Capítulo 5 - Natalie

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Fico paralisada. Ele fechou a porta na minha cara! Sério, cara? Não poderia ter sido mais educado, tipo só um pouquinho de nada? E... estendo minha mão, começa a cair pequenos pingos de água nela. Olho para o chão e vejo que ele começa a se molhar; o vento começa a ficar mais forte e, consequentemente, a chuva também. Essa é minha deixa. Começo a correr, correr para um lugar que tenha um teto que não ameace desabar. Outras pessoas dançam na chuva, se beijam na chuva, pulam na chuva, gritam ou cantam na chuva. Já eu, corro da chuva.

Não porque pode cair um raio da minha cabeça ou algo parecido; e sim porque, tudo de ruim que aconteceu comigo, ou com a minha família, foi quando começou a chover. E o resultado disso foram cinco mortes que aconteceram ao longo da minha vida. As duas primeiras aconteceram quando eu tinha oito anos. Meus avós tinham um barco, e um dia começamos - eu, meus pais, meus avós e minha irmã - a velejar nele; duas horas se passaram e a chuva já tinha começado. Ela se tornou uma tempestade feia, muito feia. E o barco deu uma de Titanic, levando com ele a vida de meus avós.

Mais duas mortes aconteceram durante e depois de um acidente de carro: chuva forte, meu pai não conseguia enxergar nada e um bêbado bateu no nosso carro, fazendo bater em uma árvore. Meu pai morreu na hora, minha mãe bateu a cabeça e ficou em coma, minha irmã quebrou o braço e eu quebrei a clavícula e fiquei sem conseguir movimentar direito a mão. Bom, na verdade, acabou danificando os nervos da minha mão esquerda e, depois de muito tratamento, eu conseguir fechar só o polegar e o indicador - apesar deles ainda doerem e ficarem tremendo igual aos outros dedos, fazendo com que minha mão fique tremendo e eu pareça ter mal de Parkinson. Nunca vou esquecer o apelido que me deram na escola, Dra. Stranger. Três meses depois do acidente, começou a chover; e essa maldita chuva provocou um apagão, resultando na morte da minha mãe: a energia acabou e os geradores demoraram a funcionar e minha mãe, que já estava mal, teve uma parada cardíaca e morreu. Eu tinha quinze anos na época. A última morte foi a de Michelle, minha irmã. Ela tinha cuidado de mim quando nossos pais morreram, tinha vinte e cinco na época; já era casada e tinha uma filha de cinco anos (que veio antes do casamento e enlouqueceu todo mundo). Michelle estava voltando para casa, à pé, quando um homem a abordou. Ela não hesitou e deu tudo de valor que tinha, mas, mesmo assim, ele atirou nela e fugiu. Socorreram-na, mas ela não resistiu. Ah, e estava chovendo. A partir daí, eu nunca ouso ficar perto da chuva.

Chamo um táxi com a mão e entro nele. O taxista pergunta o destino e fala o endereço da casa da Clara. Quero ver em quais novas encrencas aquela mulher se meteu. Será que estourou o cartão de novo ou algo do tipo? Ah não, se ela tiver com dor de cotovelo de novo... Chego na portaria do condomínio, desço do táxi e pago o motorista. Passo por Mônica que me deixa ter livre acesso a... sei lá, desde que eu me entendo por gente, eu acho.

Fiquei olhando para as mansões enquanto passava por elas. Sempre tive vontade em morar numa casa dessas: com grandes cômodos e móveis que custam o olho da cara, sabe? Aliás, quem não tem? Talvez que tenha, enfim... o ponto é que isso me distrai.

Imaginando minha vida se eu fosse filha de um ricaço, ter tudo o que eu quero e ter outros para acatarem minhas ordens. Fazer viagens pra qualquer lugar, gastar minhas coisas insignificantes, conhecer atores de Hollywood; deixe-me pensar... compras roupas, sapatos e bolsas de grife, todo santo dia fazer manicure e o cabelo e claro, ir para esses eventos chatos que a Clara vai (cada um com um homem diferente).

