Tormentas

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Assim que abro meus olhos, reconheço os móveis do meu quarto. A janela estava fechada, apenas o abajur aceso, mas dava para notar pelo escuro que já anoitecera. Sento devagar e massageio o ombro, não entendia o porquê de estar doendo tanto. Por mais que me esforçasse, apenas lembrava de Alicia e a incrível ajuda do Bernardo. Ouço alguns cochichos vindos do outro lado da porta, como um comando, meus pés me encaminham até lá.
- Isso está descontrolado. - Bernardo!
- Eu sei, mas ela não quer falar pra ninguém. Fala que já é reta final e não é necessário preocupar os outros logo agora. Bernardo, muito obrigado por cuidar da minha princesa, isso tudo me tortura, queria estar lá para ajudá-la. - sinto extrema necessidade de abraçá-lo apertadamente.
- Não se preocupe, mas se me permite perguntar... - ele estava tentando achar as palavras adequadas para falar - Por que não informa a mãe de vocês? De qualquer forma, ela não gostaria de saber de última hora.
- Eu já pensei em falar, mas ela iria querer se mudar. Essa é a solução que sempre tem, quando ocorre algo muito alastrador, ela prefere se mudar para longe. - imagino Adam coçando a cabeça como sempre faz quando está preocupado. - E Emê nunca gostou disso.
Ouço um breve silêncio e a porta se abrir, colidindo contra meu corpo.
- Você é péssima em se esconder, minha cara. - Bernardo tinha um sorriso estampado no rosto. - Como está de sentindo?
- B...Bem, eu acho. - tento esconder a tonalidade das minhas bochechas com as mãos.
Adam caminha rápido até mim e envolve-me com seus braços.
- Por favor, não me faça mais isso. - ele estava tremendo - Não pode imaginar como me senti quando te encontrei naquele banheiro.
Se afasta lentamente e fita os meus olhos.
- D...Desculpa. - falo.
- Vou fazer algo para comermos, nossa mãe vai voltar tarde do trabalho. Fiquem a vontade. - com uma breve reverência se retira.
- Posso entender de onde veio tanta formalidade sua.
Gargalho.
- Nada de ironia, Bernardo. Adam gosta de coisas antigas, então faz sentido. Venha, pode se sentar. - aponto para a cama.
Ele se senta nos pés da cama e eu me jogo de braços e pernas abertas, tomando conta de tudo.
- Como se sente?
- Estou melhor, não me lembro de quase nada. - fito o teto - Te devo um pedido de desculpas e um agradecimento.
- Por que desculpas?
- Por ter te metido nisso. - encolho os ombros e sento ereta - Ninguém se aproxima de mim com medo dessas brincadeiras, sempre quando tem alguém perto de mim também acaba levando um puxão de cabelo ou um copo de suco jogado em cima da cabeça.
- Isso desde quando ocorre? - seu semblante passou de tranquilo para sério.
- Isso não precisa ser falado - corto o assunto e caminho até a janela. Mesmo com o abajur aceso, pude ver as estrelas no céu. - Já já essas coisas ficam no esquecimento.
- Não. - pulo de susto, ele estava do meu lado e me olhava intensamente.- Isso vai ficar bem aqui - cutuca minha cabeça - nas suas memórias.
- Para com isso - bato leve em sua mão - Por favor, deleta a ideia de tentar me proteger, não siga o que o Adam pediu ou comentou. Eu sei me proteger muito bem, apenas deixo eles se divertirem já que é o último ano. Vai por mim - deixo meu olhar perdido vagar pelo céu estrelado - você não vai querer entrar nessa situação com uma garota sem graça.
- Pode até ser que nos conhecemos a pouco tempo, mas ainda assim desde que te vi caída na calçada, sinto que é preciso proteger-te. Pode achar idiota ou sei lá - sacode os ombros - meu corpo apenas age com impulso. Hoje assim que cheguei no refeitório e vi a situação, quando dei por mim já estava colocando os seus óculos no lugar - diz empurrando delicadamente os óculos que teimavam escorregar para longe dos meus olhos - Então, não me pergunte ou me aconselhe de que a melhor coisa é me manter calado enquanto a Emerson é alvo de crianças. - rapidamente se aproxima e deposita um beijo leve na minha testa.
- Tenho que ir.
Caminha até a porta e lança um olhar e ri com o meu estado paralisado.
- I...Isso é g...golpe baixo, Bernardo! - bufo e passo por ele. Ainda pelo corredor consigo ouvir a sua risada, involuntariamente minha boca se curva em um sorriso discreto.
- Jantar na mesa! - o grito de Adam irrompe a casa inteira.
- Meu irmão, não estou com fome - faço careta para a comida na mesa.
- Nem vem, Emerson. Você não comeu durante a tarde e só acordou agora. Precisa manter as forças e...
- Obedeça seu irmão, Watts. - arrepio-me com suas mãos nas minhas costas. - Tenho que ir, já devem estar me esperando em casa.
- Nem vem você também, Deivs.
- Deivs? - o olho curiosamente.
- Sobrenome - se encolhe impedindo uma risada.
- Liga para sua mãe dizendo que vais ficar aqui. - Adam tira seu celular do bolso do avental e joga pra mim.
- Hey, eu não tenho nada a ver com isso - pego antes que colida com meus óculos.
- Tem sim, é só você pedir que ele fica. - diz subindo as escadas e sumindo pelos cômodos - Anda logo, Emerson!! - olho para o lado, mas ele não estava mais lá.

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