branca... porque se eu me enterrar dentro de casa... corro um sério risco de selar o meu próprio caixão e nunca mais sair. Disse a ela que arregalou os olhos.
-Entendo. Disse ela, depois de um longo minuto.
-Na verdade... ninguém entende realmente Branca... nem eu as vezes entendo. Reconheci e depois de dez minutos já estávamos no estábulo e tio Joseph estava lá conversando com um cavalo de pelagem escura, alto e robusto, imponente.
-Bom dia, meu anjo este aqui é Thunder... ele é seu. Disse tio Joseph eu cheguei mais perto do cavalo e acariciei seu pescoço.
-Obrigada tio ele é lindo. Disse surpresa com um leve sorriso.
-Porque não o monta? Vou pegar a Rain. Disse ele me entregando as rédeas do cavalo, eu subi nele surpreendendo-me com minha agilidade afinal fazia um certo tempo que não fazia isso, Thunder era mesmo muito alto tive que dar um impulso maior do que o necessário para conseguir me colocar em cima dele.
-É um belo cavalo senhorita. Elogiou Branca, eu assenti sorridente com meu presente inesperado, meu tio voltou com uma égua branca e montou rapidamente.
-Então pronta para irmos ver as rosas?. Perguntou tio Joseph.
-Sim estou pronta. Disse experimentando a primeira centelha de entusiasmo em semanas, ele assentiu e disparou na frente, eu o acompanhei facilmente meu cavalo era insuperável... logo eu estava na frente correndo em campo aberto sentindo o vento jogar meus cabelos para trás a sensação era tão boa que parecia que eu estava voando... tio Joseph me acompanhou com ímpeto e acenou com a mão para que eu o seguisse, mas eu fui na frente mesmo assim como se algo dentro de mim me guia-se... nós diminuimos a cavalgada para um trote mais suave, um pouco mais a frente atrás de uma fileira de árvores vislumbrei um campo de roseiras... brancas, amarelas, vermelhas, cor de rosa tinham dezenas de cada cor... desci do cavalo junto com meu tio e nós os amarramos em um galho grosso do tronco de uma árvore caída eu praticamente corri até as rosas elas eram tão espessas, volumosas e seu perfume era inebriante.
-São lindas... não tenho palavras para expressar o que estou sentido, este lugar é magnífico!
-Eu sabia que você iria gostar... e por isso eu pedi que trocassem o balanço antigo daquela árvore por um novo, tenho certeza de que vai querer vir aqui mais vezes não é mesmo?. Perguntou ele que apontou para um balanço pendurado em uma árvore próxima da onde havíamos deixado os cavalos... eu assenti olhando o balanço. Sim... eu podia me ver vindo ali mais vezes.
-As roseiras já estão em nossa família a décadas, mais de dois séculos eu ouso estimar... eu jamais poderia destrui-las, são o símbolo do um amor de um homem por uma jovem e encantadora mulher... as terras nem sempre foram nossas, foram um presente de casamento do senhor que as detinha para sua amada, logo que se casaram ele mandou que fossem plantadas dezenas de roseiras de todas as cores em homenagem ao amor dos dois que cresceu e florescereu como estas mesmas flores. Contou tio Joseph, enquanto eu corria até as roseiras amarelas.
-É uma bela história.
-Porque não fica aqui... eu tenho que voltar para resolver algumas coisas, poderia me perdoar se eu me ausenta-se por algumas horas?
-Está bem tio eu já sei o caminho vou ficar mais um pouco. Sorri sem olhar para ele.
-Até daqui a pouco então. Disse ele pegando o cavalo e partindo.
        Depois de percorrer por uma boa meia hora o roseiral eu me cansei, colhi uma rosa branca e fui até o balanço de madeira pendurado em uma árvore grande cujo os galhos eram grossos as folhas espessas e juntamente com as outras árvores formavam quase uma única sombra era um verdadeiro mar de sombras... me sentei ali e fechei os olhos ignorando o tempo que fechava, as nuvens carregadas cobrindo o céu e deixei que vento trouxesse o perfume das rosas até mim, as lembranças mais doces, aqueles momentos mais marcantes de uma alegria que nunca mais voltaria... mas de algum modo eu me sentia tão bem naquele lugar como se já tivesse andado por aquele roseiral uma dezenas de vezes, como se já tivesse sentado naquele mesmo balanço outras dezenas de vezes, como se tivesse estado ali por toda a minha vida... como se conhecesse àquele lugar, como se de alguma forma eu pertencesse àquela terra, fosse parte dela.

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