Depois que me recomponho vou para minha pequena mesa. Não preciso olhar para a sala que está atrás de mim para saber que Alex está lá dentro. Pego meu lápis grafite e fico batucando ele na mesa. O que será que eu vou fazer? Falar ou não para Felipe sobre o beijo? Se eu contar, ele vai morrer de raiva e nosso relacionamento pode ficar pior - mais do que já tá. Batuco o lápis mais rápido. Se eu não falar, vou ficar me culpando e isso um dia vai escapulir e já era Natalie. Batuco com mais força e rapidez. Por que eu fiz aquilo? E se Felipe ficar sabendo por outra pessoa? Batuco mais forte e rápido. E se... Ouço um leve CRAK e percebo que me lápis quebrou.
- Malditos lápis baratos! - resmungo, jogando as duas metades na pequena lixeira de metal.
- Algum problema, Nat?
Pulo na minha cadeira. Amanda... um dia ela se arrepende.
- Por favor, Amanda. Quer que eu pare no hospital?
- Não. Só vi você um pouco estranha. - ela se apoia na minha mesa.
Olho pra ela.
- Eu sou estranha - ergo a mão esquerda - Está vendo?
- Ah, como se isso te atrapalhasse. - Abro a boca, mas ela continua - Você tem ainda aquele deus grego, certo? - assenti, horrorizada - Ótimo, então estamos entendidas. - a observo um pouco.
Amanda tem uma vida um pouco normal, é divorciada e tem uma filhinha de cinco anos que vivi direto na casa da avó. Depois do divórcio, ela tentou outros relacionamentos. Mas qual é o cara que, hoje em dia, quer se envolver com uma mulher que tem uma filha ou que é enfiada no trabalho? Nenhum que ela encontrou queria o "pacote família", então, ela se divertia quando podia.
Ela se despede e vai para seu cubículo; de lá, aponta, discretamente, o indicador para o corredor. Olho e vejo um homem e...caraca! Ele parece ser o próprio Alex, tirando a cor dos olhos e o olhar de desdém (diferente de Alex que ora tem um olhar vazio e ora um olhar...vamos dizer...faiscante). O sujeito percebe que estou encarando, dá um sorriso preguiçoso e vem na minha direção. Deus, um Nogueira por hoje já não foi o bastante por hoje?
Sacudo a cabeça e tiro a corrente do meu pescoço e brinco com o anel. Conto ou não conto. Tiro o anel, fico girando ele entre o polegar e indicador. É melhor não contar. Colocar a lembrança do beijo em algum lugar, bem fundo, da minha mente. Foi um erro e nunca vai ter importância pra mim, então adeus. Coloco o anel de noivado onde ele deve estar e guardo a corrente.
- Com licença, eu estou procurando Alexander Nogueira. - Olho para o homem que estava no corredor agora a pouco.
Não, ele não tem nada parecido com Alex. De longe talvez seja, porém de perto são mais distintos que fogo e água. Ele é mais pálido, tem os cabelos cor de areia e os olhos cor de gelo. E, pelo olhar desdém, com certeza ele deve ser um gelo por dentro.
- E quem o senhor seria? - pergunto.
- I-irmão dele. Meio-irmão, na verdade. - Olha além de mim e sigo seu olhar, sobre meu ombro.
Lá está Alexander, entre as estantes de livros. Ele segura um livro na mão esquerda e um papel na direita; as sobrancelhas levemente franzidas. Coloca o papel entre as páginas do livro e olha ao redor, como se soubesse que alguém o observa.
Ele encontra o olhar do irmão, sem me perceber. Viro para o sujeito atrás de mim e o vejo apontar para a sala do meu chefe e entra nela. Olho novamente na direção de Alex quando escuto um baque, não muito alto, no chão, o livro que segurava caiu no chão. Mas ele não o apanha e seu rosto me assusta: pálido como nunca o vi e olhos faíscam de...raiva? Cerra os punhos; e corre para sala - fazendo a porta bater fortemente quando passa. Amor de irmãos é lindo.
Levanto e vou pegar o livro abandonado no chão. Ele está aberto, entre as páginas está a...carta? Mordo o lábio. Abro ou não? Argh! Minha vida se resume nisso agora? Dane-se as regras! Olho ao redor, todo mundo concentrado no seu trabalho. Ótimo. Engulo em seco e abro.
E vejo, refletido em seus olhos:
A dor que consome, dia após dia.
O brilho foi embora.
E o que resta agora?
Eu, você em um mundo,
Juntos.
Fico confusa. Pra quem diabos ele escreveu isso? E se... Ah meu Deus! E se a pessoa que deveria estar lendo isso agora está me vendo? Mas então por que me beijaria, se tem outra? Talvez tivessem brigado e ele queria esquecê-la e - se ela está me vendo - acha que a destinaria das cartas agora sou eu. Coloca rapidamente a carta no lugar dela e deixo o livro na estante. Olho sobre o ombro, ninguém me viu.
Pego o livro novamente e passo as páginas. Só aquela carta. Deixo o livro na estante - de novo - frustrada. Será que é a primeira vez que ele faz isso? Se não, então como eu nunca notei? Pego outro livro - aleatoriamente - da mesma estante. Passo as páginas e... BINGO! Outra.
Ao quê brindamos?
Vida, conquistas ou sucesso?
Eu brindava ao nosso amor,
E você, pela armadilha que impôs.
Deviam ter brigado? Talvez sim ou não? Ou será que isso tudo é uma paranoia minha, a parte de ele estar escrevendo para alguém? Quero dizer, as pessoas podem escrever cartas só por escrever, certo? Mas, não sei. É como se ele colocasse algo nas estrelinhas, uma dor. Um dor causada pelo o amor, quem sabe.
"E você pela armadilha que impôs". Com certeza uma ilusão amorosa.
Escuto a porta da sala de meu chefe se abrir e vejo que seu irmão sai dela. Rapidamente coloco o livro de volta na estante e volto para minha mesa. Alex coloca a cabeça pra fora e, quando está olhando de um lado para outro, pega meu olhar. Sua expressão suaviza e aqueles olhos começam a faiscar novamente, mas não de raiva. Desvio o olhar e, depois de um momento arrepiante, ouço a porta se fechar. Só aí percebo que prendia a respiração. Exalo com força. O dia vai ser longo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Até Que A Luz Se Apague
RomanceNo mesmo instante que Natalie fica noiva, Alexander sofre a perda do irmão e "desfruta" de uma paraplegia. Um ano e meio se passa desses momentos impactantes, o caminho dos dois se cruzam. Ela aos poucos vai tirando aquela dura armadura que o proteg...