Fecho meus olhos, aspirando lentamente o perfume das flores e folhas. O jardim estava repleto de pétalas caídas no mar verde de gramas, o banco também fora tomado por elas.
Sento na grama macia, embaixo da sombra da enorme árvore, ajeito meu violão entre as pernas de índio e suspiro.
Plugo meus fones de ouvido no celular, que opto por deixar entre as minhas pernas, carrego alguma música aleatória e fecho os olhos para escutar o toque.
Mesmo com as pálpebras fechadas, consigo pressentir alguém na minha frente com sua sombra enorme.
- Olá - Jeremy fala ao conseguir focalizar seu rosto.
- O...Oi - no mesmo instante me coloco de pé e seguro o violão com a mão esquerda, suspendendo-o do chão.
- Quanto tempo - oferece sua mão para um cumprimento curto, na qual retribuo sem pestanejar. Os raios do sol batiam delicadamente nas ondas do seu cabelo, e barba, de um modo encantador, como se brilhassem. O meu era assim também?
- A...Ah sim, muito mesmo. - solto sua mão e aperto, discretamente, uma das mãos envolta do tecido de meu vestido amarelo. - Como tem passado?
- Muito bem, graças a Deus. Você costuma vir aqui muito, não é? - sorri ao se sentar no banco encoberto pelas pétalas da delicada árvore.
- B...Bem... - mexo freneticamente em uma mecha do meu cabelo.
- As vezes passo por aqui de carro, e vejo você quase toda a vida sentada aqui com o seu violão. - um brilho cresce em seus olhos ao olhar meu instrumento na mão. - É lindo, quem te deu?Retomo minha posição de índio e batuco no corpo dele deitado no meu colo.
- Foi o meu pai - sorrio fitando a grama, e cresce mais ainda ao lembrar da sua promessa - Quando eu era menor, ele me prometeu dar o seu instrumento preferido.
- Então ele te lembra o seu pai. - constata me lançando um olhar terno.
- Sim, me lembra. Quando o toco é como se as mãos dele estivessem junto com as minhas, igual antigamente. - sem perceber, uma lágrima cai e se desfaz na saia do vestido.
- Eu entendo. - esfrega uma mão na outra e passa em seu rosto.
- Me desculpe, é que eu não sou muito acostumada a falar dele. E quando falo, acabo sendo um pouco sentimental. - encolho os ombros e estranho o modo como me sinto à vontade perto dele. Tão à vontade que poderia falar de tudo.
- Não precisa se desculpar, Emerson. Fique a vontade, gosto de conversar com você. Mas claro, se estiver tudo bem pra...
- Está tudo bem, de algum modo me sinto tranquila em questão de falar sobre isso com você, Jeremy. Por mais que seja...
- Estranho? - ele ri e me fita - Eu sei, também me sinto assim. - percebo o seu nervosismo e pisco algumas vezes, me livrando do lacrimejar.
- Ele era um pai maravilhoso, Jeremy. - fecho meu olhos, absorvendo as lembranças que tinha dele. - Foi ele quem me ensinou a tocar, mamãe sempre brigava por conta de sempre ficarmos no quintal pela noite. Meu irmão sempre fora apegado nela, e ela não gostava da ideia de eu ser mais em meu pai, então acabava sendo um pouco ciumenta. - Jeremy me olha com expectativa, como uma criança esperando um doce de uma mãe. - Ele era meu melhor amigo, chegava correndo da escola e ia direto em seu escritório, que ficava ao lado do meu quarto. Mas em uma madrugada, eu me acordei por causa de um raio que caiu perto de casa, corri para o seu quarto que era separado da minha mãe e não o vi lá. Suas roupas haviam sumido como um número de mágica e nunca mais apareceu.
- O que aconteceu depois disso? - me pergunta com sua voz um pouco trêmula.
- Bem, minha mãe tentou ocupar o lugar de pai e acabou mergulhando muito no trabalho e esquecendo dos seus filhos. - rio e mordisco o canto do polegar - Adam terminou a faculdade e já começou a trabalhar em um restaurante, fico feliz por ele, já que fez gastronomia e se tornou o comandante da cozinha. - Jeremy sai do banco e se senta na minha frente.
- E você? - me fita com curiosidade.
- Bom, fiquei mais sozinha em casa, mas não foi algo que demorou para se acostumar.
- Como é sua vida na escola? - se encosta no banco que outrora havia se sentado.
- Normal - quebro nosso contato visual e olho ao longo da rua deserta.
- Algo me diz que não é normal - se inclina um pouco para frente.
- Posso dizer que ser a única pessoa ruiva dentro daquela escola não é confortável.
- Bullying?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu Amado
SpiritualCom seus cabelos ruivos e com óculos de grau, Emerson sempre foi alvo de bullying. Chegou um momento em que não acreditava mais em reciprocidade, mas Deus apenas aguardava o momento exato para lhe presentear com o que tão sonhava... a liberdade e o...