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Eu me chamo Gabriel e não sei como vim parar aqui.
Você com certeza já deve ter sentido essa sensação de estar em um lugar, e não saber o porquê de estar lá.
Aqui o ar é denso, talvez pelos cigarros que Nina fuma, o seu quarto é fechado, nunca abre as janelas. Obviamente o cheiro de cigarro é o único perfume aqui. Ao menos, até que ela retorne.

Conheci Nina como se avista uma tempestade e não há para onde fugir. Apesar de quê… eu tentei me abrigar, mas foi inútil, Nina me atingiu. Me atingiu com suas tantas teorias sobre o que eu sentia, parecia tentar me convencer de que eu era mais do que aparentava, mais do que eu era. Cheguei à acreditar, mas não foi o suficiente para que eu a amasse. Eu não sou muito afetivo. Eu não sinto o amor. E Nina… Ah... Nina sentia tanto amor, que muitas vezes se afastava de mim, para tentar evitar que eu percebesse que já me amava. O amor transborda e eu sei disso, eu podia ver ele em todos os movimentos dela, na forma em que comia sua comida e me observava lavar à louça. E isso me irritava, ela conseguia me amar, ela ainda amava fácil, mesmo com todo mal que o amor tinha feito pra ela, ela ainda amava.

Lembro de um domingo — era a primeira vez em que ela estava em minha casa — estávamos sozinhos, meus pais haviam saído pra almoçar fora, e ela se desculpou sem motivos, quando a flagrei me encarando, transbordando.

— Desculpa, eu tenho essa mania de ficar observando as pessoas.

Ela sorria, sentia vergonha por ter sido pega, mas não desviava seu olhar do meu. Isso foi uma das coisas que quase me fizeram ama-lá, ela tinha um olhar firme, mesmo pega, ela não abaixava seus olhos. E eu me sentia pressionado, ninguém nunca me intimidava, ela fazia isso o tempo todo, e sem perceber.

Eu sempre fui bem humorado, mas à minha própria forma, ninguém nunca me fazia sorrir facilmente, e ela fazia. E eu odiava que ela fizesse isso comigo.

Ela percebia cada detalhe do meu corpo, e gostava, até mesmo das minhas cicatrizes. Imagine, uma mulher — do nada — comparar sua cicatriz com um pássaro e dizer que ele estava preso a mim. Pra ela eu tinha um pássaro na minha pele, pra mim não era nada e não se parecia com um pássaro, era apenas uma cicatriz que eu tinha adquirido na infância.

No início Nina era leve, uma tempestade que passava sem deixar rastros, depois se tornou um furacão. Eram muitos sentimentos partindo dela. Eu nunca quis mágoa-la. Nunca. Ela sabia que não poderia me amar. Ela sabia que eu não poderia amar.

No início eu acreditei que poderíamos dar certo sendo opostos, dar certo… não romanticamente, mas… sei lá. Podíamos dar certo. Contudo, depois de alguns meses, ela começou a me irritar ainda mais, ela não relaxava nunca, meu humor começou a irrita-la também, eu sei disso — mesmo que ela nunca tenha me contado — eu percebia nos seus silêncios, nos seus suspiros de exaustão.  Estávamos nos repelindo.

Eu que nunca gostei de poesia, comecei a ler algumas que ela me enviava, lembro de uma em especial...

Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro

(…)

há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?

(…)

Bukowski, O pássaro azul.

Ela sabia o que eu era, como me sentia e o que não me permitia sentir, então por quê ainda insistia?

O amor deixa as pessoas com muita fé em tudo, por amor tudo acontece, mas comigo — infelizmente para Nina — não era assim.

NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora