Capítulo 14

44 5 0
                                    

Rodrigo

"Uma lembrança... Faz sentido se realmente for uma. Foi real demais para parecer um simples sonho...Ainda mais a familiaridade que senti com os diversos elementos apresentados."

Seguindo esse raciocínio, vasculho minhas lembranças em uma tentativa frustrada de conseguir descobrir algo que tivesse relação com o sonho. Tudo o que consigo é sentir uma forte enxaqueca. 

Abro um dos armários na cozinha e pego a caixa de remédios. Tomo logo dois comprimidos de Neosaldina e, como perdi o sono, resolvo por uma roupa. 

Desligo o ar do quarto e ligo a luz, visto uma bermuda e uma blusa sem manga. Me sentindo bem à vontade, saio do cômodo e entro na sala, ligando a televisão. Confiro a hora no meu celular e vejo que, mesmo se eu quisesse voltar a dormir, não adiantaria pois teria pouco mais de meia hora antes de levantar.

Coloco em um canal de notícias e volto para a cozinha. Preparo um café e faço um sanduíche com o que tenho disponível na geladeira. Retorno à sala e sento na mesa, de frente para a TV.

Depois de alguns minutos, meu celular começa a tocar. Estico o braço para alcançá-lo e olho a chamada e, como se nada pudesse piorar minha manhã, atendo Otávio que está do outro lado da linha.

- O que houve, Otávio? - disparo.

- Bom dia pra você também.

- Diga logo, Otávio. Sem muita enrolação. - suspiro pesado - Meu dia tá cheio hoje e não quero que você o estrague me deixando de mau humor.

- Relaxa, meu irmão. - ele dá uma risadinha sarcástica - Conversar com você também não é um dos meus prazeres mas sou seu único irmão mais velho que pode colocar juízo na sua cabeça de vez em quando.  

- Então, tenho que reformular minha pergunta: O que a mãe e o pai querem? - adivinho que os únicos responsáveis por essa procura de Otávio sejam eles.

- Querem que você vá ao evento de negócios. Sei que você não curte isso. - ele começou - Mas veja... A mãe está quase tendo um colapso. - eu ri com isso - Ela ainda não aceitou você estar morando sozinho e fazendo da vida o que ela não quer pra você. - sinto prazer na voz dele ao ouvir seu relato.

- E isso deixa tudo ainda mais divertido.

- Sim, admito. Muito divertido. - escuto ele rir - O pai  não anda bem ultimamente. - a voz dele mudou.

- Aconteceu algo com ele? - me preocupo.

- Nada. Na verdade, ele queria que você participasse mais vezes dos assuntos que dizem respeito à empresa. Afinal, ela também é sua. Devia dar um pouco de atenção a isso.

- Eu sei...

- Enfim, eu não estou te ligando para dar sermão. Liguei para te convencer, em nome deles, a ir  para a festa. Nada de inventar desculpas desta vez porque não vai colar. 

- Eu vou. Já tinha decidido. Esqueci de avisar. 

- Ótimo. Contarei a notícia.

- Que seja. - olho a hora e vejo que é melhor me mexer - Agora, se não tiver mais nada para me contar, vou desligar. 

- Que pressa é essa, hein? - ele indaga desconfiado - Por acaso vai ver alguém hoje?

- Como se fosse da sua conta o que faço ou deixo de fazer. Não quero duas mães. Uma já me basta.

- Vai ver Helena? - ele pergunta e sinto sua voz ficar sombria.

- Otávio, já foi tomar no cú hoje? - desligo o celular irritado e o jogo sobre a mesa.

" Cara chato da porra! Que merda!" , penso mas logo me sinto meio nervoso.

Conhecendo Otávio do jeito que conheço, ele vai aprontar alguma coisa. Me deixar puto é seu jogo favorito e ele não mede esforços para conseguir isso. Desde quando me lembro, sempre foi assim. 

"Bom, não estou com muito tempo para ficar fazendo suposições do que ele fará. Tenho que terminar tudo o mais rápido possível para encontrar Lena" e com esse pensamento, troco de roupa, pego minha carteira, chaveiro e o quadro e saio de casa.

Logo após terminar de lavar meu carro, recebo uma ligação do professor da faculdade, me agradecendo pela pintura. Em seu pequeno discurso ao celular, diz que sua esposa amou e que ela só sabe falar aonde gostaria de pendurá-la, me advertindo que muito breve irá querer novos quadros. Fico contente ao ouvir a empolgação na voz da esposa ao fundo e a dele com satisfação pelo efeito causado. 

Após muito agradecer os comentários maravilhosos, desligo a chamada, dou uma checada no celular e vejo que tem novas mensagens, todas de Otávio.

'Pena que está muito ocupado hoje.'

' Estava pensando em te chamar para ouvir algumas daquelas histórias que você gostava quando era criança'

' Parece que a diversão será apenas minha'

Embaixo desta mensagem, ele me mandou uma foto de Lena, sentada com um livro na mão, de frente para várias crianças. Uma visão que eu conhecia muito bem. Estava linda, como sempre.

' É... Agora vamos ver se o lenhador chegará a tempo de salvar a pobre chapeuzinho do grande lobo mau'

Acabei de ler aquela última mensagem e já fui ligando o carro, me sentindo cada vez mais puto a medida em que progredia meu percurso até a biblioteca. Eu sabia que ele faria algo, só não imaginava que fosse Lena seu alvo para me irritar. 

Assim que estaciono perto da grande porta, corro para dentro e vou logo na menina que fica no balcão, a qual sempre esqueço o nome.

- Olá, bom dia. - disparo sem ao menos deixar a menina responder - A Helena está? - pergunto com receio.

- Não. - responde com evidente decepção - Ela saiu mais cedo hoje.

- Sabe onde ela foi? 

- Não sei... Mas ela saiu não tem tanto tempo. Talvez uns 15 minutos. - ela abaixa o olhar, voltando a escrever algo em um post it - Ah! Ela estava acompanhada. Um homem alto e de terno saiu com ela. 

" Merda"

- Ok. Obrigada. - agradeço e volto em direção à porta novamente.

- De nada Rodrigo. - ela grita em resposta.

Me encontro novamente na rua e me sinto agoniado. Meu celular volta a vibrar com um toque de mensagem.

' Tique-taque. Tique-taque. Será que a chapeuzinho já foi comida pelo lobo mau? '

Fervendo de raiva, digito uma resposta para aquela provocação toda.

' Onde você está, seu filho da puta? ', envio e já recebo uma resposta.

' Mais perto do que você imagina'

'ONDE??'

' Digamos que na casa de uma bruxa, tomando um café com João e Maria '

Reflito rapidamente sobre isso e tenho um palpite. Corro para a cafeteria, torcendo estar cedo com minha adivinhação.

Pela janela, consigo ver Lena conversando com ele. Sinto um alívio por tê-la achada mas uma ira explode em meus nervos e entro na cafeteira com tudo. Abro a porta com brusquidão e vou até a mesa.  

- O que que está acontecendo aqui? - esbravejo. Escuto Lena falar algo mas minha raiva me deixou com a visão turva e meus ouvidos surdos. 

Sem ao menos cumprimentá-la, parto para cima de Otávio e soco seu rosto com uma força suficiente para deixá-lo com um belo hematoma mas sem que o apagasse. Consigo obter sangue em retribuição pelo soco dado e espero por sua reação, Lena tentando me acalmar.

" Isso já foi longe demais. Não vou permitir que ele se meta com ela. Nem agora, nem nunca"  

Minha Querida Jane - My Dear Jane Onde histórias criam vida. Descubra agora