Paro de frente na quarta mansão da "rua" 3b. Por que se ter tudo que houver de bens materiais, se não tiver a família. A vida dela sempre foi assim, apesar de por fora só demonstrar alegria; tenho que elogiar o criador da máscara que ela usa, esconde bem as lágrimas. Os pais, de acordo com as empregadas mais antigas, eram até um pouco felizes. Achavam que se amavam, mas era o contrário, era só paixão ou algo do tipo; a mãe de minha amiga achava que a gravidez poderia fazer o marido amolecer e começar a amá-la. Estava errada. A cada ano que passava, eles brigavam mais e mais, e Clara sofria em silêncio. Sorria forçadamente quando era necessário, igual ao resto da família. Fiquei sabendo também que houve um tempo que seu pai teve uma amante, a mãe ficou furiosa, e quase se matou por causa disso. Foi um susto bem grande e ela tomou um maior ainda quando soube que o marido iria deixa-la por outra mulher. Os três anos que se passaram foram os mais difíceis de todos da vida de Clara - com tantas tentativas de a mãe tirar a vida. No final de tudo, o pai dela se mudou para a Austrália com a nova esposa, a mãe está num hospício e Clara... chora toda noite e pensa que pode terminar pior que eles. Sabe quando os filhos acham que irão ter um destino igual ou pior que o dos pais. E eu faço o que uma boa irmã postiça faria.

O mordomo abre a porta e me cumprimenta com um gesto e depois aponta com queixo para o andar de cima. Clara me ligou umas trinta e cinco vezes ao caminho da sua casa. Sempre foi assim, a partir do acidente de carro, eu vou pra casa dela e ficamos encolhidas na cama dela - assistindo Sense8 ou Supernatural, e sim, o Dean é meu e não dela - até a chuva passar. Isso pelo menos quando ela não está com hum... digamos uma pessoa (diferente cada vez que pergunto). Abro a porta do seu exagerado e grande quarto, pulo na cama e pego meu potinho de sorvete.

- Nem nenhum acidente ou algo do tipo. - assegurou, depois de me olhar - ela é um pouco protetora as vezes.

- Calma, isso aqui não é Temporada de Acidentes. - falo.

Ela me olhar com um olhar reprovador e me dá um tapa na cabeça. Ai, meu osso parietal!

- Ei! Eu sou um saco de pancadas não, tá?

Ela alisa o lugar da minha cabeça onde bateu.

- Só da vida, né? - ela suspira a fulmino com o olhar. - Desculpa - murmura.

- Não somos tão diferentes, nesse caso.

Ela assente e vamos assistir Supernatural, como assim o cara morreu e...

- Entregou o seu capítulo seis?

Franzo o cenho, ata.

- Sim.

- E?

Bufo.

- Só para! Ele vai ler e vai dizer que viu coisa melhor.

Ela pondera por um tempo e depois me olha.

- E essa "coisa" melhor seria a saga dele? - faz aspas com os dedos.

Ok, eu tenho uma pequena esperança de que ele e a equipe gostem do livro. É um romance fora do normal! Quem não gosta de um romance fora do normal? É tipo, no começo tem um provável romance, só que ele não acontece. Daí o improvável acontece: faço um romance impossível ser possível. O problema é que, simplesmente, não fica aquilo que eu planejei na cabeça. Quando eu vou escrever, não sai; eu tenho um bloqueio ou algo do tipo.

- Está com medo de ele não sentir o que você sentiu quando imaginou tudo. - afirmou, voltando a atenção.

- Você sabe, quando eu escrevo algo, eu quero que o leitor sinta tudo o que eu senti, veja tudo o que eu vi.

- Eu sei. Mas seu problema é só nas cenas em que as personagens estão... interagindo.

- Como assim?

- Bom, deixe-me pensar em uma forma de lhe explicar. - lá vamos nós. - Lembra quando estávamos nos Estados Unidos, e conhecemos aqueles dois caras? - Balancei a cabeça. - Ótimo. E também lembra quando eu falei o que eu pensei...

- Já entendi. - interrompo-a, voltando minha atenção para a TV. Vai lá, Dean, mata o demônio!

- Olha, eu só tô querendo te ajudar. - volto, novamente, minha atenção pra ela. - Sério. Talvez o Felipe não esteja fazendo o trabalho dele direito, melhor, tenha feito.

Arregalo meus olhos e escancaro a boca. O que diabos?!

- Não foi isso que eu quis dizer, era só... caramba!

Eu estava pronta para gritar, quando olhamos para a TV e vimos... o que se vê em Supernatural, fica em Supernatural; o resultado disso foram gritos, meus e dela. Coloco minha mão no peito e tento fazer a adrenalina sair da minha corrente sanguínea. Quando finalmente me acalmo, olho para ela.

- Ele faz muito bem seu trabalho. É só que, quando eu imagino toda a cena e os pensamentos, eu consigo me envolver e sentir; mas quando vou escrever, eu paro. Bloqueio.

- Entendo.

Continuamos assistindo o resto do dia e parte da noite, até cairmos no sono.


Até Que A Luz Se ApagueOnde histórias criam vida. Descubra agora