Prolusão

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Kaendria chegou ao grande altar, uma vasilha de água fervente flutuando nas mãos. Sua eternidade permitia caminhar entre os Criadores, já que era uma de suas crias principais. Uma sentinela rara e de grande importância para a sobrevivência do planeta, assim como seus irmãos, que no momento, estavam distantes, separados pelo Oceano.

Porém, isso nunca foi um real problema, já que ela nunca os viu.

Os cabelos longos e negros de Kaendria caíam sobre a cintura apertada pelo corpete. Ela deixou a vasilha em cima do altar dos Criadores, para que pudesse enxergar além. O vapor da água subiu, chegando a uma das portas onde os Criadores dormiam. Ela sentia o cheiro da chegada. Eles estavam pertos.

Eles? Não, eles não. Ele. O sábio estava flutuando. Tão fraco, tão tremeluzente, que Kaendria não conseguiu enxergar seu belo rosto detalhadamente. Era apenas um borrão acinzentado.

O Templo do Criador ficava em um lugar completamente isolado de pessoas e da natureza. Era difícil e sacrificante chegar lá, se não fosse uma sentinela. Muitos já tentaram entrar para roubar o ouro, mas morreram no caminho. O lugar era íngreme, por conta das construções – que antes eram valorosas −, mas quando a guerra começou tudo se decaiu. O belo vitral com a imagem dos doze criadores estava quebrado. O chão rachado e os portões transcendentais estavam quebrados, mas ainda funcionava.

O Criador sábio fez um gesto saudoso para a menina, que assentiu com a cabeça. Seus olhos brilhavam de admiração e tristeza. O mundo estava enfraquecendo. As pessoas estavam perdendo sua vitalidade.

− A que devo a honra? – perguntou o sábio. Seus lábios mal se mexeram. Sua voz era cavernosa e tão antiga quanto o lugar. Tudo parecia chacoalhar ao redor de Kaendria, mas ela não se moveu.

− Acho que o escolhido está tão próximo a nós... – ela balançou a cabeça, segurando as lágrimas. - Preciso que guie a minha alma.

− Você acredita que ele está próximo? – ele perguntou. − Seus irmãos estão a mil anos errando e errando... – Os cabelos pretos flutuavam diante da névoa que o cercava. Os olhos brancos cansados e frágeis, não revelava nenhuma reação. Mesmo estando desaparecendo aos poucos, ainda continha esperança em seu ser.

− Sim. Eu acredito.

− Kaendria, o amor nos cega.

Era uma afirmação. Kaendria não queria acreditar.

− Ele é bom, grande sábio. Vejo bondade nele, depois de tudo que passou – ela suplicou, juntando as mãos e colocando perto dos lábios, implorando silenciosamente para que ele pudesse guiá-la. Seus olhos se fecharam lentamente ao sentir o toque delicado como uma pena.

− Minha menina... Você quer mesmo acreditar – aquilo era outra afirmação. Uma lágrima solitária desceu pelo rosto da jovem sentinela de um século de idade.

− Ele... Eu não estou cega. Ele é o nosso escolhido. Eu sinto...

− Envie os sonhos. Nesta época de desespero e sangue... Precisamos arriscar tudo. Até o que é mais valioso para nós – seus olhos brilhavam.

− Por que os Cosmos o teriam escolhido?

− Depende. Ele é um risco para nós. Saber que o mal permuta pelos arredores... O Escolhido sempre será um risco e sempre estará nele – ele olhou em volta, como se viajasse no tempo, assistindo a evolução humana e suas dificuldades. Uma expressão de dor tomou seu rosto e Kaendria engoliu em seco.

− Irei me arriscar. Vou. Eu pelo menos... Eu pelo menos tentei.

− Você fez mais do que isso, Kaendria. Você tomou conta de nós. Avisarei aos outras sentinelas que o escolhido apareceu. O guerreiro cósmico está de volta para nós.

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