Algumas pessoas não podem ser consertadas

59 6 21
                                    

- Estou com medo. - É a segunda vez que falo isso esta noite. Não sou muito de mostrar meus sentimentos, mas hoje é um caso especial.

Caíque me abraça, e não recuo. Seu peito era bem aconchegante no momento.

- Eu vou te proteger. 

Vejo a seriedade de suas palavras, e fico imaginando a sorte de que tenho de ter amigos assim. Ele, a Mila, o Paulo e Emanoel, por mais que suas condições estejam precárias. Transbordo pela primeira vez em dias.

Estava com medo de tudo. Do jogo, do escuro, da minha vida. 

- Não me deixa sozinha. - Assim que ele escuta a minha voz embargada, seus braços me apertam mais. Olho pela janela, e não vejo a luz do poste ligada. Deve ser um apagão no bairro inteiro. Um apagão normal, para alguns. Mas eu sabia que não era nada disso.

- Nunca. - Sua voz estava séria. Não queria mais chorar na sua frente, isso ia me demonstrar que eu era fraca demais para o jogo. Um jogo da vida, prefiro chamar. Me afasto dele e me levanto, caminhando para a janela. Pensava que tinha sido um apagão no bairro, mas pelo visto foi só na minha rua, já que as casas da outra esquina estavam todas iluminadas. 

Senti mais um frio na minha espinha.

- Dorme comigo hoje. - Não queria abusar da bondade de Caíque, mas eu não queria fazer mais nada sozinha hoje. 

- Tudo bem. 

Olho para o chão, e depois pra Caíque. Ele estava sentado na cama, me olhando. Não conseguia decifrar a sua expressão.

- Obrigada. 

Dou uma olhada para a porta do banheiro. Ela estava aberta, como eu deixei, mas eu não tinha coragem de entrar lá. Não hoje, de noite. 

Consegui me recompor e decido tirar essa roupa que agora estava toda suada. Pego outro pijama na gaveta e peço pra Caíque se virar. Eu não ia voltar pro banheiro, então tinha que me trocar no quarto mesmo.

- Calcinha de renda é tão sexy! - Ele brinca, e acho estranho isso. Como ele sabia que eu estava usando?

Visto logo a parte debaixo do pijama, e assim que pego uma blusa folgada, ele decide se virar. 

- Até que você é gostosa, irmãzinha. 

Ele realmente estava tentando quebrar o gelo naquela hora, e só Caíque pra me fazer soltar um risinho. 

- Me poupe de seus comentários impertinentes, Caíque. - Aquilo não era verdade. - Se não eu posso mudar de ideia quanto a você dormir aqui esta noite . - Isso também não era verdade. 

- Já que você insistiu tanto, sou obrigado a parar. - Mesmo no escuro, vejo seu sorriso branco.

- O que aconteceu com aquele garotinho fofo que conheci? 

Me deito na cama e Caíque, depois de alguns segundos, faz o mesmo. Era bom ter alguém pra me distrair. Agora não existia o mau, nem sangue escorrendo no espelho, nem amigos mortos. 

- Garotinho? -  Sua voz ficou roca no pé do meu ouvido, me dando um arrepio. Ri mais um pouco e dei um tapa no seu ombro. 

- Para de graça, vai!

Ele também rui, e voltou a deitar a sua cabeça no travesseiro. Por sorte, a minha cama era de casal, só que se não fosse, não ligaria. Ia pedir pra ele ficar comigo do mesmo jeito. 

Era bom se desligar do mundo um pouco. 

(...)

Mila ligou pra mim na manhã seguinte, falando que eu tinha que ir urgentemente para o hospital. Eles deixariam os amigos mais próximos o visitarem, já que ele irá ficar internado por um bom tempo. Só acho que Camila ficou enchendo o saco dos médicos.

GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora