- O que foi, laranjinha? - pude ouvir risos da turma inteira.- Não tem boca para se defender?
Me encolhi ainda mais na minha cadeira, tentei ao máximo esquecer que meu cabelo estava enredado nas cascas de ovos podres que Thomás havia quebrado com força no topo da minha cabeça.
- Olha só, a otária não tem nem força para se defender - sua namorada, Alicia, tomou o comando do grupo.- Sabe de uma coisa, nome-de-homem? Ninguém gosta de você. Porque que não sai logo daqui?
Sem querer, deixo uma lágrima cair na mesa. Porque ela estava fazendo isso? Solto o ar assim que ouço o sinal tocar, e todos vão para seus devidos lugares. Como podem agir com total naturalidade?
- Bom dia, turma.- Srta. Belly entra na sala com seus olhos ocupados na papelada que trazia.- Peço desculpas para vocês, mas... - para me fitando. - De novo, Emerson?
Todos os professores estavam acostumados com as brincadeiras de mal gosto dos meus supostos colegas. Só que assim como eu, eles optavam por ficarem quietos já que não havia alguém específico nas brincadeiras.
Sempre preferi não aglomerar, e nem deixar as pessoas com pena. Por mais que me doía...
-Posso ir na diretoria?- pergunto, deixando a voz embargada à mostra.-Q...Quero ligar para meus pais.- todos me olham desconfiados, mas sabiam que eu nunca contava.
-Pode me acompanhar até o corredor?- perguntou-me, depositando seus materiais sobre a mesa simples de madeira.- Enquanto isso... Quero que todos abram os livros de português na página 47. Como próximo assunto, estudaremos um pouco mais sobre romantismo, suposto tema para cair em alguns vestibulares. Leiam e logo após iremos debater. - como terceiro ano do ensino médio, todos os professores estão revisando alguns assuntos para vestibulares, o pior de todos era com Belly, português.
Tomou minha mão e guiou-me até um canto do corredor.
- Emerson, isso já está ficando grave. - seus olhos estavam arregalados- Já faz muito tempo, desde o início do ensino médio e...
- Srta Belly, esse ano já estava no meio, então não tem o "porque" de se preocupar- tentei reunir o resto da minha força- Assim como aguentei os anos anteriores, posso segurar as pontas mais um pouquinho. Por favor!- ligeiramente meus olhos se encham de água.
Pude ver seu pé batendo batendo repetidas vezes no chão. Esse era seu tique nervoso, em todos os momentos tensos ela sempre os batia. Belly bufa, derrotada.
-Não posso ir contra, quem deve falar isso para os responsáveis é você. Eu não tenho provas para poder te defender, se as tivesse...- esfrega as mãos no rosto- Muito bem, está liberada.
Caminho lentamente para a sala, pego meus materiais. Assim que estava a sair, ouço Thomás, namorado da Alicia, dizendo:
-Até amanhã, cenoura-estragada. - um sorriso malicioso tomou conta de seu rosto de modelo.
-Espero que não haja um amanhã.-falo nos meus pensamentos.- Por favor, Deus.
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Caminho lentamente para casa, um passo mais devagar que o outro. Não queria chegar e enfrentar as perguntas da minha mãe... nem as de Adam, meu irmão. Ele sabia desde o começo sobre meus "problemas", mas nunca lhe dei permissão de falá-los para mamãe. Mesmo no auge de seus 22 anos de idade, Adam nunca se envolveu com alguém, sempre trabalhou no restaurante mais frequentado da cidade. Pode-se dizer que tenho um chefe-irmão morando no mesmo teto que eu. Mamãe já tem o próprio negócio, formou-se em direito e optou por advocacia.
Perdida em meus pensamentos, pouso o olhar em um garoto sentado aos pés de uma árvore de um pequeno jardim da vizinhança. Seus olhos pareciam estar ocupados com o livro que estava depositado em suas mãos. Ele percebe a minha atenção e se vira para encarar a estranha, droga.
No mesmo instante, meus pés me enganam e acabam tropeçando em uma elevação na calçada. Vou com tudo para o chão.Grande Emerson!
Percebendo sua aproximação, coloco rapidamente o capuz escondendo meus cabelos sujos. Particularmente não queria que o sujeito visse a cor deles, por mais que já tenha dado uma breve olhada.
Levanto-me rapidamente e tateio o chão a procura da minha mochila e meus óculos. A miopia sempre atrapalha em momentos assim, só enxergava tudo embaçado.
-Hey- sua voz me causou arrepios, e pelo jeito estava próximo- Deixa eu te ajudar.- ele chegou perto e pegou minhas coisas.
-M...Meus óculos- droga.
- Aqui- colocou cuidadosamente em meu rosto. Assim que focalizei seu rosto fui um pouco para trás. Aquele sujeito estava sorrindo abertamente e mostrando a carreira perfeito de dentes brancos.- Eu sou o Bernardo.
Meu corpo tremia, olhei rapidamente para sua mão estendida. Estranhamente aquela cena estava me amedrontando, quando me dei conta já havia dado no pé sem agradecê-lo.
Parei de correr assim que adentrei em casa, precisava acalmar meus batimentos.
- Ah, você está aí - grito ao ouvir Adam logo atras de mim- Me ligaram da escola. - encruzou os braços.
Depositei minha mochila no sofá e o abracei. Sem querer deixo algumas lágrimas caírem. Adam acariciava meus cabelos por cima do capuz
- O que aqueles idiotas te fizeram?
Tiro o casaco e deixo os cabelos penderem pelo corpo. Seus olhos se esbugalharam no rosto.- Ovo podre de novo, parece que os seus colegas adoram repetir brincadeiras sem graça. Quem foi o comandante dessa vez?
- Thomás e...
- Alicia.- Adam sabia o nome da maioria do pessoal desde o começo do médio. Principalmente o casal-pancada.- Emerson, precisamos tomar uma providência, por mais que você ore e clame ao teu Deus... Não adianta não fazer nada e ficar com os braços cruzados.- ele nunca foi evangélico, meus pais o incentivavam ir nos culto conosco, mas preferia ficar em casa lendo receitas. Adam sempre respeitou nossas decisões, "por mais estranhas que sejam", como ele dizia.
Sento na bancada da cozinha respirando fundo, sabia que estava certo, mas era muito difícil tomar uma iniciativa. Sempre o admirei... nunca teve medo de algo, levava tudo na maior tranquilidade e, em momentos, era muito autoritário.
- Meu irmão,vamos deixar isso de lado, já estamos terminando o ano e em breve - se Deus quiser - Vou entrar numa faculdade e PUFT - sinalizei com as mãos uma pequena explosão - Tudo volta a ser normal.
Caminhando de um lado para o outro quase pude ver as fumacinhas da engrenagem na sua cabeça.
- Dessa vez você venceu, Ême. - sorriu com o apelido carinhoso - Irei deixar você mesma resolver isso. Muito bem, preciso ir no mercado comprar algumas coisas, vai ficar bem?
- Maravilhosamente
Se despede com um beijo na minha testa e sai porta a fora.
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Meu Amado
SpiritualCom seus cabelos ruivos e com óculos de grau, Emerson sempre foi alvo de bullying. Chegou um momento em que não acreditava mais em reciprocidade, mas Deus apenas aguardava o momento exato para lhe presentear com o que tão sonhava... a liberdade e o...