P. O. V. Caíque
Me encontre nos cemitério às 3:20. Traga pessoas confiáveis. Os mortos estão vivos.
Emanoel.
Respirei fundo quando terminei de ler o bilhete pela milésima vez. Guardo de volta no bolso e presto atenção no vidro do carro.
- Então, nós vamos voltar? - Indaga Paulo, com a voz arrastada.
Depois que deixamos Bia, há uns 5 minutos, não trocamos mais palavras. Então a voz dele quebrou o silêncio.
- Não, não vamos. - Digo, determinado.
Eu realmente não ia voltar enquanto eu tivesse vida pra lá. Depois dá gritaria de Bia e também saber que eu estava melado de sangue era de mais pra minha cabeça.
Mas o esquisito foi que agora eu e Paulo estamos limpos. Sem nenhum vestígios de sangue.
- Não vamos mais tocar nesse assunto, tudo bem? - Passo as minhas mãos no cabelo e fecho os olhos. Eu queria que agora passasse de um mero pesadelo.
- Claro. Eu não gostaria de lembrar mesmo. - Paulo dá de ombros.
Ótimo, é melhor assim. Esse segredo só vai ficar entre nós três. Ninguém mais vai saber, nem do cemitério e nem do bilhete.
(...)
Bia pediu pra eu a encontrar num parque perto de sua casa. Como não consegui dormir, não pensei duas vezes eu sair de casa.
Minhas olheiras não estavam tão profundas quanto eu pensei que estariam. Mas a minha cara de acabado dizia a todos que eu tive uma péssima noite.
- Oi. - Levanto a minha cabeça quando escuto Bia falar. Ela estava pior do que eu, o que fez surgir um sentimento louco de abraça-la.
Ela se senta ao meu lado e abraça o próprio corpo. Coloco a minha mão no seu ombro, o que a faz estremecer, me fazendo lembrar de hoje de madrugada.
- Olha, eu te peço desculpas sobre ontem. Não deveria ter te colocado nessa.
Seus olhos fixam nos meus. Parece ser tão profundos, mas ao mesmo tempo tão frios. Tiro a minha mão do seu ombro e encaro as árvores que estão na minha frente.
- Psicótica. - Sua voz é firme.
- O quê?
- Psicótica. - Repete, e volto a olhar seus olhos sem brilhos. - Estou alucinando coisas, Caíque! Ontem mesmo vocês viram. Aquilo não era real pra vocês, era real pra mim.
Solto uma risada sem humor. Acho que ela pensa que é a única que está vendo coisas também.
- Bia, não é porque você surtou ontem que você pode se achar uma psicótica. - Tiro o bilhete do meu bolso. Agora, ele estava mais amassado. - Como você explica isso?
Entrego a ela o papel. Bia não exita em ler em momento algum. Como o bilhete era pequeno, em menos de cinco segundos ela estava com os olhos arregalados.
- Emanoel? Foi por isso que fomos ontem pro cemitério?
Concordo com a cabeça,pegando o papel de volta. Aquilo poderia ter alguma importância depois.
- Não foi ele que escreveu isso, eu sei. - Admito.
- Não, não foi ele. Foi alguém. Ou melhor dizendo, foi algo. - Os olhos dela agora estão fixos no chão. Acho que ela ainda está processando. - Eles querem que a gente o ache. Não a polícia, nem ninguém diferente. Só nós.
Engulo em seco e passo a mão novamente no meu cabelo, respirando fundo.
- Nós não vamos voltar pro cemitério. - Digo.
- Nós não vamos mesmo. - Ela fala como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Então, se essa entidade quer que nós achemos ele no cemitério, como vamos fazer?
Ajeito a minha postura, ficando mais alerta. Olho a hora no meu celular. 6:12. As aulas não vai demorar muito pra começar, então eu me levanto num pulo.
- Precisamos ir. Conversamos isso mais tarde no colégio, tudo bem?
Espero a sua resposta, que não vem.
- Longe da Mila. - Falei.
- Isso, longe da Mila. - A sua voz foi distante, e fico me perguntando o porquê. Era só um segredo entre mim, Paulo e ela, não era?
Camila não precisava saber do que aconteceu.
(...)
- Festinha na casa da Lauren. Você vai? - Termino de ajeitar a gravata dá farda e olho para Paulo.
Quando cheguei em casa, só deu tempo de tomar um banho rápido e vir correndo pra escola. E eu sei se não me vestir direito, algum superior vai reclamar.
E também não poderia deixar uma imagem minha mais acabada do que já está.
- Olha a minha cara de quem tá afim de festas.
Saímos do banheiro. Eu na frente, Paulo atrás tagarelando sobre a festa.
- Eu sei que não estamos no clima, mas é exatamente por isso! Precisamos deixar isso de lado um pouco, não acha?
Olho pra ele com cara de poucos amigos, o que faz Paulo levantar as duas mãos.
- Calma, só estou querendo ajudar. Tenho certeza que as meninas vão.
- Se eu fosse você, não teria tanta certeza assim.
Começo a subir as escadas em busca dá minha sala, e parecia que meu amigo não parava de falar hoje. Qual é, ele não estava preocupado pelo que tá acontecendo?
- Está bem, sabe o porquê de eu estar animado pra essa festa?
Não, eu não tinha a mínima ideia.
- Vai ter várias garotas em um canto só. - Falo, revirando os olhos.
- Pretendo oficializar com uma.
Parei bruscamente no corredor, fazendo com que seu corpo se esbarrasse com o meu.
- Você namorar? - Solto uma risada. - Conta outra, Caíque! Manda a real logo.
Volto a procurar a sala.
- É sério!
- Está bem, está bem. Eu posso saber quem é, então?
Lógico que ele não estava bem. Realmente, ontem o cemitério não fez bem pra ninguém.
- Você vai saber depois da festa.
- Ah, claro. Vai pedir a garota em namoro numa festa?
- Não, vai ser na noite da festa.
Coço a minha nuca enquanto entro na sala e me sento. As meninas ainda não chegaram, devem estar no banheiro.
- Mudando completamente de assunto. - Já me irritava ele só falando dessa tal festa no meu ouvido. - Você fez o quê depois que chegou em casa?
Seu rosto estampava um sorriso, mas num instante desapareceu.
- Nada de mais. - Vejo o seu corpo paralisar. Alguma coisa tem aí e ele não quer me contar.
- Certeza? - Só vou insistir uma vez.
- Sim.
Vejo o professor entrar na sala de aula, mas nada ainda de Bia e Mila. Estranho. Mila é fácil de se atrasar, mas Bia não. Será que ela ficou em casa?
Abro o meu caderno e folheio as páginas, procurando a matéria de história.
Anotações, anotações e mais anotações. O que eu não esperava era outro bilhete, agora todo rabiscado e com uma caligrafia péssima.
Eu pedi pra você vir, e você não veio. Agora arque com as consequências, querido amigo.
Emanoel.
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Goodbye
ParanormalAquela noite? Ia ficar para sempre nas nossas memórias. Gritos de crianças, batidas nas portas e nas paredes, sussurros ao pé do ouvido... Foi bem agoniante. Esperamos até o tabuleiro ir para o Adeus, mas isso só aconteceu alguma minutos depois. Qua...